Benzema e Modric são gigantes que se tornam ainda maiores nesta fantástica Champions vivida pelo Real Madrid | OneFootball

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Trivela

·26 de maio de 2022

Benzema e Modric são gigantes que se tornam ainda maiores nesta fantástica Champions vivida pelo Real Madrid

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Conquistar cinco títulos de Champions League, por incrível que pareça, não é algo tão raro na história do Real Madrid. O pentacampeonato merengue nos primórdios da competição estabeleceu um parâmetro alto em números frios. Ser cinco vezes campeão com destaque, todavia, é algo restrito a lendas do porte de Alfredo Di Stéfano e Paco Gento – este, com seis na conta. Repetir tal feito, ainda mais nos dias atuais, por muito tempo se sugeriu um objetivo inalcançável. Até que, mesmo com mudanças de ciclos, Karim Benzema e Luka Modric desafiassem a história. Ainda falta um degrau para que o penta particular da dupla de craques se concretize. Mas não é exagero dizer que, mesmo se o time não vencer a decisão, os dois veteranos se tornaram maiores na gloriosa trajetória dos madridistas na Champions. O que fizeram até agora em 2021/22 é sensacional.

Essa campanha do Real Madrid certamente está entre as mais memoráveis da Champions League, taça conquistada ou não. A mesma equipe que perdeu para o Sheriff Tiraspol na fase de grupos também conseguiu as reações mais impressionantes possíveis, contra uma série de adversários de peso. O roteiro das classificações merengues é tão surreal que, quanto mais difícil parecia uma reviravolta, mais próxima ela se tornava. Mais simbólico ainda é o fato de um clube que serve como bastião da tradição da Champions derrubar a “trupe de novos ricos” composta por Paris Saint-Germain, Chelsea e Manchester City. A mística madridista se engrandece, graças a quem veste a camisa e consegue um novo significado a um clube que já viveu glórias de todos os tipos.


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Para fazer um recorte mais recente, os últimos quatro títulos do Real Madrid na Champions League trazem histórias bem distintas. La Décima em 2013/14 representava o fim de um jejum até longo para um clube tão grande, que investiu tanto dinheiro e acumulou frustrações no torneio, vendo o maior rival triunfar repetidamente nos anos anteriores. Veio com a agonia de um gol tardio e a apoteose de uma goleada na prorrogação. Depois, o tricampeonato consecutivo fazia a história se curvar novamente ao Real Madrid. Era a hegemonia que não se via na Europa há décadas. Muitas vezes não foi um time brilhante, mesmo contra adversários mais acessíveis, mas parecia haver um pacto. Ninguém podia vencer na Europa os merengues.

Quatro anos se passaram e a visão sobre o Real Madrid é outra, mesmo que remanescentes daquelas conquistas ainda sejam importantes. É uma equipe que se renova, depois de um tempo tateando seu caminho. A sucessão de Cristiano Ronaldo não estaria num grande craque que viria de fora, mas nos antigos escudeiros que se tornam os novos heróis. E, por mais que já fossem excepcionais, não dá nem para dizer que Benzema ou Modric ocupavam os primeiros lugares na fila por uma nova hierarquia – especialmente pela idade. A forma como ambos se reinventam bem acima dos 30 anos é espetacular. O futebol evolui e a medicina esportiva auxilia essa longevidade. Mesmo assim, não são muitos na história que conseguem esse privilégio – chegar ao melhor quando se pensava estar no final.

O maestro

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(GABRIEL BOUYS/AFP via Getty Images/One Football)

Modric, o mais velho, atravessa praticamente um renascimento de sua carreira quando menos se esperava. Aos 36 anos, quase dez de Real Madrid, o meio-campista parecia aceitar o que era um papel de transição no elenco merengue. Assinou uma renovação de contrato mais modesta e não criava empecilhos para ser uma peça a mais no elenco, útil quando necessário. O futebol, porém, se joga com bola e não com certidão de nascimento. Não se prescinde de um craque como Modric. E o que ele faz nesta Champions é sublinhar suas qualidades com um nível de entrega absurdo para seus 36 anos. Também com uma enorme força mental.

