Jogada10
·20 de março de 2025
Betinho Marques: Gabriel Veneno da FÉ, Veneno do Galo

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·20 de março de 2025
Direto de Ibicaraí, do Vilarejo Cajueiro, no interior da Bahia, começou a história de Gabriel Veneno (15), a nova promessa do Galo.
Com um sonho comum do brasileiro, de ser jogador de futebol, tudo começou ali, na escolinha do Betinho, a AFD. Doido pela bola, João Gabriel, precisava treinar, ter fundamentos, era mais que chutar uma bola… Precisava de ajuda, dinheiro, disposição e disponibilidade de alguém para sonhar junto para que as coisas acontecessem.
Ainda novinho, enquanto brincava, o garoto foi picado por uma cobra na sua cidade e quase morreu. A picada da cobra fez João ficar 19 dias internado e a família desesperada. Com muito custo e pesquisa, acharam o antídoto, que, por uma boa coincidência, veio de Minas Gerais.
Mesmo assim, o garoto para não ter perdas maiores, precisou amputar parcialmente o dedo anelar direito. Dos males, aquele seria o menor. No fim, deu tudo certo e o menino voltou a chutar a boa bola. Mais tarde eles iriam entender a relação de Gabriel, a bola e o veneno.
Morando na zona rural, o pai de João Gabriel, o jovem Francisco, seguia trabalhando com artefatos de couro no interior da Bahia. A esposa Sandra cuidava de todos os filhos e trabalhava como cabeleleira, a vida era uma sobrevivência dia após dia. Era preciso contar com a benevolência de muita gente e também ter perseverança em abundância para seguir. Mas eles tinham.
Olhe nele! Gabriel Veneno tem tudo para fazer a alegria do Galo também no time profissional. Foto: Divulgação / Atlético
Tudo era difícil e a logística não era fácil para levar João aos treinos naquela escassez. Era preciso muito esforço. Um dia, querendo entender o propósito, Francisco perguntou ao garoto:
— Quer ser jogador mesmo?
De tanto treinar na Escolinha Craques do Futuro (AFD), contando com o apoio total e irrestrito do treinador Beto Damasceno (Betinho), haveria um campeonato no fim de 2019 com as escolinhas de grandes clubes brasileiros (Santos, Bahia, Vitória) e ali JG teria chance de ser visto.
Era o torneio que mudaria a vida de João Gabriel e a escolinha AFD, do Betinho, iria. O torneio seria em Santa Rita de Cássia – BA, cerca de 28h de Ibicaraí e a mais de mil quilômetros distância de casa. O “calo” apertava e Francisco precisava largar o serviço para viver em função do sonho do filho. Era tudo ou tudo.
A dupla pai e filho não teria vida fácil. Depois de juntar o dinheiro para a inscrição com todas as economias, contar com as vaquinhas dos caminhoneiros das caronas salvadoras, na última hora – devido à distância e logística -, vários pais desistiram e o time de João Gabriel não iria mais disputar o torneio 2 de julho, no CT Canarinho.
Copiosamente, desesperado, Francisco viu seu filho chorar muito, era o sonho que passava por ali. Tudo estaria acabado? Parecia um sinal …
Foi aí que o pai decretou: “Arruma suas malas, vamos. Nada de comida até lá”.
Não havia alimento para chegar até Santa Rita de Cássia, era preciso juntar cerca de R$ 3 mil. Mas eles foram, catando o que tinham para o torneio, daqui e de lá, estavam decididos a ir. Voltar seria outra batalha, outra história, “pensamos depois”.
Antes de embarcar com as vaquinhas e ajudas, passaram no mercadinho do Ney para pegar algumas merendas que conseguiram. Tudo precário, até mesmo o celular de Francisco não ajudava muito na fluidez da comunicação, pouco crédito, era Deus e eles.
Apesar de todo o esforço, Francisco não tinha dinheiro suficiente para ir e retornar para a casa, não havia alimento e não havia time para Veneno jogar. Era, aparentemente, uma saída “suicida” e sem raciocínio lógico. Era a fé pela fé, contra a dura lucidez.
Quando o garoto sentia fome, o pai falava: “dorme que a fome passa”. E para dar tudo certo, deixava de comer para sobrar um pouco mais de merenda para o seu filhote que amava feijão e farinha.
Chegando lá, na porta do CT do Canarinho, não podiam entrar. Não tinham time, lembram? O time do João desistira do torneio pela distância e dificuldades diversas.
Foi aí que se encontraram com o dono do CT. Joãozinho, depois de se identificar no sofrimento da dupla liberou a entrada de pai e filho. Com o campeonato rolando, Francisco gritava do lado de fora para que alguém deixasse o ainda João Gabriel jogar. Um dos funcionários da escolinha dos Santos, segundo Francisco, disse: “não dá para fazer nada por vocês, já chega de porcaria por aqui”.
