
OneFootball
Carter Batista·24 de dezembro de 2020
🤔 Carter Batista: o que o clubismo nos ensina?

In partnership with
Yahoo sportsOneFootball
Carter Batista·24 de dezembro de 2020
Tive um professor que era muito clubista. Ele ensinava Bhaskara, o teorema de Pitágoras, e dizia que o Fluminense era o maior clube do mundo.
Seus exemplos explicando as matérias eram sempre relacionados ao Fluzão. Qualquer número 9 nas equações era logo chamado de Super Ézio, todo número 2 virava Carlinhos Itaperebá e assim por diante.
Quando o Fluminense vencia, ele ficava insuportável. Creio que até discentes tricolores torciam secretamente contra o Flu para se vingar do docente.
Só que ele não aceitava tréplicas. Quando o Fluminense perdia, seu humor desaparecia e usava o poder disciplinar para evitar o assunto. Seco, pedia atenção à aula.
Jorge era o típico clubista que não suportava o clubismo.
No fundo, porém, não tinha graça zoar o Jorge. Ele ficava murcho, sem vida, sem energia e cortava o assunto.
Uma vez ele contou que um grupo de matemáticos se reuniu após uma grande vitória do Fluminense e fez uma aposta: um litrão de refri para ver quem decifraria o problema matemático da curva BRAQUISTÓCRONA.
Queriam explicar, matematicamente, por que uma partícula que, sujeita a um campo gravitacional constante, sem atrito e com velocidade inicial nula, se desloca entre dois pontos no menor intervalo.
Jorge contou que nesse dia, Isaac Newton passou a noite trabalhando. Pela manhã, havia resolvido o problema, vencido a aposta e inventado o cálculo diferencial. Apenas.
Sem Google, com uma boa-fé cristalina, acreditávamos em tudo que Jorge dizia, com base no princípio milenar do “professor falou tá falado”, mas ele próprio nos incentivava a buscar confirmação em fontes escritas.
Guardei algumas dessas pílulas de sabedoria que tempos depois foram submetidas ao crivo de outras fontes. Nem todas sobreviveram.
A história da braquistócrona, salvo por uns detalhes clubísticos, era real. Mas outras não. Jorge disse uma vez que a luz do sol levava 500 anos para chegar na Terra.
Acreditei nisso até descobrir, lendo Asimov, que a viagem da luz (de 150 milhões de km) do sol até aqui durava apenas 8 minutos.
Nunca agradeci a ele por estimular o pensamento crítico e o clubismo. Espero que ainda dê tempo: obrigado por tanto, mestre.
Carter Batista é colunista convidado do OneFootball e escreve a coluna Clubismo OF às quintas-feiras.
Foto de destaque: Bruna Prado/Getty Images