Como foi a primeira conquista europeia do Rangers: entre o drama e o fantástico, a Recopa de 1972 | OneFootball

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Trivela

·18 de maio de 2022

Como foi a primeira conquista europeia do Rangers: entre o drama e o fantástico, a Recopa de 1972

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O Rangers é o clube escocês que mais vezes disputou finais europeias. A decisão da Liga Europa 2021/22 é a quinta da história do clube. Todavia, nas quatro ocasiões anteriores, os Teddy Bears amargaram três vices. Até por isso, a conquista da Recopa Europeia de 1971/72 reluz tanto no museu dos azuis. Os Gers atravessavam um momento difícil, de domínio do Celtic na Escócia e também marcado por uma grande tragédia em Ibrox. O torneio europeu ofereceu um alento, com uma campanha inacreditável em que o time dirigido por Willie Waddell eliminou forças como o Bayern de Munique e o Torino, assim como superou o Sporting num jogo em que o árbitro ignorou o regulamento (!) – determinando uma disputa por pênaltis, vencida pelos lusitanos, quando os escoceses deveriam passar pelo gol fora na prorrogação. Já a decisão no Camp Nou seria manchada por uma batalha campal entre torcedores bêbados e a polícia, que sequer permitiu o apito final. Não foi isso, contudo, que apagou os méritos do Rangers pela vitória por 3 a 2 sobre o Dinamo Moscou, numa história exaltada em Ibrox mesmo 50 anos depois.

Quando as competições europeias começaram a ser disputadas, na segunda metade dos anos 1950, o Rangers se alternava em “ano sim e ano não” como campeão escocês. Foram seis títulos do campeonato nacional entre 1956 e 1964, o que se revertia também em campanhas imponentes além das fronteiras. Mas não em títulos. A lista de frustrações até a primeira metade dos anos 1960 incluía a semifinal da Champions de 1959/60, com o clube goleado pelo Eintracht Frankfurt nos dois jogos, e o vice da Recopa em 1960/61 diante da Fiorentina. O rival Celtic, neste período, era um mero coadjuvante. Quando os alviverdes voltaram ao topo do país após 12 anos de jejum na liga, com Jock Stein, emendariam uma sequência de nove títulos que geraria mais frustrações aos Gers.


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A partir da segunda metade da década de 1960, o que restava de maior ao alcance do Rangers eram as copas continentais, já que o Celtic não dava chances no Campeonato Escocês. Mesmo assim, o time insistia em bater na trave. Em 1966/67, a temporada em que o Celtic conquistou a Champions, os Teddy Bears tiveram a chance de levar a Recopa Europeia. Perderam a decisão para um ascendente Bayern de Munique, apenas uma semana após os Leões de Lisboa se eternizarem com os rivais. Pouco depois, em 1968/69, a frustração seria na semifinal da Copa das Cidades com Feiras, contra o Newcastle. E o jejum de títulos se estendia. De 1967 a 1970, os Gers não levaram sequer uma copa nacional para casa. Além disso, emendaram cinco vices consecutivos da liga. Mesmo um clube historicamente estável no comando técnico passou por mudanças constantes na casamata.

Um breve alento aconteceu em 1970/71. O Rangers voltou a comemorar uma conquista com a Copa da Liga, ao derrotar o Celtic em decisão ocorrida em outubro de 1970. Aos 16 anos, o futuro ídolo Derek Johnstone garantiu o gol da vitória por 1 a 0. Seria, porém, uma temporada de mais dor em outros aspectos. Em 2 de janeiro de 1971, na Old Firm de Ano Novo, com o Ibrox abarrotado, o futebol escocês viveu uma de suas maiores tragédias. Num portão do estádio que teve, anos antes, outras fatalidades, um colapso massivo aconteceu na saída do jogo e provocou a morte de 66 pessoas – a maioria asfixiada em meio ao esmagamento de corpos. Ibrox passou por uma grande reforma, que diminuiu a capacidade de suas arquibancadas em quase metade do público. O Rangers, responsabilizado pela negligência em relação aos problemas recorrentes naquele portão específico, foi processado por 61 famílias de vítimas.

