Amadeo Raúl Carrizo, ídolo do River Plate, morre aos 93 anos | OneFootball

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·26 de março de 2020

Amadeo Raúl Carrizo, ídolo do River Plate, morre aos 93 anos

Imagem do artigo:Amadeo Raúl Carrizo, ídolo do River Plate, morre aos 93 anos

O River Plate, sobretudo após vencer a “final mais sonhada do mundo” em Madrid, ampliou o seu já vasto Olimpo. Marcelo Gallardo, sem sombra de dúvidas, é o mais novo integrante desse panteão. Amadeo Raúl Carrizo, que morreu na última sexta-feira, 20, aos 93 anos, é figurinha carimbada nessa dimensão. Porém sua importância dentro do futebol argentino transcende a imensidão cósmica do Monumental de Nuñez.

VINHO TINTO: O SEGREDO

O homem que defendeu, ininterruptamente, a meta do River por mais de duas décadas, é considerado por um de seus sucessores, Ubaldo Fillol, como o “melhor goleiro argentino de todos os tempos”. Fato é que, ambos, cada um em sua época e com seu estilo, foram precursores de toda uma geração. Certa vez, César Luis Menotti, técnico campeão com a Seleção da Argentina na Copa do Mundo de 1978, dividiu o futebol antes e depois de Carrizo.


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“Antes as equipes jogavam com dez jogadores e um arqueiro. A partir de Carrizo, e depois com Fillol, o futebol passou a ser jogado com onze, dos quais um pode pegar a bola com as mãos”, afirmou.

Ídolo, pioneiro e longevo, tanto dentro quanto fora das quatro linhas. Com recém 90 anos completados, Amadeo revelou, em entrevista ao jornal argentino La Nación que o segredo para chegar inteiro nessa idade era… “tomar vinho tinto”.

Carrizo é natural da província de Santa Fe, mais precisamente da cidade de Rufino, uma localidade bastante ligada ao River Plate. Isso porque também foi berço de outro ícone Millionario: Bernabé Ferreyra, que anotou 187 gols em 185 partidas durante a década de 1930. Filho de um operário da ferrovia Buenos Aires-Pacífico, começou desde pequeno a participar das competições locais. Sendo assim, Sócrates Cieri, que atuou por San Lorenzo e Gimnasia y Esgrima, era sua referência debaixo das três traves durante a infância.

UMA PAIXÃO CHAMADA RIVER PLATE

Com apenas 16 anos, Carrizo já era o goleiro titular do Buenos Aires Pacífico, clube campeão da liga local em 1942. Desse modo, o contato com o River foi intermediado por Héctor Berra, do atletismo do clube (foi finalista olímpico de salto à distância nas Olimpíadas de Los Angeles de 1932). Conforme explicado por Amadeo, Berra “era de Rufino e trabalhava na ferrovia com meu pai. Me recomendou. Primeiro me quis ver jogar. Armou uma partida amistosa, onde eu defendi mais ou menos bem, e escreveu uma carta de recomendação a Carlos Peucelle“.

Foi, imediatamente, aprovado. Assim, se mudou para o bairro de Villa Devoto, onde seus tios moravam, em Buenos Aires. Posteriormente, em 2012, em uma entrevista à revista El Gráficoa íntegra foi redivulgada no site da revista –  Carrizo revelou que essa aprovação de Peucelle foi o dia mais feliz de sua carreira.

A estreia de Amadeo Raúl Carrizo com a equipe profissional do River Plate ocorreu em 6 de maio de 1945, na vitória por 2 a 1 frente ao Independiente, seu time do coração quando criança.

“Estreei contra meus ídolos, De la Mata e Erico“, recordou.

No ano anterior, o mítico goleiro era titular absoluto da equipe sub-20 Millionaria, que também era composta por Néstor Rossi e Alfredo Di Stéfano, a qual se sagrou campeã argentina da categoria. Desse modo, passou a compor o elenco principal aos poucos. O River, vale lembrar, vivia uma de suas épocas mais gloriosas, tendo sua equipe conhecida mundialmente como La Máquina.

“O futebol me deu a possibilidade de ver La Máquina dos bastidores. Muñoz, Moreno, Pedernera, Labruna e Loustau, eram a perfeição com um estilo de jogo em uma época onde não existia preparação física muito menos as marcas atuais”.

RIVER DE LÁGRIMAS

A partir de 1948, Carrizo assumiu a titularidade, tendo disputado 551 partidas e levantado seis títulos (1945, 1952, 1953, 1955, 1956 e 1957). E mais: em quatro dessas temporadas não foi vazado, sendo que, em 1968, permaneceu 769 minutos consecutivos sem sofrer gols. O autor do gol que encerrou a invencibilidade era nada mais nada menos que o jovem atacante do Vélez Sarsfield, Carlos Bianchi. Atualmente, a marca é a quarta maior da história do futebol argentino. O recorde, vale lembrar, pertence desde 1981 a Carlos Barisio, outro ex-goleiro que faleceu neste ano.

“Chorei três vezes na minha vida: quando vim de Rufino, quando bati o recorde do arco invicto e quando o presidente William Kent me chamou por telefone para dizer que meu ciclo no River havia terminado”, contou.

Atuou em alguns amistosos pelo Alianza Lima, do Peru, e depois firmou contrato com o Millionarios, da Colômbia. Em duas temporadas no futebol colombiano, Carrizo não ganhou títulos, mas também conseguiu um recorde de invencibilidade, 490 minutos. Antes de se aposentar com 44 anos, se deu ao gosto de bater uma falta.