A personalidade, aliás, sempre foi uma virtude de Modric. Não é o jogador de maior carisma, mas sabe se comportar como uma liderança e encarar de frente os desafios. Para quem perdeu o pai ainda na infância, em meio à guerra, e cresceu como refugiado, os obstáculos da carreira profissional certamente não são os maiores que ele já viveu. Dentro do Real Madrid, mesmo, as barreiras se colocaram desde o início. Quando o croata desembarcou no Bernabéu, em 2012, parecia um negócio bom, mas excedente num meio-campo montado. Não era exatamente a primeira opção no trio central formado por Xabi Alonso, Sami Khedira e Mesut Özil, o que levou o croata a esquentar o banco em parte da temporada. Sua história mudou quando saiu da reserva e mudou um jogo de Champions League, contra o Manchester United, possibilitando a classificação nas oitavas de 2012/13. Aquela campanha parou nas semifinais, mas a imagem sobre o camisa 19 seria outra.

O Real Madrid logo passaria por uma transição em 2013/14. José Mourinho deixou o clube em meio a um conflito nos vestiários. Modric, nesta época, ainda não se inseria entre as lideranças e passou incólume pelo episódio. Quem chegou para o lugar foi Carlo Ancelotti, uma liderança bem mais serena. E que levaria o futebol do croata em alta consideração. Para quem havia triunfado com Andrea Pirlo, entender o que o craque poderia produzir no meio-campo não era um problema. Foi o momento em que o camisa 19 mais cresceu no clube, tornando-se uma das engrenagens centrais. Foi também quando a Orelhuda voltou a aparecer na estante dos merengues. O maestro podia não ser o nome mais aplaudido na época, mas ele estava lá, agora como intocável no meio. Suas assistências possibilitaram grandes vitórias. Inclusive, também o gol de Sérgio Ramos, que mudou os rumos da final e garantiu La Décima.

O bicampeonato continental com Carlo Ancelotti não se tornou possível. O Real Madrid sentiu falta de Modric, que sofreu lesões na coxa e no joelho em 2014/15. Aquela foi a temporada na qual o croata teve menos minutos em campo, ausente justamente nos momentos decisivos da Champions. O próprio Carletto apontava o desfalque como uma das principais razões para a queda de rendimento. E depois da malfadada passagem de Rafa Benítez, o Real Madrid se reergueu como senhor da Champions League com Zinédine Zidane. Era um velho conhecido de Modric, dos tempos em que atuava como assistente de Ancelotti. Era um maestro que compreenderia totalmente o papel do croata em campo e garantiria ainda mais fluidez ao seu jogo. A partir de então, estava formado o trio histórico com Toni Kroos e Casemiro.

Modric disputou 34 das 39 partidas do Real Madrid no tricampeonato da Champions. O meio-campista não foi titular apenas em um dos 15 duelos de mata-matas daquela jornada. Seus números nem são tão impressionantes assim, mesmo de assistências, quando quem resolvia naquelas equipes estava mais à frente. Mas não se nega, nunca, a importância que o croata teve na construção daquela dinastia. Era o passe que quebrava linhas e que permitia aos merengues atuarem em velocidade máxima. Ele fazia a bola correr para os companheiros. Ali a história também se tornava totalmente sua, em especial pela influência que teve na terceira campanha, quando terminaria o ano com a Bola de Ouro graças também à ótima Copa do Mundo.

