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Ian Chicharo Gastim·08 de agosto de 2020
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Ian Chicharo Gastim·08 de agosto de 2020
Após a publicação da Medida Provisória (MP) 984, que revolucionou a transmissão de jogos, começou uma grande discussão sobre o assunto no país, desde entre dirigentes de clubes até com amigos em uma mesa de bar.
Antes de dizer se a MP, que transferiu os direitos de uma partida para os mandantes, é boa ou ruim, é preciso analisar como é a comercialização dos direitos de TV no país.
De cara, podemos dizer que o futebol brasileiro não faz muito dinheiro, quando se compara com outras ligas pelo mundo.
Segundo um estudo da consultoria Ernst & Young (EY), os clubes da Série A do Campeonato Brasileiro arrecadaram 400 milhões de euros com os direitos de transmissão em 2019.
O valor é sete vezes menor do que os clubes da Premier League faturaram no ano. Lá, o montante chegou a 2,8 bilhões de euros.
No levantamento da EY, o Brasil só fica à frente da Liga NOS, de Portugal, que arrecadou 200 milhões de euros, valores muito baixos quando olhamos para os 1,9 bilhões de euros dos clubes da La Liga, 1,5 bilhões de euros na Bundesliga e 1,4 bilhões na Serie A, da Itália.
O estudo também analisou outros esportes, como basquete, futebol americano e beisebol, com o futebol brasileiro atrás nos valores arrecadados. Confira a seguir:
Bom, o primeiro ponto que devemos levar em consideração é que, no Brasil, assim como em Portugal, a negociação é individualizada, cada clube negocia diretamente com os interessados na compra dos direitos.
O resultado disso é que esse modelo descentralizado de negociação causa um desequilíbrio entre os valores recebidos pelos clubes. É só imaginar, quem tem maior poder de barganha, o Flamengo ou o Fortaleza na hora de negociar?
Você pode se perguntar qual é o problema disso, afinal, o Rubro-Negro é um clube de muito mais peso no cenário nacional.
A questão é que quando um clube arrecada muito mais que o outro, a competitividade desaba e, assim, o campeonato fica bem menos atrativo para quem quer comprar os direitos.
De acordo com Pedro Daniel, diretor executivo da EY, os clubes precisam entender que o “produto” a ser vendido não é o clube, mas o campeonato, pois isso acaba aumentando os valores que as TVs, empresas de streaming, etc, pagam para transmitir.
Ou seja, a Premier League arrecada muito mais que o Brasileiro porque tem um campeonato muito mais atrativo que o nosso.
A comercialização individual cria uma discrepância muito grande entre os clubes, então a competição enfraquece, e quando a competição enfraquece, você desvaloriza o produto
Apenas o tempo vai dizer sobre como será o futebol pós-MP 984, mas já podemos dizer que a medida, ao menos, colocou o Brasil na direção que o mundo está na venda de direitos.
Nenhum país tinha o direito sendo dividido entre mandante e visitante, como acontecia no Brasil.
O Brasil deve migrar para a comercialização coletiva, como acontece nas principais ligas no mundo, La Liga, Premier League, Bundesliga, o principal produto é o campeonato, não o clube. A MP faz parte de um processo para a gente chegar nesse ponto
Talvez o principal argumento de quem é contra a MP é que ela vai estimular negociações individualizadas, mas Pedro Daniel não acredita que o Brasil vai migrar para um modelo parecido com Portugal, que tem a comercialização individual, concentrando receita em Benfica, Porto e Sporting.
Eu sou otimista que isso é apenas uma parte de uma grande discussão que foi levantada neste momento
Os campeonatos que mais fizeram dinheiro em 2019 têm um modelo de comercialização de direitos de forma centralizada e, em todas as ligas, o mandante detém os direitos.
Não é à toa que o Campeonato Inglês é o mais rico do mundo. Com negociações centralizadas, onde se vende a Premier League e não apenas o Liverpool, Chelsea ou United, a liga inglesa fica atrativa e, dessa forma, consegue mais dinheiro na hora de vender o seu torneio.
As receitas com a venda de direitos internacionais equivalem, em média, a 30% do valor total com direitos de transmissão e o Brasil, nos últimos anos, não vendeu seus jogos para fora. Dessa forma, não ganhou admiradores fora do país e ainda deixou de fazer dinheiro – ou seja, perdeu espaço e mercado.
Além disso, não podemos deixar de lado que vivemos em um mundo globalizado. A Premier League arrecada rios de dinheiro porque, além da Europa, torcedores na Ásia, nas Américas e em quase todos os lugares do mundo acompanham o torneio.
As ligas cresceram pela globalização, não por ser um produto local, e aqui on Brasil a gente não tem o direito internacional. A gente não acompanhou o crescimento global que aconteceu nas principais ligas
Trocando em miúdos, podemos dizer o seguinte: no Brasil, você assiste jogos do Liverpool, do Real Madrid e da Juventus, mas fora do nosso país quase ninguém acompanha o Flamengo, Corinthians, São Paulo e o Palmeiras.
As negociações individuais tendem a elevar a diferença de receitas entre o 1º e os últimos colocados de um campeonato.
Não é por acaso que o Campeonato Brasileiro e a Liga NOS têm as maiores diferenças de cotas de TV entre o que mais ganha e o que menos ganha. Em Portugal, a diferença chega a ser 15 vezes maior, enquanto que, no Brasil, passa de seis.
O Brasileirão, inclusive, tem mais de um modelo de distribuição de direitos, algo que não é observado em outras ligas analisadas.
A Premier League, por exemplo, divide 50% de forma igualitária, 25% de acordo com a audiência e os outros 25% segundo a performance dos clubes.
Dessa forma, o Campeonato Inglês tem a menor diferença de receitas da TV entre o primeiro e o último colocado, favorecendo a competitividade da liga.
Não é por acaso que até clubes pequenos da Inglaterra conseguem atrair jovens talentos brasileiros, a exemplo de Richarlison, que deixou o Fluminense, em 2017, para jogar pelo “modesto” Watford.
Foto de destaque: Leon Kuegeler/AFP/Getty Images