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·10 de maio de 2020
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Artista. Não existe palavra melhor para definir David Ginola. Artista da bola, do entretenimento, do drible, do gol, da tragédia em 1993 e da glória em 1998/1999. Mais tarde, foi dos filmes e comerciais também, mas sem nunca se distanciar do futebol, sua grande paixão da vida.
Ginola nasceu em 25 de janeiro de 1967, na pequenina vila de Gassin, perto da famosa Saint-Tropez, destino muito visitado por artistas e famosos. Talvez um pouco de seu charme e elegância tenha vindo daí.
Aos 18 anos, estreou pelo Sporting Toulon numa vitória contra o Metz, por 2 a 0. Na sua primeira temporada como profissional, não foram muitos jogos, apenas 14, mas logo no ano seguinte, em 1986, já integrava o time titular do Toulon.
Aliás, seu primeiro título veio justamente em Toulon, mas com a seleção francesa em 1987, no ‘Torneio de Toulon’. Além disso, ele também levou o prêmio de melhor jogador do campeonato. Honraria que grandes jogadores têm, como: Alan Shearer (1991), Rui Costa (1992), Henry (1997), Riquelme (1998) e James Rodríguez (2011).
Em 1988, Ginola foi jogar no RC Paris, clube no qual ficou por duas temporadas, até assinar com o Brest em 1990. Lá foi onde o francês começou a chamar atenção pelo seu futebol insinuante. Dois anos depois, David foi contratado pelo PSG. No Paris Saint-Germain, realizou o seu primeiro grande ato da sua obra no futebol.
Atuando ao lado de Ricardo Gomes e o bola de ouro George Weah, Ginola venceu a Ligue 1 (1993/1994); Copa da França (1992/1993, 1994/1995) e a Copa da Liga (1994/1995). Na temporada 1993/1994, ele também foi eleito o melhor jogador do Campeonato Francês.
Junto com todo o sucesso no clube, Ginola também começou a desfilar sua técnica na seleção principal. Ele teve seu nome frequentemente escrito na lista de convocação das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1994. Porém, foi justamente com a camisa da França que aconteceu a maior tragédia da sua carreira.
O dia era 17 de novembro de 1993. Última rodada das Eliminatórias Europeias para a Copa do Mundo. Após perder por 3 a 2 para Israel, a França precisava apenas de um empate contra a Bulgária para garantir sua passagem aos Estados Unidos.
Didier Deschamps, Marcel Desailly, Emmanuel Petit, Jean-Pierre Papin e Eric Cantona eram alguns dos nome que compunham aquela ótima seleção. Quase 50 mil pessoas no Parque dos Príncipes viram Cantona abrir o placar aos 32 minutos e Kostadinov empatar aos 37 do primeiro tempo. A tensão pairava no ar e o medo dos franceses da não classificação era real.
Ginola adentrou o campo de jogo substituindo o cansado Papin. A instrução era segurar a bola e tentar marcar o segundo gol, assim matando o jogo. Ele havia entrado bem no jogo, driblando, criando e ajudando a França manter o empate. Mas quando o relógio marcava 46 do 2º tempo, Ginola desperdiçou uma bola ao tentar cruzá-la para a área vazia.
Enquanto o técnico Gerard Houllier esbravejava com o lance, a Bulgária armou um contra-ataque fulminante que culminou em outro gol de Kostadinov. Um silêncio brutal tomou conta do estádio. Um silêncio que proclamava, mesmo sem palavras: a França está fora da Copa do Mundo e a culpa é de David Ginola.
Em abril de 2012, um tribunal francês julgou o processo no qual Ginola acusava Houllier de difamação, após ele falar publicamente que a culpa da derrota era toda do atacante. Após a partida contra a Bulgária, o treinador disse que Ginola era o ‘assassino do filme’ e que ele tinha ‘disparado um míssil no coração do futebol francês’. Mais tarde, no livro “Coaches Secrets” de 2011, Houllier voltou a depreciar o ex-comandado.
As críticas e sentenças foram instantâneas. Eleito como o grande vilão do filme, Ginola acabou saindo do PSG em 1995. Segundo o atacante, a decisão não foi tomada só pelo episódio na seleção, mas também por causa dele. Contratado como uma superestrela por 2,5 milhões de euros, Ginola agora era jogador do Newcastle.
