Depois de superar um câncer, Van Gaal foi um personagem que enriqueceu seu último Mundial – mais fora do que dentro de campo | OneFootball

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Trivela

·10 de dezembro de 2022

Depois de superar um câncer, Van Gaal foi um personagem que enriqueceu seu último Mundial – mais fora do que dentro de campo

Imagem do artigo:Depois de superar um câncer, Van Gaal foi um personagem que enriqueceu seu último Mundial – mais fora do que dentro de campo

Louis van Gaal não chegou à Copa do Mundo para ser unanimidade. O treinador, aos 71 anos, queria marcar sua última dança. Deixou a aposentadoria no Algarve para reassumir a seleção da Holanda e não abandonou o time nem mesmo enquanto realizava o tratamento de um câncer de próstata – doença só revelada após a cura. Chegou bem ao Mundial, com um sorriso no rosto e um ar provocador. Não deixou de tentar desestabilizar os adversários em suas entrevistas, ao mesmo tempo em que transmitia um ambiente leve e unido na sua equipe – algo que nem sempre foi o padrão na Oranje. Os jogadores declaravam publicamente que queriam vencer pelo técnico. Ao final, Van Gaal montou um time pragmático que não encantou e recebeu muitas críticas. Porém, fez mágica para reagir contra a Argentina e quase avançar nos pênaltis. Amado por muitos e também odiado por tantos (inclusive Messi), o técnico sai como um dos personagens mais vivos dessa Copa. Poderá, enfim, curtir as praias lusitanas. Mas se despede do torneio com uma história rica, sem nunca ter perdido com bola rolando.

Ao longo de toda a sua história, Van Gaal provocou sentimentos distintos. Mesmo seu papel como condutor de um histórico Ajax nos anos 1990, responsável pelo surgimento de inúmeros craques, não o tornou unanimidade. O que não se nega é a capacidade vencedora que se repetiu em diferentes cantos – no Barcelona, no AZ, no Bayern de Munique. Não podia ser diferente na seleção holandesa, e a Copa do Mundo de 2014 transformou essa impressão. Em sua primeira passagem, Van Gaal não conseguiu levar a Oranje para o Mundial de 2002. A nova chance mais de uma década depois soou como um resgate, do prestígio da equipe nacional após uma fraca Euro 2012 e da sua própria fama, ao fazer o que fez no Brasil. Foi um time que conseguiu vitórias históricas, alcançou as semifinais e encantou até mais que a Holanda vice-campeã de 2010.


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O moral de Van Gaal na Copa de 2014 o levou para o Manchester United. E, bem, a passagem por Old Trafford acabou dando mais argumentos aos seus detratores. A saída da chuvosa Inglaterra fez o veterano guardar a prancheta no armário, para viver sua aposentadoria com a esposa na casa litorânea de Algarve. O problema é que, depois de 2014, a Holanda entrou em queda livre. Não foi para a Euro 2016, não foi para a Copa de 2018, não teve grande campanha na Euro 2020. Diante da falta de rumo, a federação preferiu recorrer ao medalhão para ao menos apaziguar as crises e conseguir um time competitivo rumo a 2022. Van Gaal também queria isso.

A versão de Van Gaal do último ano e meio foi a mais serena de sua carreira. Nada que o período distante do futebol não auxiliasse. Estava ali não só pela seleção, mas também por si: pelo desejo de conquistar uma Copa do Mundo e de engrandecer uma trajetória já consagrada entre os maiores treinadores do futebol holandês. A relação com os jogadores, muitos deles seus velhos conhecidos, era a de um paizão. Ficava de lado a imagem durona de outros tempos, ouvindo mais, sendo mais carinhoso. E isso tudo enfrentando um drama pessoal omitido à maioria: no final de 2020, ele descobriu um câncer de próstata – uma notícia certamente pesada para quem havia perdido a primeira esposa após um câncer em 1994.