Depois do desastre, o Rangers teve fracos desempenhos ao final da temporada 1970/71. A equipe terminou na quarta colocação do Campeonato Escocês e perdeu a Copa da Escócia para o Celtic. O vice neste torneio, ao menos, valeu uma chance de reconstrução para os Gers na Recopa Europeia de 1971/72 – já que os alviverdes jogariam a Champions mais uma vez. A “repescagem” acabou se tornando uma oportunidade de ouro num momento tão difícil para o clube, em tantos aspectos.

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Naquela época, o Rangers era comandado por Willie Waddell. O antigo ponta direita era uma lenda dos Teddy Bears e atuou profissionalmente pelo clube de 1939 a 1955 – em período no qual conquistou quatro títulos, apesar da interrupção do futebol por conta da Segunda Guerra Mundial. Sua carreira como treinador começou no Kilmarnock e também seria marcante, a ponto de levar o modesto clube a seu único título do Campeonato Escocês, em 1965. A partir de 1969, se tornaria a solução para os Gers e o contraponto em Ibrox ao sucesso que Jock Stein fazia no Celtic. Seria uma missão árdua.

Waddell era visto como um símbolo do Rangers. Usava sua identificação com o clube para criar um ambiente de superação nos vestiários e transmitir aos jogadores “o que significava a instituição”. Além da parte esportiva, Waddell também desempenhava funções administrativas. Foi ele quem supervisionou o projeto de reforma de Ibrox após a tragédia na Old Firm – inspirando-se no Signal Iduna Park. Também lidou diretamente com as famílias das vítimas do desastre e era elogiado pela maneira afetuosa no trato pessoal com tantas pessoas em luto. Era um verdadeiro líder, por mais que os sucessos esperados em campo não acontecessem faz tempo para os Teddy Bears.

A impressão era de que a temporada de 1971/72 seria tão ruim quanto as anteriores para o Rangers. A equipe sofreu quatro derrotas nas cinco primeiras rodadas do Campeonato Escocês, o que já afastava a ideia de quebrar o jejum. O foco na Recopa Europeia logo se tornou maior. Willie Waddell, então, demonstrou sua maestria ao conduzir o time na competição continental. Os Gers contavam com formações dinâmicas, que variavam seu sistema tático e se adaptavam às circunstâncias. A equipe transitou entre o 5-3-2 e o 4-4-2 para ter mais força contra os oponentes, assim como para driblar desfalques. Além do mais, independentemente da seca, era um grupo forte o suficiente.

Não menos importante era Jock Wallace, braço direito de Willie Waddell e responsável pela preparação física. Soldado na Guerra da Coreia e torcedor fanático do Rangers, Wallace impunha uma rotina militar aos atletas, com exercícios duríssimos. Também possuía métodos pouco convencionais, como a ideia de esfregar uma solução com uísque na cabeça dos jogadores para “restabelecer o equilíbrio cósmico”, antes de jogar água gelada com uma mangueira. Fato é que, sob suas ordens, os Gers mantinham um fôlego invejável e muita resistência em campo. Isso faria a diferença na caminhada europeia, especialmente contra adversários mais talentosos, que esbarrariam na solidez dos escoceses.

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A formação do Rangers começava com Peter McCloy, goleiro que superou as 500 aparições com o clube. Já o sistema defensivo era encabeçado por John Greig, capitão que é considerado por muitos como o maior símbolo de liderança da agremiação e que depois viraria estátua na frente de Ibrox. É o recordista em jogos com a camisa azul, somando 755 aparições entre 1961 e 1978. O setor de marcação também contava com outros atletas de enorme projeção dentro da história do clube e membros do Hall da Fama dos Gers, como Sandy Jardine, Colin Jackson, Willie Mathieson e Derek Johnstone – este, ainda muito jovem, sendo usado tanto na defesa quanto no ataque.