Em St James’ Park, o francês se juntou a Les Ferdinand, Rob Lee e Peter Beardsley para levar o time à uma campanha memorável na Premier League. O Newcastle terminou em 2º, apenas quatro pontos atrás do campeão Manchester United.
Em janeiro, a equipe estava na liderança, com 10 pontos de vantagem, mas o título acabou escapando. Apesar da decepção, todo o ódio derramado na França se transformou em puro amor na Inglaterra.
Com menos de um ano, Ginola já tinha sido eleito ‘Jogador do Mês’ de agosto e integrante do Seleção da Temporada. Um verdadeiro plot twist digno de Henri-George Clouzot, diretor francês, em “As Diabólicas” (1955).
Em 1996, o Barcelona estava decidido a contratar David Ginola. Bobby Robson, técnico dos catalães, ligou diretamente e convenceu o jogador. Entretanto, Kevin Keegan, treinador do Newcastle, recusou todas as propostas. Segundo ele, o clube não precisava do dinheiro dos espanhóis e mesmo após os pedidos encarecidos de Ginola, que acreditava naquela oportunidade como a maior da sua carreira, Keegan não autorizou a transferência.
Para a temporada 1996/1997, o Newcastle estava disposto a abrir os cofres e ir em busca do título. Vindo do Blackburn Rovers pelo valor de 15 milhões de euros, recorde do clube até então, Alan Shearer chegou.
O trio formado por Les Ferdinand, Shearer e Ginola ainda habita o imaginário de muitos torcedores saudosistas. Por muito pouco, mais uma vez, a taça escapou. Sir Alex Ferguson e seus comandados foram campeões, deixando o Newcastle com outro vice-campeonato.
Repentinamente, no meio desta citada temporada, Keegan (o mesmo que barrou a saída de Ginola meses antes) deixou o clube, sendo substituído pela lenda Kenny Dalglish. Ginola não se deu bem com o novo chefe e as coisas ficaram complicadas para ele. Durante o verão de 1997, David precisou partir para um novo espetáculo. Foi vendido por 2,5 milhões de euros ao Tottenham.
No Tottenham, a primeira temporada foi de adaptação, já que diferente do Newcastle, o clube não tinha grandes estrelas e nem muito dinheiro. O principal nome da equipe até aquele momento era Sol Campbell, cria de White Hart Lane. Então, Ginola agora era, de fato, o centro das atenções. Les Ferdinand também fora vendido ao Tottenham, reeditando a dupla de sucesso de anos antes.
A grande temporada da carreira de David Ginola aconteceu em 1998/1999. Vestindo a camisa de número 14, ele elevou o patamar do Tottenham. Transformou-o em uma equipe competitiva, capaz de travar duelos com os mais ricos do país.
Mesmo a equipe tendo visíveis limites técnicos, conseguiu chegar ao título da Copa da Liga de forma esplendorosa, batendo Liverpool nas oitavas e Manchester United nas quartas de final. O confronto contra os Red Devils foi uma das grandes exibições do francês na carreira.
Quase 36 mil pessoas foram ao White Hart Lane na noite de 2 de dezembro de 1998. O adversário, que ganharia a Champions League meses depois, poupou alguns nomes, mas ainda assim entrou muito forte em campo: Van der Gouw; Clegg, Berg, Johnsen e Curtis; Greening, Butt, Phil Nivelle e Giggs; Solskjaer e Sheringham.
Ao decorrer do jogo também entrou a jovem estrela inglesa David Beckham. Já o Tottenham, por outro lado, apostava alto na possibilidade de ir longe na copa: Walker; Carr, Young, Campbell e Sinton; Anderton, Nielsen, Calderwood e Ginola; Iversen e Armstrong.
Após um primeiro tempo tenso, Chris Armstrong abriu o placar logo no começo do segundo tempo. O gol deu a vantagem, mas não a tranquilidade aos Whites. A pressão do United logo surgiu, porém sete minutos depois, o artista apareceu.
Pela ponta-esquerda, Ginola partiu para cima de Greening com pedaladas insinuantes. Como se sua perna fosse o lápis de um grande desenhista, David fintou o marcador e cruzou na cabeça de Armstrong, que anotou o segundo gol.
O Manchester United partiu de vez para cima do Tottenham que se defendia bem. Aos 71 minutos, Sheringham antecipou um cruzamento vindo da esquerda para diminuir o placar. Apenas um gol de diferença significou mais sufoco ainda na partida. Até que então, Ginola apresentou o seu ‘Grand Finale’ para o confronto.
