Calciopédia
·27 de outubro de 2020
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Durante algumas décadas, o futebol italiano e o inglês dividiram o apreço por atacantes grandalhões e eficazes no jogo aéreo. O romano Andrea Silenzi aproveitou essas características para fazer sucesso em clubes da Serie A no início da década de 1990 e, por conta disso, teve o privilégio de ser o primeiro jogador da Velha Bota a atuar na Premier League. No Reino Unido, porém, ele não foi nem sombra do que demonstrara anteriormente.
Natural da capital italiana, Silenzi tinha uma vida modesta: filho de um açougueiro e de uma zeladora, costumava transitar apenas entre a escola, os campinhos de futebol e a igreja. Sua formação religiosa, porém, lhe colocou muito precocemente diante de um dilema ético. Frequentador da Igreja Adventista do Sétimo Dia, ele teria de descumprir um ditame de sua fé – o de não trabalhar aos sábados – para se tornar jogador. A bola falou mais alto.
Silenzi teve sua formação futebolística nos arredores de Roma, à beira-mar. Depois de ser revelado no terrão do amador Pescatori Ostia, o garoto de 18 anos – que não impressionou os gigantes da Cidade Eterna – passou pelo crivo da Lodigiani, equipe romana conhecida por ser uma potência no futebol juvenil. Embora não fosse um prata da casa biancorosso, Andrea foi valorizado pela agremiação e teve um ótimo desempenho na Serie C2 entre 1984 e 1987: em 49 partidas, anotou 18 gols.
O centroavante acabou chamando a atenção do Arezzo, que tinha um time com bons valores para a disputa da Serie B: o goleiro Fernando Orsi, o volante Gennaro Ruotolo, o meia Francesco Dell’Anno e os atacantes Guido Ugolotti, Sandro Tovalieri e Marco Nappi, aos quais Andrea faria sombra. Do alto de seu 1,91 m, o longilíneo Silenzi não passou de uma alternativa de jogadas pelo alto e de imposição física. Os técnicos Bruno Bolchi e Antonio Angelillo preferiam os concorrentes e o romano recebeu, quase sempre, apenas minutos no final das partidas: atuou em 24 oportunidades, sendo quatro como titular, e não fez um gol sequer.
Depois de um ano decepcionante na Toscana, que culminou em rebaixamento, Silenzi rumou à Emília-Romanha. O atacante, que recebeu o apelido de Pennellone – “escovão”, em português – devido a seu biotipo alto, magro e cabeludo, acertou com a Reggiana, que também disputaria a Serie C1. Andrea se tornou o principal destaque do time treinado por Giuseppe Marchioro e marcou nove gols na campanha do título granata. O grandalhão repetiu a dose na segunda divisão. Ou melhor, aprimorou a sua performance. Com 23 tentos, se sagrou artilheiro do campeonato e ajudou a Regia a ser uma das sensações da temporada – ainda que o acesso não tenha sido obtido.
Àquele momento, Pennellone já era conhecido em todo o país e não seria de se estranhar, portanto, que o campeão italiano adquirisse uma das sensações do futebol local. Assim, por seis bilhões de velhas liras, o Napoli de Corrado Ferlaino e Luciano Moggi levou Silenzi para a Campânia na intenção de tê-lo como alternativa ao veterano Careca.
Em sua estreia pelos azzurri, contudo, Andrea atuou ao lado do brasileiro e à frente de Diego Maradona por opção do técnico Alberto Bigon. O esquema ultraofensivo funcionou principalmente para o grandalhão: o romano anotou dois gols e deu uma assistência na vitória por 5 a 1 sobre a Juventus na Supercopa Italiana. Dessa forma, Silenzi ofuscou o debute de um tal Roberto Baggio pela Velha Senhora.
Com o passar do tempo, o futebol do centroavante foi se desmilinguindo. Silenzi marcou um gol na ida das oitavas de final da Coppa Italia, contra a Fiorentina, e depois disso, amargou um jejum de exatos cinco meses: só voltou às redes na 29ª rodada da Serie A, contra a Atalanta. Um novo tento contra a Juve deixou menos amarga uma temporada majoritariamente negativa para o jogador.
Em 1991, o Napoli deu início a um novo ciclo devido às saídas de Bigon e Maradona – o argentino fora suspenso por doping. Silenzi acabou ganhando sobrevida com a chegada de Claudio Ranieri ao comando e recebeu uma nova chance com a camisa azzurra. Andrea marcou quatro gols (contra Genoa, Atalanta, Verona e Roma) e teve um desempenho que, se não foi suficiente para garantir a sua permanência no San Paolo para a temporada 1992-93, serviu para assegurar-lhe a passagem ao forte Torino. Naquele ano, o Toro havia sido vice-campeão da Copa Uefa e terceiro colocado na Serie A, logo à frente dos napolitanos.
Pela equipe grená, Pennellone disputaria posição com o brasileiro Casagrande. O técnico Emiliano Mondonico tinha preferência por Casão, que disputou cerca de 700 minutos a mais que o italiano em 1992-93, mas não desprezou o reforço. Mondo também deu oportunidades a Silenzi e o colocou em campo em 34 partidas. O romano não teve uma temporada muito expressiva, mas deu o ar de sua graça justamente no último jogo do ano – e o mais importante deles, disputado em sua cidade natal.
