MundoBola Flamengo
·23 de junho de 2025
De Bruxelas à Filadélfia: a faixa, o boné e a alma rubro-negra

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·23 de junho de 2025
Tem viagem que começa bem antes da passagem emitida. A ida para Filadélfia começou no instante em que soube que o Flamengo enfrentaria o Chelsea nos Estados Unidos. Quem mora fora do Brasil sabe o que significa ver o Manto ao vivo. Não é apenas um jogo. É uma espécie de romaria. É se reencontrar com uma parte de si que fica adormecida na rotina cinza dos aeroportos, dos trens, dos cafés europeus.
E, quando vi, já estava voando de Bruxelas para Londres. Conexão em Heathrow. E ali mesmo, ainda na fila de embarque, já dava para sentir o clima: meia dúzia de torcedores do Chelsea, vestidos de azul dos pés à cabeça, conversavam alto, confiantes — mas discretamente confiantes, como quem não quer parecer soberbo... mas é.
Dei um jeito de me sentar perto de dois deles no avião. Fui puxando conversa com o jeito mais inofensivo possível. “So... you guys think you're ready for Flamengo?” Um deles riu, com aquele ar de quem não sabia muito bem o que esperar. “Hope it won’t be a walk in the park,” respondeu. Mal sabia ele.
Cheguei em Filadélfia no dia anterior ao jogo. Cidade vibrante, clima quente, clima de decisão. E ali, entre um café e outro, tive um dos momentos mais especiais da viagem: a chance de conversar e estar ao lado do ex-goleiro Raul Plassmann. Um dos maiores nomes da nossa história, ídolo verdadeiro, referência para gerações. Levei a ele um boné exclusivo da Fla Bruxelas, com o distintivo do Consulado e um logo estilizado com o goleiro de amarelo e o Globo terrestre eu rubro-negro ao fundo.
Um gesto simbólico, claro. Mas que traduz o que somos fora do Brasil: a paixão que não descansa. Raul, gentil como sempre, acolheu com sorriso e nos apoiou — como vem fazendo com as Embaixadas e Consulados da Nação Rubro-Negra espalhados pelo planeta. Ele entende o que muita gente no clube ainda não entendeu.
E então veio o jogo. Flamengo 3, Chelsea 1. Uma atuação de gala. Daquelas que a gente vai contar para os filhos e netos, mesmo que eles já tenham decorado o placar. Fosse na Gávea ou no Maracanã, seria lindo.
Mas ali, no Lincoln Financial Field, foi mais do que isso: foi épico. Era o Flamengo provando sua grandeza para um público internacional, mostrando que nossa camisa pesa, que nosso time encanta, que nossa torcida canta até em outro fuso horário.
Mas algo que também me marcou profundamente, na verdade, veio antes disso. Por quase três horas antes de a bola rolar, participei ativamente da distribuição das faixas personalizadas do Flamengo à torcida que chegava para assistir ao confronto.
Um gesto simples, mas de enorme impacto. As faixas haviam sido confeccionadas pelo clube, e a missão era entregá-las aos torcedores nas saídas do estádio. Junto comigo estavam membros de vários consulados: Fla Washington, Fla Filadélfia, Urubu Texano, entre outros. E o que vimos ali foi algo emocionante.
Muitos dos torcedores presentes nunca tinham tido um adereço oficial do Flamengo. Alguns eram imigrantes de primeira ou segunda geração, outros estrangeiros convertidos à religião rubro-negra. Crianças, adolescentes, adultos — muitos sem camisa, sem bandeira, sem nada além do amor pelo time. A faixa foi, para muitos, o primeiro vínculo físico com o clube.
Vi olhos brilhando, vi gente agradecendo como quem recebe um presente raro. Vi até torcedores do Chelsea, moleques curiosos que pediam uma faixa para levar pra casa. E levaram. Vibraram. Saíram dali torcendo mais por nós do que por eles.
Em meio a tudo isso, um detalhe: peguei um táxi para o hotel e o motorista, de Bangladesh, tinha um volante com capa rubro-negra. Painel vermelho e preto. Sorrimos cúmplices. “You know Flamengo?” perguntei. “Yes, very famous club in Brazil. Strong team.” Aquele volante tinha mais história do que muito executivo do clube parece imaginar.
Essa é a vida do torcedor fora do Brasil. A gente inventa maneiras de estar perto. Faz faixa, faz boné, organiza encontro, ensina o hino, leva o filho vestido com a camisa 10 na escola belga. A gente faz porque ama. Porque não espera nada em troca.
Mas, ao mesmo tempo, é impossível não pensar em tudo o que o Flamengo desperdiça. O clube ainda enxerga pouco as suas embaixadas, os seus consulados. Não como ferramentas de marketing, mas como o que realmente são: bastiões autênticos da paixão. Gente que trabalha de graça, que representa sem pedir cargo, que ajuda sem precisar de crachá.
Ver o Zico como Embaixador foi um passo. Mas que seja o primeiro de muitos. Que o clube entenda, de uma vez por todas, que sua internacionalização já começou — e não foi com executivos engravatados, mas com torcedores reais, como os que estavam em Filadélfia.
Paulo Lima é fundador e Cônsul da Fla-Bruxelas. É funcionário das Nações Unidas e jornalista (ex-LANCE!)