“Fiz só uma vez, contra o Unión Magdalena. Estávamos perdendo e era o último minuto, então fui chutar. Os caras teriam pensado: ‘este sabe tudo’, e me armaram uma barreira com todos, já não vi mais o arco. Meti uma cobertura e o goleiro pegou. Me animei em fazer porque terminava a partida”

Amadeo Raúl Carrizo ensaiou carreira de técnico. Em 1972, ganhou a quarta divisão com o Deportivo Armenio, mas desistiu.

PIONEIRO

Carrizo marcou época como um pioneiro. Por sua causa, 12 de junho na Argentina não é o dia dos namorados, e sim do goleiro, função que ganhou luvas e uma maior noção de posicionamento por sua causa. Durante o papo com a El Gráfico, foi questionado sobre como lhe ocorriam suas inovações.

“Me saíam sozinhas, porque, embora aos 7 anos eu já tivesse manhas de goleiro, gostava de jogar adiantado, fazer um drible, e tudo isso me ajudou a ter essa técnica, a jogar com mais confiança. É fundamental que o arqueiro seja confiante, porque, se titubeia, pode se complicar. Além disso, transmite tranquilidade aos seus companheiros. Nesse época, os goleiros ficavam embaixo das traves e surpreendeu alguém que aparecesse fazendo essas coisas”, respondeu.

Seu novo estilo, mais arrojado, prezava pelo posicionamento mais adiantado para cortar as jogadas dos adversários com os pés, matar a bola no peito, lançar para contra-ataques, pré-requisitos, atualmente, para um bom goleiro, mas que naquela época eram revolucionárias. Carrizo se dizia ser um goleiro com cabeça de atacante, mas explicava:

“Meu estilo não foi um capricho, havia razões para tê-lo. O River sempre jogava no ataque o que obrigava o goleiro a também jogar adiantado”.

Campeão com o River Plate, debutou, em 1954, pela Seleção Argentina, em um 3 a 1, em Lisboa, contra Portugal. No mesmo ano, compôs o selecionado que encarou, em Roma, a Itália, na derrota por 2 a 0, uma partida de suma importância para a mitologia de Carrizo.

“O goleiro deles, Giovanni Viola, usava luvas. Perguntei se davam resultado, ele me respondeu que sim e me presenteou com um par. Comprei uns mais na volta, contra o Racing, os estreei. Aqui ninguém usava e me dava um pouco de vergonha, então as firmei no elástico do calção para não revelar, e antes de soar o apito, as pus”.

AMADEO RAÚL CARRIZO: O CULPADO TEM NOME E SOBRENOME:

O regresso de Amadeo Raúl Carrizo à Albiceleste foi histórico, uma vez que, naquele 7 de julho de 1957, Pelé anotou seu primeiro gol com a camisa da Seleção do Brasil, mas não conseguiu evitar a derrota por 2 a 1, em pleno Maracanã. No ano seguinte, era ele o goleiro no “desastre da Suécia”, quando Argentina foi goleada pela Tchecoslováquia por 6 a 1, em jogo válido pela terceira fase da Copa do Mundo.

A Albiceleste voltava a disputar um Mundial após 24 anos. Isso porque, durante a década de 1940, devido à Segunda Guerra Mundial, o torneio não ocorreu, e por conta da desistência do país, fruto de uma greve no futebol local, de disputar as edições de 1950 e 1954.

“Fazia muito tempo que a Argentina não jogava nada importante, não tínhamos amistosos com nenhuma seleção Europa, estávamos avulsos do que acontecia”, contou.

Bode expiatório da tragédia, aceitou outra convocação somente em 1964, quando a Argentina disputou, no Brasil, a Copa das Nações, competição na qual teve sua redenção. Na vitória por 3 a 0 sobre os anfitriões, o goleiro pegou um pênalti de Gérson. Campeão, ao final da torneio, despediu-se da Seleção, onde disputou 20 partidas oficiais (além de três não-oficiais), nas quais em metade não foi vazado.

ETERNO AMADEO

Dois anos mais tarde, quando o River Plate disputou sua primeira final de Copa Libertadores, na qual acabou derrotado pelo Peñarol para o 4 a 2 após estar vencendo por 2 a 0, Carrizo foi criticadíssimo pelo então presidente do clube, Antonio Liberti, após defender uma bola com o peito, lance que teria mexido com os beijos uruguaios e impulsionado a virada.

Amadeo também foi protagonista de outros casos do folclore futbolero portenho. Na antepenúltima rodada do campeonato de 1954, o Boca Juniors podia garantir o título em um Superclássico, em pleno Monumental de Nuñez. Contudo, a vitória de 3 a 0 dos Millionarios impediu a hecatombe, porém a mais célebre lembrança daquele clássico foram os dribles de Carrizo em “Pipino” Borello. A partir de então, surgiram rumores, posteriormente negados pelo goleiro, de uma inimizade entre ambos.

“Desde aquele drible, os torcedores do Boca transformaram minha vida num inferno. Algo, obviamente, intensificado pela rivalidade. Mas com Borello tudo terminou bem e depois estive em sua partida de homenagem”, contou.

Por sua vez, nunca teve essa despedida. Reconhecendo o erro, o River Plate, sob a gestão de Rodolfo D’Onofrio, o nomeou como Presidente Honorário do clube. Já em Rufino, uma estátua construída. Assim, o nome de Amadeo Raúl Carrizo permanecerá eternamente vivo na história do futebol argentino.

Imagem destacada: River Plate/FNV reprodução

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