Na época, a Coppa Italia era decidida em partidas de ida e volta, com a regra do gol qualificado. O Torino vencera a primeira sobre a Roma por 3 a 0, mas a tranquilidade era apenas aparente. No caldeirão do Olímpico, coube a Silenzi calar a torcida giallorossa: Giuseppe Giannini abriu o placar para os donos da casa e o grandalhão respondeu, com um ótimo chute de direita; depois, Ruggiero Rizzitelli anotou de cabeça e, em seguida, Pennellone deu o troco na mesma moeda. A Roma até venceu por 5 a 2, mas o título ficou com o Toro por causa dos tentos anotados como visitante. Os gols de Andrea Silenzi.
Em 1993-94, Casagrande retornou ao Brasil e o romano se tornou titular do Torino. Silenzi não decepcionou: anotou 22 gols na temporada, sendo 17 na Serie A, e abocanhou o posto de terceiro principal artilheiro do país. Líder do trio de ataque granata, que formou com Enzo Francescoli e Benito Carbone, o grandalhão foi (de longe) o destaque do oitavo melhor colocado do Italiano e semifinalista da copa nacional. Merecidamente, portanto, Andrea recebeu de Arrigo Sacchi uma convocação para a Nazionale em fevereiro de 1994: o amistoso contra a França, em Nápoles, acabaria representando sua única aparição com a camisa azzurra.
Na temporada seguinte, Rizzitelli foi contratado pelo Torino e assumiu o protagonismo do setor ofensivo grená. Silenzi, atuando como pivô, passou a ser um grande garçom para o colega e acabou por reduzir bastante a frequência com a qual colocava bolas nas redes adversárias: foram apenas cinco gols em 1994-95, dos quais quatro foram guardados na Serie A. Mesmo assim, Andrea, então com 29 anos, chamou a atenção de Frank Clark, técnico do Nottingham Forest.
Silenzi era visto por Clark como o substituto ideal de Stan Collymore, atacante que fizera 25 gols na temporada anterior – 22 deles no Campeonato Inglês – e fora contratado pelo Liverpool. O treinador acreditava que o biotipo do romano, similar ao do seu antigo artilheiro, daria trabalho aos adversários e permitiria que seus companheiros tivessem o espaço adequado para atacar as metas dos rivais. O Forest, então, pagou 1,8 milhão de libras esterlinas e fez de Andrea o primeiro italiano da história da Premier League. E, também, uma das maiores decepções já vistas no certame.
O gigante romano estreou contra o Coventry, em setembro de 1995, e só foi ter sua primeira chance como titular em dezembro, ante o Bolton. Silenzi sentia dificuldades de se adaptar à cultura da Inglaterra e também de se firmar em campo. A Premier League começava a se internacionalizar e, nesse processo, diminuíram a importância dos chuveirinhos na área e da disputa corpo a corpo entre atacantes e zagueiros em lances brigados. Andrea, então, se sentia como um peixe fora d’água.
O resultado disso não foi dos melhores para o atacante italiano, que ainda sofreu com lesões ao longo de 1995-96. O Nottingham Forest até fez boa temporada, uma vez que concluiu a Premier League na nona posição e alcançou as quartas de final da FA Cup e da Copa Uefa – competição em que eliminou Auxerre e Lyon, da França, e só caiu frente ao Bayern Munique. Silenzi, porém, passou longe de repetir os números de Collymore. Andrea ficou zerado no principal certame nacional e só marcou duas vezes no geral, em jogos preliminares das copas locais.
Silenzi até continuou no Forest para o início da temporada seguinte, mas acabou sendo emprestado ao Venezia depois de mais duas aparições pelo time das Midlands Orientais. O destino do romano era a Serie B, o que mostrava que os seus melhores dias haviam ficado para trás e que o atacante que se consolidou entre os principais nomes da posição na Itália no início da década de 1990 simplesmente não existia mais. Andrea perdeu confiança depois de sua passagem pela Inglaterra e anotou apenas nove gols entre 1996 e 2001, quando se aposentou.
Nesse período, além de ter baixíssima intimidade com as redes, Pennellone nem mesmo integrou elencos dignos de nota. Andrea deixou Venezia, Reggiana e Ravenna no meio da tabela da Serie B entre 1997 e 1999, e depois recebeu uma nova oportunidade na elite pelo Torino. O que poderia ser um retorno em grande estilo se traduziu numa trajetória melancólica, marcada por apenas 12 partidas, metade como titular, e um rebaixamento para a segundona. Na temporada seguinte, Silenzi voltou ao Ravenna, somou apenas sete aparições e pendurou as chuteiras aos 35 anos, após um novo descenso – dessa vez para a terceira categoria.
Aposentado, Silenzi passou a trabalhar como colaborador externo da Cisco Roma – ou seja, sem ter cargo efetivo no clube capitolino. Isso durou até 2009, quando se tornou responsável pelas categorias de base da agremiação, que fechou as portas dois anos depois. O último legado de Andrea para o futebol reside em seu filho, Christian: também atacante, ele passou pelos juvenis de Inter e Reggiana, além de ter atuado como profissional por Reggina e times mais modestos, como Olbia e Albissola.
Andrea Silenzi Nascimento: 10 de fevereiro de 1966, em Roma, Itália Posição: atacante Clubes: Lodigiani (1984-87), Arezzo (1987-88), Reggiana (1988-90 e 1997-98), Napoli (1990-92), Torino (1992-95 e 1999-2000), Nottingham Forest (1995-96), Venezia (1996-97) e Ravenna (1998-99 e 2000-01) Títulos: Serie C1 (1989), Supercopa Italiana (1990) e Coppa Italia (1993) Seleção italiana: 1 jogo