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(GABRIEL BOUYS/AFP via Getty Images/One Football)

A história de Modric no clube poderia ter se encerrado por aqui. O meio-campista tinha uma proposta suntuosa da Internazionale. Às vésperas de completar 33 anos, dificilmente receberia uma oferta daquele porte. Decidiu ficar. Pesou sua relação interna no Real Madrid e também a maneira como valorizava o clube. Naturalmente, se tornou uma liderança a ser seguida no processo de renovação que se iniciava. Não seria tão simples, com eliminações dolorosas na Champions diante de Ajax e Manchester City. Além disso, a Bola de Ouro gerou altas expectativas sobre o veterano que não se cumpriram em 2018/19, até ele voltar ao seu melhor em 2019/20. Com sua ajuda, os merengues recomeçavam a estabelecer um domínio em La Liga. A regularidade na competição nacional mantinha o camisa 10 como um dos melhores do time, independentemente da idade. A volta de Zidane seria outro fator fundamental para que o meia preservasse seu moral, independentemente dos pedidos pela renovação do grupo de atletas.

O Real Madrid quebrou a barreira das oitavas na Champions 2020/21, mesmo parando nas semifinais contra o Chelsea. Modric voltou a desfrutar de uma grande campanha. A esta altura, qualquer dúvida sobre o seu comprometimento com o clube era em vão. E a renovação de contrato, em cifras menores, indicava que o veterano compreendia seu papel. Não queria ser um empecilho para os próximos ciclos, mas também não gostaria de deixar de ser visto como uma referência. Modric poderia tomar outros caminhos, e seria compreensível, acima dos 35 anos, que optasse por um passo antes da aposentadoria numa liga endinheirada em outro canto do mundo. Preferiu continuar no Bernabéu e ser ainda maior para o Real Madrid.

E existem argumentos suficientes para dizer que esta é a melhor temporada de Luka Modric no Real Madrid, mesmo aos 36 anos. A experiência ajuda o camisa 10 a dosar sua energia. Mas ele tem gás, e muito, para os momentos de maior intensidade. O título de La Liga já está em sua conta. A primeira metade da campanha teria o croata como uma opção, ante os problemas físicos que o tiraram de algumas partidas e as experimentações na faixa central da equipe. Voltou de vez para ajudar o Real Madrid a crescer no campeonato e a se consolidar na liderança. Ancelotti, o treinador que foi tão decisivo para a sua história em Madri, estava de volta para colocar o maestro num pedestal. E a Champions expõe isso a todos.

Modric parece ter guardado o seu melhor para os maiores jogos da temporada. As viradas do Real Madrid não seriam possíveis sem o craque. Seus passes mais pareceram pinceladas numa tela, tão sutis quanto contundentes, em cores vivas. Foi assim que destroçou o Paris Saint-Germain quando tudo parecia perdido. Foi assim que conteve o Chelsea, com uma trivela que serve de resumo à sua qualidade técnica. A visão de jogo e o gesto técnico do camisa 10 naquela fração de segundos são absurdos. Os milagres merengues se concretizavam. Um gigante na história do clube conseguiu chegar ao seu ápice quando seria normal entrar no ocaso da carreira. Até por negar a lógica é que Modric se torna maior.

Modric permanece com o desejo de buscar grandes feitos no futebol. Não é algo que se vê sempre nesta idade, mas a mentalidade do croata ao longo de sua carreira é um fator decisivo. Ela contribui em seu profissionalismo, que, por tabela, impulsiona o talento que sempre teve e sempre terá. Essa campanha na Champions vem para dimensionar a real importância do camisa 10 para o madridismo. E o título seria a prova irrefutável de sua grandeza entre os melhores meio-campistas deste século. O Real Madrid tornou Modric maior, mas fazer a história do Real Madrid maior é algo que somente poucos escolhidos conseguem, especialmente neste nível de genialidade.

O matador

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(Gonzalo Arroyo Moreno/Getty Images/One Football)

Karim Benzema via-se como jogador do Real Madrid antes mesmo que o Real Madrid começasse a cogitar sua contratação. O garoto nascido nos subúrbios de Lyon, numa família de imigrantes argelinos, tinha um parâmetro: Ronaldo. Era pelo desejo de ser igual ao Fenômeno que o francês se empenhava desde a adolescência para aprimorar seu jogo. Uma dedicação que não demorou a beneficiá-lo, ganhando moral nas seleções de base, antes de estourar no Lyon. O Manchester United chegou a procurá-lo, depois que Sir Alex Ferguson se encantou com uma atuação do jovem pela Champions League. Ronaldo, porém, nunca tinha vestido a camisa dos Red Devils. A camisa merengue apetecia mais ao novato, pelos anos em que o brasileiro brilhou no Bernabéu.

