Calciopédia
·15 de outubro de 2024
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Ponta-direita canhoto, habilidoso e extremamente promissor, Alessio Cerci era visto como um fenômeno nas categorias de base e tido como um dos principais nomes da sua geração no futebol italiano, que já passava por um processo de reconstrução mesmo antes do título mundial de 2006. O “Thierry Henry de Valmontone”, como ficou apelidado por suas características, nunca esteve próximo de cumprir as altas expectativas depositadas em seu talento no início de sua carreira, apesar de ter sido destaque de um bom time do Torino e ter disputado uma Copa do Mundo.
Cria do interior do Lácio, Cerci nasceu em Velletri, mas tem origens familiares na vizinha Valmontone – daí seu apelido. Alessio deu seus primeiros passos no time homônimo da cidade da qual deriva seu epíteto e, em 2003, beirando os 16 anos, foi notado pela Roma.
Cerci foi integrado à base giallorossa e, em seu primeiro ano na nova agremiação, estreou profissionalmente: o fez no dia 16 de maio de 2004, contra a Sampdoria, na última partida de Fabio Capello como comandante da Roma. O jovem não teve grande destaque, apesar de apresentar sinais de seu talento. Continuou tendo oportunidades nas campanhas seguintes, alternando entre o time profissional e o Primavera, com o qual foi campeão italiano em 2005. Porém, não conseguiu se firmar, convencendo a diretoria e a comissão técnica capitolinas apenas de que ele não estava pronto para dar um salto na carreira. Assim, foi emprestado: na temporada 2006-07, jogaria no Brescia, que estava na Serie B.
Na Lombardia, o ponta também não conseguiu ter uma boa sequência. Cerci recebeu poucos minutos no Brescia, atuou somente cinco vezes como titular e retornou do empréstimo sem balançar as redes nem uma vez sequer em 23 aparições. Para a temporada seguinte, foi cedido novamente para um time da segunda divisão. O destino da vez foi o Pisa, clube em que encontrou o homem que mais saberia como potencializá-lo. Na Toscana, finalmente as primeiras amostras do Alessio de quem muito se esperava foram dadas.
Cerci foi revelado pela Roma, rodou a Itália por empréstimo e não se firmou na equipe da capital (Getty)
Foram 10 gols e nove assistências em 28 jogos, nos quais ajudou a formação treinada por Gian Piero Ventura em uma campanha que quase terminou em acesso à Serie A – o Pisa foi eliminado pelo Lecce nas semifinais dos playoffs. Alessio foi um dos melhores jogadores do time na temporada e só não contribuiu ainda mais por conta de suas primeiras lesões graves, que o mantiveram afastado do gramado por aproximadamente três meses e meio, em duas ocasiões. O pior, para os nerazzurri, é que Cerci machucou o joelho justamente na reta final o certame e estava de molho em sua fase crucial. As contusões, inclusive, tiraram o ponta também da Olimpíada de Pequim.
A boa temporada no Pisa não foi suficiente para que a Roma se sentisse convencida de sua utilização. Assim, a equipe capitolina tratou de envolvê-lo novamente em um empréstimo para a época 2008-09, dessa vez para uma agremiação da primeira divisão, embora longe do primeiro escalão àquela altura. Alessio Cerci, assim, chegou à Atalanta. Mais uma vez, amargou uma passagem de insucesso por conta de lesões. Foram apenas 14 jogos sem nenhuma participação em gols pela Dea. Apesar disso, sua sorte parecia começar a mudar, pois, na época seguinte, não seria cedido.
Pela primeira vez, Cerci teve a oportunidade de viver uma sequência na agremiação que o revelou, uma equipe grande, que ele poderia ajudar a brigar por títulos, eventualmente. Não foi isso, entretanto, o que aconteceu. Mais uma vez, o ponta não conseguiu o destaque que todos esperavam, participou de apenas 19 jogos e marcou três gols num ano que terminou amargo para a Roma – a Loba foi vice da Coppa Italia e da Serie A, perdendo para a Inter em ambas as ocasiões, com direito a uma reviravolta no fim do torneio de pontos corridos. Ao final de 2009-10, Alessio buscou novos ares, deixando os giallorossi em definitivo e rumando à Fiorentina.
Foi na Viola, já aos 23 anos, que a promessa passou a ser realidade, demonstrando sua categoria e sua versatilidade e se tornando um dos líderes técnicos de uma equipe que se reformulava após a saída do técnico Cesare Prandelli para a seleção italiana. As lesões graves passaram a se tornar menos recorrentes e a sequência permitiu que, pela primeira vez, Alessio conseguisse mostrar seu bom futebol em um time da elite de seu país.