Numa dessas partidas, o Vitória perdia por 3 a 0, sem grandes esperanças. Francisco pedia e gritava por uma oportunidade para o filho João Gabriel entrar na beira do campo. Então, o treinador da escolinha do Leão da Barra autorizou: “entra aí”.
João vestiu o uniforme e o pai avisou: “Dê o seu melhor. Saindo daqui você vai comer feijão”.
O garoto, no primeiro toque, já mudou o olhar de quem o via. Não bastasse isso, JG deu uma assistência e fez um gol. O Vitória que perdia por 3 a 0, depois da entrada do menino de Itacaraí, reagiu para 3 a 2 e, se houvesse mais tempo, poderia ter tido melhor sorte.
Ao fim do jogo, Paulo Robson campeão brasileiro pelo Bahia em 1988, da base do Santos, chamou João Gabriel, perguntou sobre o motivo do dedo amputado e, depois de entender a história da cobra, proferiu:
“Você agora é da base do Santos. É o Veneno do Santos”
Depois disso, o agora Gabriel Veneno, ganhou passagem para voltar com o pai para a casa. Seria um mês de prazo para ele se apresentar em Santos. Mais uma vez, seria uma nova mudança para todos. Pai e filho foram para a cidade praieira de São Paulo e a mãe e os irmãos se mantiveram no interior da Bahia. Era tudo na aposta única, todas as fichas no sonho do moleque Veneno.
No intervalo de dezembro de 2019 a março de 2020, a pandemia explode e o Galo que havia chamado o garoto um pouco antes, paralisa as atividades. A chegada de Veneno ao Atlético teve ali o seu destino adiado.
De volta ao Santos, com um empresário que, segundo o pai de Veneno, não teve cuidado com o garoto, as coisas não deram muito certo. Havia uma ajuda de custo para o atleta e Francisco se manterem. Mas tudo se resumia a R$ 1.500,00, chuteiras apertadas, falta de suporte. Moravam mal e longe do CT do Peixe, estavam largados.
Francisco, já trabalhando e tentando se estabelecer em Santos, teve outro problema. Em função de todas as dificuldades, do descaso do empresário, Veneno caiu de rendimento e foi dispensado do Peixe. Seria mais uma provação da dupla pai e filho.
De volta ao CT Canarinho para a Copa 2 de julho, Veneno jogou contra o Galo e foi bem. Na oportunidade, recebeu propostas de Palmeiras e Atlético.
Em agosto de 2020, Veneno chegou ao Atlético. De lá para cá, já foi convocado para a Seleção de base, encantou o torcedor do Galo e é considerado uma esperança de revelação da tão complicada e sucateada base atleticana. O nome de Dênis, funcionário do Alvinegro da Massa é um dos que o pai do garoto faz questão de mencionar com gratidão, assim como os demais da longa caminhada.
Desde Maria, dona da pensão em Santos, de nome abençoado, que permitiu o primeiro banho, passando pela corretora Rita de Cássia – mesmo nome da cidade que deu luz ao futebol de Veneno naquele bendito torneio-, que arrumou e confiou uma casa maior para a posterior mudança de toda a família para Santos, Francisco tenta não esquecer de citar ninguém. Gratidão é uma ação que caminha junto com a história da família “Santos Veneno”.
De 2019 a 2025, uma boa estrada foi percorrida por Gabriel Veneno, Francisco e a família, que segue morando em Santos com os outros filhos. No Atlético, todos tratam Veneno com muito cuidado, carinho, mas todos também são sabedores que há muitos quilômetros ainda a percorrer.
Todavia, para quem saiu sem dinheiro, sem alimentação, sem time para jogar um torneio e foi bater na porta do CT Canarinho para ser atendido pelo Joãozinho, depois do início no interior da Bahia com Professor Betinho Damasceno, de se abastecer no mercadinho do Ney e juntar vaquinhas com os caminhoneiros da carona, o desistir não existe.
O veneno da cobra teve o antídoto da fé e transformou a vida de João Gabriel Castro Santos e de toda a sua família. Foi inoculada, em um povo naturalmente resiliente, a força e o “Veneno do drible”, daqueles que insistem em vencer quando a derrota se apresenta tão descarada e evidente, quando o raciocínio lógico impera, mas sucumbe aos milagres da poderosa FÉ.
A história de João Gabriel, o Veneno, é só um estímulo para quem tem “apenas” a FÉ e a dedicação como ponto de partida. No Atlético, a inspiração vem da transpiração pelo CAM e Gabriel Veneno tem o DNA do lutar, lutar e lutar que é o antídoto de todo o mal para a consagrada chegada do vencer, vencer e vencer que é o grande ideal.
Veneno neles, Galo!
Galo, som, sol e sal é fundamental