No meio, o grande craque era Dave Smith. O camisa 6 servia como condutor do jogo do Rangers e impressionava por seus lançamentos, ainda mais depois de voltar de um longo período afastado, com duas fraturas nas pernas. Na ponta direita, havia a alternativa de Willie Henderson, já veterano no clube e que fazia a ponte com o início dos anos 1960. Tommy McLean tinha chegado naquela temporada, pronto a contribuir num processo de renovação, enquanto Alfie Conn e Alex MacDonald completavam o setor central. Já na frente, o destaque ficava para a dupla geralmente formada por Colin Stein e Willie Johnston, entre os melhores atacantes em atividade na Escócia durante os anos 1970.

A campanha do Rangers na Recopa Europeia começou diante do Rennes, que vivia um dos melhores momentos de sua história. Os rubro-negros tinham vencido dois títulos da Copa da França, em 1965 e 1971, e reuniam alguns ídolos históricos – como o goleiro Marcel Aubour e o capitão Louis Cardiet, que tiveram passagens pela seleção. Os franceses eram descritos como uma equipe técnica e veloz, o que fez Willie Waddell preparar suas armadilhas na visita à Bretanha. O treinador armou um sistema defensivo especial, com os atacantes pressionando a saída de bola e os defensores marcando individualmente os pontas.

O Rangers voltou da França com um valioso empate por 1 a 1. Willie Johnston abriu o placar aos 23 do segundo tempo, aproveitando um escanteio. O empate do Rennes saiu apenas aos 32, numa infiltração rápida que Philippe Redon concluiu para as redes. O técnico Jean Prouff iria furioso aos microfones depois do duelo, reclamando que os escoceses só se interessaram em se defender e praticaram o “antifutebol”. A promessa do comandante era mostrar em Glasgow “como o futebol deveria ser jogado”. Não conseguiu fazer isso, diante de uma barulhenta torcida em Ibrox. Os Gers venceram por 1 a 0, gol de Alex McDonald aos 37 minutos, após grande jogada de Willie Johnston para vencer os marcadores na velocidade. Depois do tento, os Teddy Bears mantiveram um domínio relativamente tranquilo e não sofreram grandes ameaças.

O Sporting pintou como adversário do Rangers nas oitavas de final. E os lusitanos eram vistos entre os adversários mais fortes da competição, ainda mais depois de golearem o Benfica por 4 a 1 na final da Taça de Portugal. O argentino Héctor Yazalde acabava de chegar do Independiente e se tornaria um dos grandes artilheiros da história do clube. O goleiro Vítor Damas, o zagueiro José Carlos, o lateral Pedro Gomes, o meia Fernando Peres e o ponta Dinis ainda compunham um vasto grupo de atletas frequentes na seleção de Portugal. Já o técnico era Fernando Vaz, que prometia não se fechar na defesa antes do primeiro encontro, em Glasgow. Era um oponente suficientemente perigoso, que emplacou um 7 a 0 no agregado diante do Lyn, da Noruega, na fase anterior.

O Rangers venceu em Ibrox por 3 a 2, graças a uma atuação implacável no primeiro tempo. Colin Stein marcou os dois primeiros gols em 10 minutos, ambos em jogadas aéreas que contaram com a indecisão de Damas. Após uma bola na trave, Willie Henderson ampliou com um chute indefensável aos 30. O Sporting acordou durante o segundo tempo e conseguiu seus gols a partir dos 20 minutos, com Chico Faria e Wágner. A impressão era de que os Gers poderiam ter levado uma vantagem mais confortável antes do reencontro em Portugal.

A viagem para Lisboa seria caótica. Uma greve de funcionários no aeroporto provocou atrasos, assim como a neblina na pista. Por conta disso, o Rangers perderia um dia e meio no caminho, com escalas em Londres e Munique. O time desembarcou na cidade portuguesa apenas na véspera da partida. Apesar das atribulações, Willie Waddell garantia que seu time não sofreria com o impacto dos problemas. E o que se viu em campo foi outro jogo bastante movimentado, com a vitória do Sporting por 4 a 3 na prorrogação – após o troco com os 3 a 2 no tempo normal e mais um gol para cada lado no tempo extra.

