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·15 de julho de 2025

ÁRIAS, FLUMINENSE E O EQUILÍBRIO

Imagem do artigo:ÁRIAS, FLUMINENSE E O EQUILÍBRIO

Para compreender a situação envolvendo Jhon Arias e o interesse do Wolverhampton, é fundamental reconhecer uma realidade incômoda do futebol brasileiro: os contratos entre clubes e jogadores são estruturalmente desequilibrados, criando uma assimetria que sistematicamente prejudica as instituições.

Existe uma desigualdade contratual crônica, em que o fiel da balança nunca fica ao lado dos clubes. É uma realidade crua e que deve ser levada em consideração em qualquer debate acerca dos contratos entre jogadores e clubes para que se tenha alguma mínima chance de se aproximar da realidade vivida pelos clubes no dia a dia.


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E a discrepância começa na própria natureza das obrigações. Enquanto os clubes enfrentam compromissos mensuráveis e juridicamente exigíveis – salários em dia, FGTS, estrutura profissional adequada -, não existe mecanismo para garantir o comprometimento total do atleta em campo. Um jogador pode reduzir seu rendimento, simular lesões ou demonstrar desinteresse, se “esconder no jogo” sem que o clube tenha qualquer recurso legal efetivo. A entrega é subjetiva; as penalidades, inexistentes. Trocando em miúdos: o clube só pode exigir que o atleta cumpra o tempo de contrato, mas não há como exigir empenho, dedicação e entrega. Não há sequer meios de medirmos isso.

A segunda distorção é ainda mais perversa: quando um clube deseja dispensar um atleta de baixo rendimento, é obrigado a efetuar o pagamento do contrato integralmente. Diferentemente do regime celetista, a Lei Pelé criou uma blindagem quase absoluta ao jogador, tornando inviável sua dispensa sem o custo total do vínculo. Mesmo em acordos amigáveis, o atleta pode posteriormente recorrer à Justiça para reaver valores que havia dispensado.

Inversamente, quando o jogador atinge bom nível, ganha poder de chantagem quase ilimitado. Isso porque com seis meses antes do término do vínculo, o atleta pode firmar pré-contrato e deixar o clube de graça, embolsando luvas milionárias enquanto quem o formou e desenvolveu não recebe um centavo sequer.

No cenário específico de Arias, que possuía contrato até julho de 2026, é razoável supor que, na renovação, ele tenha condicionado sua permanência à liberação para oportunidades na Premier League – e aqui não me faço de nenhuma informação exclusiva, é apenas a minha percepção. Penso que a alternativa era clara: aceitar esses termos ou ver o jogador assinar gratuitamente com qualquer interessado a partir do final desse ano.

A faca e o queijo sempre estão nas mãos dos jogadores e seus empresários, limitando o poder de negociação dos clubes. A multa, muito por conta disso, passa a ser algo meramente figurativo nos contratos, que passam a ser sempre mais vantajosos aos atletas em casos como esse.

Contudo, existe algo que não vejo ser debatido, um elemento crucial que muitos ignoram e que é evidente – ao menos para mim: Arias não está movido por questões financeiras. Se fosse essa sua motivação principal, teria aceito a generosa proposta do Al-Nassr, que imagino, oferecia valores superiores aos praticados pelo Wolverhampton. É praticamente certo que seu salário na Inglaterra será igual, ao até mesmo inferior, ao atual no Fluminense – seu contrato já está em patamar europeu, e o Wolverhampton não integra a elite financeira da Premier League.

O que impulsiona o colombiano é a aspiração legítima de atuar numa das ligas mais competitivas do planeta. E considerando sua contribuição decisiva para as conquistas da Libertadores 2023, Campeonato Carioca e Recopa Sul-Americana, ele conquistou esse direito.

Nesse momento, nos deparamos com o tópico final, que é a gratidão a tudo que o jogador nos ajudou a sonhar, viver e conquistar. Mas a gratidão vem como princípio, não como ingenuidade. Este é o momento da reciprocidade. Arias resistiu a ofertas mais vantajosas financeiramente, optou por renovar e foi protagonista em conquistas históricas. Aos 27 (quase 28 anos) já até ultrapassou o limite, considerado ideal, para abraçar oportunidades na Premier League – ou em outro grande centro do mundo. Entendo que mereça perseguir sua ambição europeia.

Porém, existe um equilíbrio delicado que deve nortear essa negociação. Embora seja compreensível e justo que o jogador busque seu sonho, o clube não pode transformar gratidão em vulnerabilidade comercial. É imperativo que seja um negócio equilibrado para todos os envolvidos, incluindo o Patriotas da Colômbia, detentor de percentuais do atleta, que por sua vez precisa abrir mão de uma boa fatia para que se concluam as negociações.

O Fluminense não pode assumir o papel de benfeitor incondicional, ignorando seus próprios interesses institucionais. O clube possui compromissos financeiros, necessita de fortalecimento estrutural e não pode converter reconhecimento em ingenuidade empresarial. Precisa pensar em si, em fazer caixa para recompor a saída do jogador.

A postura ideal é clara: reconhecer os méritos do atleta e entender que ele siga com sua trajetória, mas sem comprometer a instituição no processo. A realidade do futebol brasileiro é inexorável – nossos melhores talentos sempre detêm o poder de partir, seja pela via contratual, seja pelo desgaste na relação.

Cabe-nos conduzir esse processo com dignidade, valorizando os serviços prestados, mas assegurando que a operação seja sensata para quem permanece. Arias merece viver seu sonho, mas o Fluminense também merece ser respeitado nessa transição.

A gratidão verdadeira não exige autossacrifício, mas sim reconhecimento mútuo e negociação equilibrada.

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