O ponta viveu bons momentos na Fiorentina e chegou a ser alvo do interesse do Manchester City (Getty)
Em 2010-11, comandada por Sinisa Mihajlovic, a Viola não foi além de um nono lugar, mas Cerci mostrou bastante sintonia com Juan Manuel Vargas e Alberto Gilardino. Chegou a marcar sete gols e fornecer quatro assistências, com direito a bela reta final de Serie A, após sofrer com alguns problemas físicos. Recuperado, o ponta garantiu vitória sobre o Cagliari com uma doppietta e repetiu a dose na rodada seguinte, num rocambolesco 5 a 2 contra a Udinese, jogo no qual ainda deu um passe decisivo.
Parecia que finalmente ele estaria dando o salto para se tornar o jogador que poderia ser. Cerci recebeu – e recusou – propostas de outros times importantes do futebol mundial, como o Manchester City, que iniciava sua trajetória com Roberto Mancini, técnico interessado em seu futebol. No entanto, seu apreço pelas vida noturna e acusações de falta de profissionalismo passaram a afetar seu desempenho e estremeceram sua relação com a torcida e com a diretoria da Fiorentina.
O ápice dessa vertiginosa queda de rendimento se deu no clássico com a Juventus, no qual o ponta chutou Paolo De Ceglie, num lance sem bola, e foi expulso aos 21 minutos, quando a Fiorentina perdia por 1 a 0. O gancho de três rodadas não foi nada perto da goleada por 5 a 0 que a Viola levou da rival, em pleno Artemio Franchi. O forte desgaste acarretou na sua saída em 2012, com destino ao Torino, onde viveria seus melhores e – ainda tão cedo – últimos bons momentos na carreira.
Foi no Toro que Cerci, que tinha apenas 25 anos na época, finalmente demonstrou se sentir em casa. Em duas temporadas, entrou em campo por 73 vezes pelo clube em que mais jogou e teve seus melhores números, com 44 participações em gols: anotou 21 tentos e contribuiu com outros 23, através de assistências ou pênaltis sofridos. Foi inegavelmente um momento iluminado, de um nível de futebol muito alto, sem lesões, ótimas estatísticas e encantamento.
Sob o comando de Ventura, Cerci teve seus melhores momentos na carreira e brilhou no Torino (Getty)
Talvez o principal ingrediente para isso estivesse fora das quatro linhas. Isso porque, em Turim, mestre e aprendiz se reencontraram. O atacante voltou a ser comandado por Ventura, que sabia mais do que ninguém como explorar as suas qualidades e, até por isso, teve, no Toro, o seu melhor momento como técnico – uma fase tão gloriosa que o levou à seleção italiana, na qual fracassou de forma retumbante, exatamente como seu pupilo.
Antes desse fim melancólico, os dois brilharam juntos no Piemonte. Alessio sempre demonstrou muita versatilidade e Ventura não relutou em usar isso a seu favor. Inicialmente um ponta-direita, o jogador passou a jogar cada vez mais por dentro, com mais facilidade de se aproximar da baliza adversária e usando sua destreza para atingir tal objetivo. Em 2012-13, ainda em dupla com Rolando Bianchi, Cerci foi o grande nome da campanha de permanência do Torino na Serie A, com oito gols e 12 participações em tentos. Seu momento de maior destaque se deu em Bérgamo, onde fracassara anteriormente, ao servir três assistências na goleada por 5 a 1 sobre a Atalanta.
A habilidade e o estilo de jogo de Cerci não só casaram perfeitamente com o que acreditava o treinador como complementaram muito bem as características de Ciro Immobile, seu principal parceiro de ataque na carreira. Em 2013-14, eles fizeram uma das duplas mais perigosas da Serie A e levaram os grenás à sétima colocação, à frente de gigantes como Milan e Lazio. O Torino só não ficou com a sexta posição porque, na última rodada, Alessio desperdiçou um pênalti contra a Fiorentina.
A cobrança perdida, porém, não teve impacto negativo. A campanha foi extremamente marcante, sendo a melhor do Toro desde 1992, quando terminou na terceira posição – tal trajetória só seria repetida em 2019. Por conta do ótimo Campeonato Italiano e de uma punição ao Parma, sexto colocado, por problemas financeiros, o Torino se classificou para uma competição europeia pela primeira vez desde 1993. Foi uma temporada muito especial para os grenás, com muitos méritos do trabalho feito por Ventura e por sua fantástica dupla de ataque. Enquanto Immobile foi o artilheiro da Serie A, com 22 gols, Cerci anotou 13 e ainda participou de outros 11.