Benzema fez por merecer a realização de seu sonho. Tinha 21 anos quando assinou com o Real Madrid, depois de ser pesadelo dos espanhóis em Champions recentes. Custou €35 milhões, naquela que era apenas a terceira contratação mais cara de um badalado verão em que Cristiano Ronaldo e Kaká também chegavam. O atacante vinha como uma aposta, mas também para ser uma das novas faces do clube no futuro. Uma nova era galáctica se iniciava em meio a frustrações recentes, e aquele era apenas o primeiro passo de Benzema em sua jornada. Outras provações viriam. O centroavante precisou se redescobrir algumas vezes. Pode não ter chegado ao nível de futebol do Fenômeno. Porém, conseguiria ser bem mais vitorioso pelo clube e também muito maior na história merengue.

O primeiro desafio de Benzema era se firmar como o centroavante titular do Real Madrid. Isso não seria tão simples, porque Gonzalo Higuaín estava há mais tempo no clube e parecia gozar de mais prestígio com o técnico Manuel Pellegrini. Foram apenas nove gols do francês em sua primeira temporada, bem menos que os 29 do argentino. Entretanto, os merengues compreendiam que ali estava um atacante em evolução e não o queimaram logo de cara. Benzema ganhou uma sequência maior em sua temporada seguinte e correspondeu com mais gols – mesmo que José Mourinho, o novo treinador, indicasse certa desconfiança sobre o jovem. Não o via como titular de início e o francês só estourou depois de uma lesão nas costas sofrida por Higuaín no primeiro semestre de 2011. Foi quando Karim desandou a marcar gols.

Esse foi o momento mais importante para Benzema se firmar como jogador do Real Madrid. Na época, o centroavante também era visto como um jovem problemático, com seus imbróglios extracampo. Não era isso, contudo, que botava em xeque seu comprometimento nos treinos e a vontade de melhorar dentro de campo. O jogo do atacante evoluía. Não a ponto de disputar a artilharia com Cristiano Ronaldo, mas para ser um dos grandes artífices da equipe que conquistou La Liga em 2011/12 com louvores. Foram 21 gols e 11 assistências naquela campanha, quando realmente deu um passo à frente de Higuaín e passou a ser considerado o dono da posição. A Champions também servia de vitrine, mesmo que as semifinais fossem uma barreira.

Benzema lidou com a sombra de Higuaín por apenas mais uma temporada, em 2012/13. Neste momento não existiam mais tantas dúvidas sobre quem era mais importante ao time e o argentino acabou negociado logo depois. Também seria o momento de uma troca de comando. Mourinho saiu com suas turbulências, Carlo Ancelotti chegou e o novo treinador já não tinha motivos para contestar quem era seu homem de referência no ataque. Benzema jogava para o time, entendia a engrenagem e se mostrava um centroavante bem mais adequado para uma equipe que concentrava seus investimentos nas pontas. Gareth Bale chegava, ao passo que Cristiano Ronaldo debulhava seus recordes.

A conquista da Champions esperada por 12 anos aconteceu então, num clima mais leve dentro dos vestiários e num Real Madrid mais preparado à carga psicológica. Benzema não parecia se incomodar muito ao papel de coadjuvante, embora guardasse seu protagonismo a grandes jogos pontuais. Foi assim que acabou com o Schalke 04 nas oitavas e, principalmente, abriu caminho na revanche contra o Bayern de Munique nas semifinais. Mas é um personagem esquecido na decisão contra o Atlético de Madrid, deixando o campo antes da prorrogação para a entrada de Álvaro Morata. A história ainda faria justiça ao centroavante.