Faltando 5 minutos para o apito final, David recebeu na intermediária ofensiva, fintou Ryan Giggs e acertou o ângulo. Um autêntico golaço Um dos mais bonitos de sua carreira, da história do Tottenham e da Copa da Liga. Mais tarde, o Tottenham venceria o torneio com um gol aos 90’ de Nielsen, contra o Leicester na final.
A temporada de Ginola foi tão absurda que ele conseguiu ser eleito o Melhor Jogador da Premier League de 1998/1999, na eleição da PFA, mesmo com o Tottenham terminando o campeonato em 11º lugar.
Ele foi o primeiro jogador a conquistar esse prêmio jogando por um time de fora do Top 4 do torneio. Foram 44 jogos, 7 gols e uma torcida absolutamente encantada por seus lances e assistências. Aliás, ele faz parte do Hall of Fame do Spurs desde 2008.
Nesta época, David Ginola era realmente um dos melhores do mundo. Johan Cruyff, lenda máxima do futebol, chegou a afirmar em entrevistas para veículos europeus que o francês foi o melhor do mundo em 1999.
Em julho de 200, uma bomba caiu no colo de Ginola. Ele simplesmente recebeu a notícia de que fora vendido ao Aston Villa. Sem mais, nem menos. Num ato de desrespeito, os dirigentes do Spurs julgaram que com 33 anos, David Ginola valia menos que os 3 milhões de euros oferecidos por seu passe.
Chegando no Villa, o astro ainda precisou lidar com as críticas de John Gregory, gerente do clube, dizendo que o francês estava acima do peso. Em dezembro de 2000, Ginola marcou seu primeiro gol com a camisa dos Villans e tirou a camisa, mostrando a barriga chapada.
Com desconfianças e descontentamento do próprio jogador, David não conseguiu desempenhar todo seu futebol no Villa Park. No ano de 2002, aos 35 anos de idade, Ginola se transferiu para o Everton, mas por desentendimentos com mais um treinador, dessa vez David Moyes, disputou apenas cinco jogos.
Como um filme muito bom que acaba repentinamente, Ginola e seus fãs ficaram com a sensação que ainda ‘dava mais’. O artista tinha algumas outras cenas orquestradas para mostrar ao público. David Ginola se aposentou em maio de 2002, com a camisa do Everton.
Antes de David Beckham estourar como garoto propaganda e sinônimo de marketing pelo mundo, Ginola já fazia comerciais para grifes francesas no começo dos anos 1990. Na Inglaterra, ele estrelou peças publicitárias de: Kingston Technologies, adbrokes, L’Oréal, Renault. Além de ser capa do FIFA 97 e embaixador da candidatura olímpica de Paris anos depois, em 2012.
Inclusive, Ginola é literalmente um ator, já que se formou na RADA (Royal Academy of Dramatic Art), uma das melhores escolas de arte dramática do mundo. Caras como Tom Hiddleston e Sean Bean (o Ned Stark, de Game Of Thrones, que, na vida real, é torcedor do Sheffield United) estudaram lá.
Sua estreia em filmes aconteceu em um curta-metragem chamado ‘Rosbeef’, de 2004, premiado no Festival de Cinema de Dijon. Ele também participou de longas e alguns seriados de TV franceses.
Como um bom amante de vinhos, Ginola se meteu a produzir algumas garrafas da bebida. O resultado? Foi premiado com a medalha de prata no International Wine Challenge de 2008.
Já em 2015, outra aventura, o francês tentou sua candidatura a presidente da Fifa, mas acabou não tendo sucesso. Acabou retirando-a por não conseguiu apoio de cinco federações diferentes. Atualmente vive com sua família em Saint-Tropez e aparece frequentemente em programas esportivos britânicos.
Ginola foi um autêntico artista. Ele mesmo dizia que gostava de entreter as pessoas, provocar emoções e sorrisos. Era romântico vê-lo jogar. A beleza e ousadia de seus dribles pela ponta-esquerda combinavam perfeitamente com seus cabelos balançando ao vento, enquanto ele balançava os defensores.
Poderia ter sido muito mais, se não fosse os técnicos emburrados e o traumático episódio na seleção. Mas, os grandes filmes duram o tempo necessário para serem inesquecíveis. Assim como foi Ginola, marcante e inesquecível.
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