Conhecido como “Henry de Valmontone”, Cerci teve seu auge num biênio pelo Torino, mas não conseguiu manter o alto nível por muito tempo (Getty)
O alto desempenho de Alessio no Torino o levou a realizar o sonho de qualquer jogador: vestir a camisa de sua seleção e representar seu país em uma competição oficial. O atacante disputou a Copa das Confederações de 2013, na qual a Itália foi a terceira colocada. No ano seguinte, ele foi um dos convocados para a Copa do Mundo do Brasil, em que a Squadra Azzurra teve uma campanha decepcionante, não passando da fase de grupos. O ponta do Toro não teve tantas oportunidades em nenhum dos torneios e não conseguiu grande destaque.
Apesar do pouco brilho com a seleção, Cerci vivia seu auge técnico, tático, físico e emocional, e voltou a chamar a atenção dos grandes tubarões do mercado europeu. Naquele momento, seu destino seria deixar a Itália e ir para uma liga mais competitiva àquele momento. Alessio trocou o Torino para se juntar ao Atlético de Madrid, então campeão espanhol e vice europeu. Era uma decisão que fazia sentido para a carreira de um jogador de 27 anos recém-completados, que buscava o estrelato e os principais palcos do mundo. A operação, contudo, não poderia ter dado mais errado, e o que deveria fazê-lo chegar a um novo patamar acabou sendo o início do fim.
Uma liga nova, um time de outro nível, muito mais visado e observado pelos rivais, um modo de jogar completamente diferente daquele com o qual estava acostumado e um elenco com muito mais concorrência. É normal que um jogador precise de alguns meses para se adaptar a um cenário com tantas novidades. Porém, o tempo não foi um fator nessa equação, pois em momento nenhum Cerci se integrou ao novo ambiente.
Não demorou para que sua confiança caísse cada vez mais e ele se tornasse até motivo de chacota para as torcidas rivais e um peso dentro do próprio elenco, com direito a rusgas com o técnico Diego Simeone. Se o Torino representou seu auge técnico, tático e emocional, o Atlético de Madrid foi o oposto. Apenas cinco meses como colchonero foram o suficiente para levá-lo ao fundo do poço. Um buraco do qual ele não conseguiria mais sair.
Logo após se transferir ao Atlético de Madrid, o italiano entrou em forte processo de declínio (Getty)
Os espanhóis liberaram o atacante para procurar um novo time e ele acabou sendo emprestado duas vezes. Em janeiro de 2015, foi cedido por 18 meses ao Milan. Um gigante, que, contudo, vivia um de seus piores momentos na história, penando para chegar em competições europeias, não brigando por títulos, sendo presa fácil para os rivais e com graves problemas institucionais. Um clube ainda mais desorganizado do que o rumo que a carreira de Cerci estava tomando. Para a surpresa de poucos, essa combinação não deu bons frutos nem para a equipe nem para o atleta, que ainda virou alvo de piada por ter resolvido vestir a camisa 22, anteriormente utilizada por Kaká.
Alessio nem chegou a retornar à Espanha quando seu empréstimo ao Milan acabou, depois de somente 33 jogos e um golzinho. Afinal, os rossoneri, insatisfeitos com o futebol do ponta – que esperavam recuperar, quando o contrataram – interromperam o vínculo em janeiro de 2016, alguns meses antes do previsto. Assim, Cerci foi direto para o Genoa, onde também teria uma passagem discreta, com 11 aparições e quatro gols. Dois deles, vale salientar, cobrando pênaltis numa vitória por 3 a 2 sobre o Torino.
Nos últimos momentos de sua experiência em Gênova, Cerci lesionou o menisco do joelho direito e se operou. Não parecia nada muito sério, e ele até negociou uma transferência para o Bologna no fim da janela de transferências do verão europeu de 2016-17. Entretanto, o clube emiliano desistiu do negócio após os exames médicos, por temer que o ponta fosse demorar demais de ter condições de jogo.
A diretoria rossoblù estava certa, já que Alessio ficou de molho (e encostado no Atleti) até dezembro de 2016. No fim daquele mês, retornou aos gramados num jogo contra o Guijuelo, pela Copa do Rei, e foi aplaudido pela torcida colchonera, que se compadeceu da sua situação. Isso, porém, não mudou seu status no time: só fez duas partidas em 2016-17, quando e, já beirando os 30 anos, negociou a rescisão de seu contrato com o clube madrilenho, o qual representou em míseras 11 ocasiões.