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(GABRIEL BOUYS/AFP via Getty Images/One Football)

O desfalque de Benzema também prejudicou o Real Madrid na Champions de 2014/15, ausente na derrota contra a Juventus pelas semifinais. Ancelotti deixou o clube, Rafa Benítez não se firmou e Zidane seria alguém essencial na caminhada do francês. O garoto podia se espelhar em Ronaldo, mas certamente se encantou bastante com as mágicas de Zizou pela seleção francesa. Existia uma conexão ali, até pela origem de ambos como descendentes de imigrantes. O treinador entendeu, antes de todo mundo, a verdadeira importância de Benzema para o Real Madrid. E colheu os frutos por isso.

A primeira temporada de Zidane à frente do Real Madrid foi a mais prolífica de Benzema por La Liga, com 24 gols em 27 partidas. Sem o título, aquela seria uma lembrança menor, até porque os merengues reconquistaram a Champions. O centroavante limpava os trilhos e abria os caminhos numa campanha vacilante dos madridistas, mas que rendeu o troféu. Nos dois anos seguintes, porém, os números de Benzema caíram vertiginosamente no Campeonato Espanhol. Foram parcos 11 gols em 2016/17, apesar de muitos decisivos, e míseros cinco em 2017/18. Os tentos perdidos eram bem mais notáveis. Muita gente entendia que estava na hora de buscar um novo centroavante, com o francês passando dos 30 anos. A renovação do contrato até parecia um erro. Zizou o bancava e manifestava seu apreço sempre que possível. A retribuição seguia na Champions.

A melhor versão do Benzema solidário ocorreu exatamente naquele biênio. O cara que trabalhava duro para o brilho de Cristiano Ronaldo e conseguia fazer os espaços se multiplicarem em campo para o poder de decisão do companheiro. As assistências seguiam frequentes e, em jogos grandes de Champions, o centroavante também encontrava seus momentos para brilhar. Foi assim principalmente naquela semifinal contra o Bayern, em 2018. Tinha sido reserva nas duas partidas anteriores da campanha e, respaldado por Zidane, virou o matador que o time precisava para voltar à final. Aquele seria outro ponto de virada ao camisa 9, fundamental. Mais leve, também deixaria o seu pela primeira vez em uma final, o primeiro contra o Liverpool em Kiev.

O Real Madrid se despediu de Cristiano Ronaldo e não trouxe contratações estelares no mercado seguinte. Os merengues esperavam que os próprios jogadores do elenco dessem um passo à frente. Benzema fez isso – o que Bale, já farto do clube, não quis. Deixaria de ser um centroavante que atuava em função do astro ao lado, para ele mesmo virar o ponto focal da equipe e também o impulso aos companheiros que necessitavam de uma liderança técnica. Aproveitou toda a experiência adquirida na carreira e mostrou como, apesar dos números que caíam até então, não desaprendeu a fazer gols. Como ele mesmo se definiria, “era um 9 com alma de 10”, unindo o melhor de diferentes mundos. Aquela responsabilidade lhe caiu bem. Era a hora de ser protagonista, como por tanto tempo esperou.

Não foi um Real Madrid brilhante de início. Mas era um Real Madrid tantas vezes carregado por Benzema, que quadruplicou seu número de gols em La Liga, anotando 21 em 2018/19. Zidane também retornou depois da experiência ruim com Julen Lopetegui e, enfim, o centroavante poderia entregar ao treinador toda a confiança atribuída nos momentos mais duros. A versão de Benzema na conquista do Campeonato Espanhol de 2019/20 já era uma das mais incríveis. A quantidade de vezes que o artilheiro conseguia vitórias na unha, em especial na reta final, impressionava. Enfim, tinha um troféu como a grande face dos madridistas. E não se daria por satisfeito com isso.

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(GABRIEL BOUYS/AFP via Getty Images/One Football)

Benzema teve números ainda melhores em 2020/21, que não foram tão valorizados com a falta de títulos. Entretanto, o momento valeu para que se passasse uma borracha em seu histórico de imbróglios com a seleção francesa e Didier Deschamps o chamasse de volta. Mesmo que o caso da extorsão de Mathieu Valbuena gere necessários questionamentos, os Bleus finalmente admitiam que não dava para prescindir de um dos melhores jogadores do mundo. O próprio Benzema também se indicava mais maduro, distante do jovem problemático de tempos anteriores. Assumiu seu posto como um líder e mesmo como um espelho aos mais jovens, vide a forma como botou Vinícius Júnior e Kylian Mbappé sob suas asas.