Diante da atmosfera fervorosa no Estádio José Alvalade, o Sporting sempre se manteve à frente no placar. Yazalde abriu a contagem e Colin Stein empatou um minuto depois, mas João Laranjeira deu a vantagem para os leoninos antes do intervalo. O segundo tempo recomeçou com outro gol de Stein, mas o Rangers teria uma baixa importante, com o zagueiro Ronnie McKinnon sofrendo uma fratura na perna. Como se não bastasse, Pedro Gomes retomou a vantagem já aos 42 da etapa final – o que forçaria mais 30 minutos de futebol. Durante a prorrogação, Willie Henderson até deu novo empate para os Gers, mas Fernando Peres decretou o triunfo.

O árbitro Laurens van Ravens determinou a disputa de pênaltis para definir o classificado no Alvalade. O Rangers foi péssimo nas cobranças e acertou apenas uma das quatro tentativas. O Sporting balançou as redes quatro vezes e venceu por 4 a 1. A torcida invadiu o campo ensandecida e carregou o goleiro Damas nos braços, em glória. Só tinha um problema: o juiz confundiu as regras e não deveria ter levado a decisão para a marca da cal. Os Gers tinham marcado um tento na prorrogação e, dentro do critério do gol qualificado, deveriam avançar de fase independentemente da derrota. Tudo aquilo não passava de um grande engano, um dos maiores já cometidos numa competição internacional.

Segundo os relatos da imprensa na época, alguns membros do Rangers avisaram o erro antes que a disputa por pênaltis se iniciasse, sem que Van Laurens os ouvisse. Há versões que dizem também que os jogadores foram cabisbaixos para os vestiários e só descobriram o entrave graças a um jornalista escocês. Fato é que o técnico Willie Waddell fez sua reclamação a um dirigente da Uefa antes de sair do Alvalade. Alguns jornais mais apressados ainda noticiaram a eliminação dos Teddy Bears. A Uefa, todavia, não demorou a corrigir a besteira e anulou a disputa por pênaltis. Graças ao gol a mais fora de casa, os escoceses realmente avançariam às quartas de final.

A passagem do Rangers significava que o time só voltaria a campo em março pela Recopa. A esta altura, os azuis já tinham aberto mão do Campeonato Escocês, distantes do Celtic. E outra parada dura surgiria pela frente no torneio continental, com o Torino. Os grenás surpreendiam na campanha da Serie A e ocupavam a liderança naquele momento. Gustavo Giagnoni dirigia o Toro, numa equipe que reunia ídolos do porte de Paolo Pulici, Claudio Sala, Giorgio Ferrini e Luciano Castellini. Diante da reconhecida força do adversário, os Teddy Bears não teriam problemas em se defender no Estádio Comunale. Adotaram sua própria versão do Catenaccio, que tempos depois seria jocosamente chamada de McCatenaccio.

O Rangers voltou de Turim com o empate por 1 a 1. Fez a diferença o primeiro gol marcado logo aos 12 minutos, numa grande jogada de Willie Mathieson na lateral, com o cruzamento na medida para a conclusão de Willie Johnston. Durante o segundo tempo, sobretudo, o Torino provocou uma blitz para cima dos Gers. O capitão John Greig fez uma dura marcação individual sobre Claudio Sala, enquanto Colin Jackson e Derek Johnstone trancavam a defesa, com Dave Smith deslocado como líbero. O bombardeio mal deixava os escoceses passarem do meio-campo, e o Toro até descontou aos 16, numa rebatida concluída por Paolo Pulici. Mesmo assim, voltar com a igualdade já era visto como algo ótimo.

A partida de volta, em Ibrox, aconteceu exatamente na semana em que o Torino disputaria o clássico contra a Juventus pela Serie A, em confronto de líder e vice-líder. O Rangers aproveitou a divisão de atenções para se impor com uma grande atuação e vencer por 1 a 0. Tommy McLean e Dave Smith estavam especialmente inspirados no meio. Defensivamente, os Teddy Bears tiveram uma apresentação bastante precisa. O gol saiu logo no primeiro minuto do segundo tempo, em grande jogada de McLean pela direita. O cruzamento saiu para a conclusão de Alex MacDonald.