O atacante tentou colocar sua carreira nos trilhos ao acertar com o Milan, mas naufragou juntamente com o time rossonero (Getty)
Em seguida, Cerci assinou com o Verona, clube que defendeu somente por uma temporada. No Vêneto, também conviveu com lesões e pouco conseguiu brilhar, sucumbindo juntamente com uma equipe enfraquecida: foram 25 jogos, três gols, quatro assistências e um rebaixamento no currículo. O Hellas, aliás, seria o último time que o Henry de Valmontone defenderia na Serie A.
Os seus últimos anos de carreira seguiram na mesma toada de decadência, com lesões, contratos que não foram renovados e transferências sem custos para times de prateleiras cada vez mais baixas. Para a temporada 2018-19, Cerci foi se aventurar na liga turca, no Ankaragücü, da parte inferior da tabela da Süper Lig.
No clube de Ancara, capital da Turquia, Alessio entrou em campo apenas 16 vezes, marcou cinco gols e deu três assistências – e foi no estrangeiro em que balançou as redes pela última vez. A passagem de Cerci pelo time turco foi bastante conturbada, a propósito. O ponta chegou a ficar sem receber salários, foi afastado do elenco e obrigado a treinar separadamente, o que o levou a fazer uma denúncia à Fifa.
Sem jogar desde fevereiro de 2019, Cerci conseguiu se desvincular do Ankaragücü e acertou com a Salernitana em agosto. A equipe grená frequentava o meio da tabela da segunda divisão italiana, e a transferência representava, para o ponta, a oportunidade de devolver os campanos à elite após mais de duas décadas. E com um detalhe: Alessio se reuniria com Ventura, seu mentor, também em baixa após fracassar na tentativa de levar a Itália à Copa do Mundo de 2018.
No Verona, Cerci amargou rebaixamento e teve sua última experiência na elite do futebol italiano (Getty)
Entretanto, os momentos de glória da dupla haviam mesmo ficado para trás. Se Ventura entrara numa espiral de fracasso desde que passara pela Nazionale, Cerci atravessava um período ainda mais longo de decadência, que durava desde sua ida ao Atlético de Madrid, como mencionado anteriormente. Assim, o ponta teve ainda mais problemas com lesões e fez só 10 jogos pela Salernitana, contribuindo apenas com uma assistência, a última na carreira, em uma campanha medíocre dos grenás.
Sua derrocada continuou e ele chegou à terceira divisão em meados da temporada 2020-21 – havia ficado sem contrato em junho e só achou um novo clube em outubro de 2020. No Arezzo, fez as derradeiras 15 partidas de sua carreira e acumulou os problemas de sempre: se lesionou algumas vezes e teve atritos com colegas de time, que fizeram com que a diretoria dos toscanos o afastasse do elenco em março. Cerci rescindiu o seu vínculo em abril, pouco antes de os aretinos, lanternas de seu grupo na categoria, confirmarem o rebaixamento à Serie D.
Cerci permaneceu sem clube até julho de 2023, quando anunciou, aos 36, que encerrava a sua carreira. Era o melancólico ponto final da trajetória de um grande talento italiano que em poucos momentos conseguiu demonstrar o que se esperava dele. Um jogador habilidoso, porém inconstante, que teve muitos problemas com lesões e com seu próprio temperamento, o que se traduziu em dificuldades de passar mais de um ano no mesmo time – e que sequer alcançou a marca de 100 partidas por quaisquer das agremiações que defendeu. Seu legado é de mais dúvidas do que de certezas. Qual realmente era o tamanho de seu potencial? E se ele tivesse ido para o Manchester City, em 2011? E se não tivesse deixado o Torino para jogar no Atlético de Madrid? Sem respostas concretas, só nos resta especular.
Alessio Cerci Nascimento: 23 de julho de 1987, em Velletri, Itália Posição: atacante Clubes: Roma (2003-06 e 2009-10), Brescia (2006-07), Pisa (2007-08), Atalanta (2008-09), Fiorentina (2010-12), Torino (2012-14), Atlético de Madrid (2014 e 2016-17), Milan (2015), Genoa (2016), Verona (2017-18), Ankaragücü (2018-19), Salernitana (2019-20) e Arezzo (2020-21) Títulos: Campeonato Primavera (2005) Seleção italiana: 14 jogos