A maior evolução de Benzema é a que acontece neste momento. Porque, afinal, o centroavante transforma a leitura de jogo privilegiada, adquirida em tantos anos no mais alto nível, em facilitadora ao seu próprio talento e também dos companheiros. O camisa 9 consegue preservar sua explosão, mesmo aos 34 anos, bem como o refinamento nas finalizações que sempre marcou sua trajetória. Mas são os atalhos encontrados em campo, cada vez mais frequentes, que o ajudam mais. Benzema sabe o momento de acelerar e também desacelerar. Não basta aos zagueiros grudarem os olhos no centroavante, porque ele vai encontrar um breve escape para si. Os anos todos como operário treinaram seu raciocínio, e tudo fica mais fácil quando precisa agir para si.

Benzema atravessa a melhor temporada da carreira. Os números dizem isso. Terminou o Campeonato Espanhol como o principal artífice do novo título do Real Madrid e pela primeira vez como artilheiro da competição, autor de 27 gols. Ainda assim, é a artilharia também inédita na Champions que o coloca como favorito à Bola de Ouro. Anotou 15 gols, num nível daquele Cristiano Ronaldo que costumava auxiliar. Foram 10 tentos apenas nos mata-matas, ícone inescapável de todas as viradas inacreditáveis do Real. Fica até difícil de escolher qual a melhor atuação do francês nessa campanha, embora a reação diante do PSG seja a mais avassaladora. Entretanto, mesmo nos momentos difíceis contra Chelsea e Manchester City, foi o craque quem segurou a mão dos merengues para não perderem a fé.

Hoje, pensar o Real Madrid sem Benzema é inconcebível. Prova disso veio naquele primeiro duelo contra o PSG, quando o centroavante estava claramente fora de forma, ao voltar de lesão, e o time simplesmente não rendeu sem a sua ajuda. Os madridistas precisam da engenhosidade do seu camisa 9, porque é ele quem torna esse time tão competitivo, sem contar exatamente com um coletivo brilhante. E não seria exagero dizer que a dependência do francês, hoje, é maior do que a de Cristiano Ronaldo durante o tri continental – sem comparar, óbvio, o papel espetacular que o camisa 7 desempenhava. Mas, por liderança técnica e também psicológica, Karim se faz imprescindível para o fantástico do Real Madrid existir.

E aqui reside outra grande virtude de Benzema: o seu mental. O Real Madrid não sentiu baques duros nessa campanha e acreditou até os momentos finais. Quase sempre, o francês concedeu essa fagulha aos merengues. “Fez a camisa pesar”. Entre os altos e baixos de sua carreira, a confiança na volta por cima nunca foi um problema. Atualmente, Karim está mais por cima do que nunca. E não parece disposto a deixar essa boa onda passar. Mesmo que sua temporada atual pareça irrepetível, não tem como fazer qualquer projeção de declínio para o centroavante, independentemente de sua idade. Ele já negou tantas avaliações contrárias a si que, nesse momento de enorme crédito, deve oferecer sozinho todas as respostas sobre o seu caminho.

O passo que resta, agora, é de mais um jogo para se tornar pentacampeão da Champions. Para ter o seu título, em letras garrafais, como não foram tanto assim aqueles quatro. Para se eternizar como uma lenda da história do Real Madrid, como ele sempre acreditou, por mais que outros duvidassem. Essas últimas temporadas foram ótimas para que ninguém voltasse a questionar a qualidade de Benzema. Os títulos do Campeonato Espanhol já estão aí, para gravar sua era como protagonista dos merengues. Mas, num clube tão afeito à Champions, a Orelhuda é o prêmio definitivo ao seu olimpo.

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