O nível de desafio ao Rangers parecia subir gradativamente ao longo daquela Recopa. E o adversário na semifinal, sem dúvidas, foi o mais duro: o lendário Bayern de Munique dirigido por Udo Lattek. Os bávaros iniciavam um tricampeonato nacional, que antecedeu o tricampeonato continental a partir de 1974. A escalação famosa incluía Franz Beckenbauer, Gerd Müller, Paul Breitner, Sepp Maier, Uli Hoeness, George Schwarzenbeck e outras feras. Aliás, alguns deles já eram velhos conhecidos dos Gers. Na verdade, eram algozes na conquista da Recopa Europeia de cinco anos antes: Franz Roth marcou o gol alemão na prorrogação, com o triunfo por 1 a 0. Sandy Jardine, Ronnie McKinnon, John Greig, Willie Henderson, Dave Smith e Willie Johnston faziam parte da escalação titular dos Teddy Bears, então dirigidos por Scot Symon. Na temporada anterior, os escoceses tinham amargado outra eliminação contra o Bayern, mas logo no início da Copa das Cidades com Feiras.

Aquela era a última temporada do Bayern no Estádio Grünwalder, antes de se mudar para o Estádio Olímpico de Munique. Num ambiente bem mais acanhado, os bávaros botaram pressão sobre o Rangers na partida de ida, mas os escoceses seguraram o empate por 1 a 1. Foi impressionante, aliás, o bombardeio desferido pelos anfitriões desde o apito inicial. Antes dos 20 minutos, todos os jogadores de linha do Bayern tinham dado pelo menos um chute. Os Gers adotavam de novo o McCatenaccio e conseguiam evitar o pior. O gol saiu aos 21, numa ótima tabela de Breitner com Müller, para a infiltração do lateral após o fantástico pivô do centroavante. Os Teddy Bears buscaram o empate logo no início do segundo tempo, numa paulada de Colin Stein que Rainer Zobel desviou contra as próprias redes. No restante do tempo, preponderou o excelente preparo físico dos azuis, assim como a solidez defensiva garantida pela formação resguardada.

Depois do jogo, o Rangers foi bastante exaltado por seu nível de apresentação. Beckenbauer e Müller pouco fizeram naquela noite. Willie Waddell, que ainda reclamou de decisões da arbitragem, avaliaria: “Essa foi definitivamente uma de nossas melhores atuações na Europa”. Já Udo Lattek reclamaria da maneira dura como os escoceses combateram sua equipe. A definição da classificação ocorreria em Glasgow, dentro de Ibrox, onde 80 mil torcedores aguardavam sedentos os bávaros. Aquela não seria uma noite qualquer para a cidade, inclusive: na mesma data, o Celtic também enfrentava a Internazionale em Parkhead, na semifinal da Champions. Quase 20% da população de Glasgow estaria nas arquibancadas para apoiar suas equipes rumo a finais europeias.

Só um lado celebrou, porém. O Celtic empatou por 0 a 0 e perdeu nos pênaltis a vaga na decisão da Champions. O Rangers riria mais alto, com a vitória por 2 a 0 sobre o Bayern. O caminho se abriu muito cedo, logo no primeiro minuto, quando Sandy Jardine acertou um chutaço de fora da área e abriu o placar. Os Gers também contaram com um talismã naquela noite. Sem o lesionado John Greig, Derek Parlane substituiu o capitão. O garoto fazia apenas sua terceira partida como profissional, mas mesmo assim anotou o segundo tento, aos 24, aproveitando um escanteio mal afastado por Maier. O Bayern entrou em parafuso, numa noite famosa pelas discussões entre Beckenbauer e Maier. Dave Smith teve outra senhora atuação, desta vez recuado para a zaga.

O adversário do Rangers na decisão seria o Dinamo Moscou. Os soviéticos eram velhos conhecidos dos escoceses, em especial pelo empate por 2 a 2 num amistoso em 1945, durante a turnê dos moscovitas que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial e também causou impacto no futebol britânico. Os alviazuis atravessaram o leste da Europa ao longo daquela Recopa, com classificações diante de Olympiacos, Eskisehirspor, Estrela Vermelha e Dynamo Berlim. Centroavante do clube naquela excursão de 1945, Konstantin Beskov era visto como um dos melhores técnicos da história da URSS, à frente da seleção no vice da Euro 1964 – depois, dirigiria também o time na Copa de 1982. Privilegiava um sistema ofensivo e tinha peças para isso.