Nem o tumor foi empecilho para Van Gaal reassumir a seleção. Não falou com os jogadores, mesmo quando passava por 25 sessões de radioterapia. “Recebi tratamento especial no hospital. Fui autorizado a entrar pela porta dos fundos e imediatamente colocado no quarto. Não queria falar aos jogadores porque isso teria influenciado suas atuações. Em cada período da minha passagem como técnico, tive que sair à noite para ir ao hospital sem que os jogadores soubessem. Pensavam que eu estava saudável, mas não estava”, contaria posteriormente. E o tratamento daria resultado, algo só revelado depois.

Já dentro de campo, Van Gaal optou por montar um time competitivo, não necessariamente vistoso – e os resultados vieram, nas Eliminatórias e na Liga das Nações. De tão compromissado com o trabalho, chegou a dirigir a equipe até numa cadeira de rodas, após sofrer um acidente de bicicleta – na mesma época em que tratava o câncer, aliás. A Oranje chegou à Copa do Mundo com uma sequência invicta de 15 partidas, com vitórias sobre adversários bem cotados da Europa. Não era o elenco mais talentoso da história holandesa, longe disso, bem abaixo mesmo do que se tinha em 2014. Mas dava para imaginar um time minimamente duro de se enfrentar, com toda a bagagem de seu treinador e a maneira como as coisas fluíram recentemente.

O futebol da Holanda não aconteceu nesta Copa do Mundo. Teve dificuldades durante toda a fase de grupos, em especial contra Senegal e Equador. Apesar disso, garantiu a primeira colocação e avançou aos mata-matas. Já diante dos Estados Unidos, a melhor atuação dos holandeses aconteceu dando a bola para os adversários. Foi uma equipe bem postada na defesa e muito perigosa nos contra-ataques. Nesse momento, Van Gaal já estava sem freios para tentar tirar os adversários do sério. Deu declarações questionando favoritos como Argentina e Brasil – não coincidentemente, possíveis adversários na mesma chave. Parecia muito mais interessado em mexer com os brios de geral.

Se muita gente de fora não gostou da maneira como Van Gaal se dirigia aos adversários, não dava para negar o carinho com os comandados. Chegou a dar um beijo no rosto de Denzel Dumfries no meio da coletiva. Também faria brincadeiras para arrancar o sorriso de Memphis Depay. Sua empolgação ao voltar para o hotel todo sorridente após o triunfo contra os Estados Unidos rendeu mais uma cena impagável. Se o clima positivo tantas vezes faz a diferença nas Copas do Mundo, onde a pressão é palpável no ar, pelo menos nesse ponto a Holanda se sugeria mais forte do que o visto no campo.

As quartas de final, porém, providenciaram o primeiro adversário realmente difícil: a Argentina. Lionel Scaloni armou bem seu time para espelhar a formação da Holanda e, num embate equilibrado, Messi encontrou os caminhos para abrir uma vantagem de dois gols. Entretanto, o velho Van Gaal tinha suas cartas na manga. Ao apostar em dois grandalhões na área, conseguiu o empate milagroso, com direito a uma jogada ensaiada que mudou toda a história no último minuto dos acréscimos do segundo tempo. O veterano voltava a ser personagem. Só não podia reverter o destino nos pênaltis dessa vez. Se Andries Noppert foi um baita achado do comandante, ele não seria um Tim Krul.

Van Gaal precisou ouvir os desaforos de Messi no final de um jogo quente, no qual o próprio técnico havia elevado a temperatura. Restou se despedir dessa terceira passagem pela Holanda invicto com bola rolando e também das Copas do Mundo sem uma derrota sequer sem ser nos pênaltis. A Argentina, por duas vezes, o frustrou. Mas Van Gaal pôde ser sua versão mais autêntica neste Mundial: falador, querido por muitos jogadores, execrado por outros – dessa vez, aparentemente, não por seus comandados. Sobretudo, conseguiu elevar as perspectivas de uma equipe com suas limitações. Não deu para cumprir seu sonho, mas só de viver por isso já deve ter sido bom demais.

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