O Dinamo ajudava a formar a base da seleção naqueles tempos. O goleiro Vladimir Pilguy era frequente nas convocações, assim como o capitão Valeri Zykov e Oleg Dolmatov na defesa. No meio, Yozhef Sabo está entre os grandes jogadores do país na década de 1960 e liderava um setor com o talento do camisa 10 Aleksandr Makhovikov. Já na frente, Gennady Yevryuzhikhin estava entre as maiores lendas do clube, acompanhado por Anatoly Baidachny e Andrei Yakubik, outros jogadores da equipe nacional soviética. O banco ainda contava com bons talentos, a exemplo de Anatoly Kozhemyakin e Vladimir Kozlov, que tinham problemas físicos e por isso nem atuaram. Apesar do jejum de títulos no Campeonato Soviético desde 1963 e da aposentadoria de Lev Yashin (então diretor do clube), o Dinamo mantinha uma grande reputação além das fronteiras.

O Rangers realizou uma preparação meticulosa para a decisão. Jock Wallace viajou para a União Soviética e analisou os adversários, em tempos de difícil acesso às informações, ainda mais vindas de Moscou. Além disso, Willie Waddell privilegiou uma concentração longe da badalação de Barcelona para a final. Os escoceses permaneceram num hotel tranquilo, diferentemente do Dinamo, que se hospedou no centro da cidade. Os soviéticos causavam um interesse a mais, pelo fato de serem representantes de um país comunista, em uma decisão disputada na Espanha franquista. Antes da final, o governo da União Soviética prometeu garantir uma condecoração aos atletas como “Mestres do Esporte”, caso os alviazuis fossem campeões. Os slogans nacionalistas foram amplamente usados para tentar elevar o moral e, na verdade, botaram mais pressão.

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A torcida do Rangers preparou uma grande invasão rumo ao Camp Nou. Foram 110 voos fretados e mais de 200 ônibus, isso sem contar aqueles que viajaram fora das caravanas. Cerca de 16 mil escoceses desembarcaram na Espanha, tomando as ruas da cidade com sugestivos sombreiros – que voltaram a ser símbolos também em Sevilha para a final desta Liga Europa. Enquanto isso, até pelas dificuldades de se sair da União Soviética, a torcida do Dinamo não passava de 400 pessoas.

O Rangers teve um grande problema nas vésperas, quando Colin Jackson se lesionou e virou desfalque na defesa. A boa notícia ficava para o retorno de John Greig, que estava com uma fratura no pé, mas atuou sob infiltração e portou a braçadeira de capitão. Outros destaques da equipe estavam confirmados, em especial Dave Smith, assim como a dupla de ataque composta por Willie Johnston e Colin Stein. Por mais que o Dinamo Moscou merecesse respeito, os Gers ganhavam ares de favoritos pela maneira como tinham jogado nas fases anteriores. O próprio Beckenbauer havia afirmado, depois da eliminação na semifinal, que os via como campeões.

A vitória do Rangers por 3 a 2 marcou a maior glória internacional do clube. Porém, seria uma noite tumultuada no Camp Nou. Torcedores escoceses bêbados invadiam o gramado e isso iniciou uma tensão com a polícia espanhola. Quando a bola rolou com mais calma, ao menos, os Teddy Bears impuseram sua qualidade com um grande primeiro tempo. John Greig e Derek Johnstone cumpriam grande papel na defesa, sem dar respiro aos adversários. Tommy McLean infernizava a marcação com sua movimentação no meio, se aproximando do ataque, enquanto Dave Smith distribuía as cartas com seus lançamentos. E foi assim, num passe magistral do camisa 6, atravessando todo o campo, que Colin Stein disparou nas costas da defesa para abrir o placar aos 24 minutos. O segundo gol, aos 40, também surgiu graças a Smith. O craque deu um cruzamento cirúrgico, para a cabeçada de Willie Johnston no meio da área.

O Rangers voltou para o segundo tempo ainda melhor e já marcou o terceiro, aos cinco minutos. O goleiro Peter McCloy repôs a bola com uma força inacreditável e achou Colin Stein na entrada da área. O atacante deu uma casquinha, para que Willie Johnston entrasse sozinho e resolvesse diante de Vladimir Pilguy, com muita calma. Neste momento, a partida parecia resolvida e a euforia causou novas invasões de campo. Isso atrapalhou os Teddy Bears, que sofreram uma quebra de ritmo.

O Dinamo Moscou começou a reagir a partir da entrada de Vladimir Eshtrekov. O meio-campista precisou de quatro minutos em campo para descontar, aproveitando um erro dos escoceses na saída de bola. O Rangers precisaria se segurar na defesa, com Dave Smith salvando uma bola em cima da linha e Sandy Jardine quase marcando um gol contra, em lance pego por Peter McCloy. A tensão se estendia, até que Aleksandr Makhovikov tabelasse pelo meio e batesse no alto, para descontar aos 42. Restavam poucos minutos, mas os Gers corriam riscos de um colapso, exaustos em campo.

Antes que o apito final soasse, todavia, uma grande invasão de campo aconteceu. Os torcedores do Rangers acharam que a partida tinha acabado durante a marcação de um impedimento e entraram para comemorar. Não haveria mais condições de terminar a partida. Até por isso, o Dinamo Moscou queria a anulação do resultado. Konstantin Beskov entrou com uma representação junto à Uefa: “Alguns de nossos jogadores tiveram que correr para os vestiários para salvar suas vidas e estão machucados. Nossa chance de empate foi roubada de nós”.

Willie Waddell, apesar de tudo, não escondia o orgulho: “Nós ganhamos com todo o direito. Como alguém pode dizer que não merecemos esse troféu em campo? Recebemos a taça e todo mundo no Rangers é orgulhoso de conseguir esse título”. O técnico do Rangers pedia a punição para os indivíduos responsáveis pela invasão, dizendo que eles “crucificavam o clube”, mas também avaliava que a polícia espanhola abusou da força para conter a invasão ao final – em festas que aconteciam com frequência nas competições europeias durante aquela época.

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Apesar da incerteza, a Uefa entregou o troféu para o Rangers. Entretanto, a comemoração seria bastante limitada. Uma batalha campal ocorreu entre a polícia espanhola e os torcedores que invadiram o campo. Garrafas voavam para todos os lados. A cerimônia da taça, aliás, sequer aconteceu no gramado, com John Greig recebendo o prêmio numa salinha dentro do Camp Nou. “Sempre imaginei ganhar um troféu continental, pegar a taça e dar a volta olímpica diante dos torcedores, que viajaram por meia Europa para ver isso. Mas eu entrei numa sala, tinha uma grande mesa e o comitê da Uefa disse que éramos vencedores. Entregaram a taça e eu andei de volta por um longo corredor. Acho que foi uma decepção maior para os torcedores. Sou apenas o capitão, era quem tinha que buscar entre os 11 jogadores, mas ganhamos isso para milhares de pessoas”, relembrou Greig, ao jornal The Guardian.

A verdadeira comemoração do Rangers aconteceu na volta para a Escócia. O Ibrox lotou para ver os campeões apresentarem o novo troféu, um feito que tanto aguardaram. Posteriormente, o Dinamo retirou seu protesto e o Rangers teve a conquista ratificada pela Uefa, mas seria punido pelo comportamento dos torcedores e acabou banido das competições europeias por um ano. Isso impediu a defesa do título, mas não a derrota na edição inaugural da Supercopa Europeia para o Ajax, em competição extraoficial que a Uefa se recusou a organizar. A eternidade, de qualquer forma, já estava conquistada pelos azuis.

O sopro de vida dado por aquela Recopa empurraria o Rangers a novos feitos. O time conquistou a Copa da Escócia em 1973, até que o Campeonato Escocês fosse recuperado em 1975, com vários remanescentes de Barcelona. A metade final dos anos 1970 veria os Teddy Bears de volta ao topo com mais força. Já o título europeu seria recontado pela torcida durante as décadas seguintes – entre episódios fantásticos, inacreditáveis e também dolorosos, um marco na identidade do clube.

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