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·21 de outubro de 2022

Ahn Jung-Hwan e o gol da discórdia

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A Copa do Mundo de 2002 foi marcada por gratas surpresas, com seleções inesperadas chegando a fases avançadas do torneio. Quem não se lembra de Senegal, Turquia, Estados Unidos, e é claro, da Coréia do Sul? Um dos países-sede daquele Mundial, a Coreia do Sul até hoje é lembrada pelas polêmicas de arbitragem, principalmente nas quartas de final, quando passou pela Espanha.


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Contudo, o jogo mais marcante dos Tigres Asiáticos veio uma fase antes, quando eliminaram a Itália, uma das favoritas ao título, com um gol na prorrogação. O feito foi tão frustrante para a geração de Maldini, Buffon, Del Piero, Vieri, entre outros, que até o jogador que selou a desclassificação da Azzurra acabou sendo demitido do seu time: Ahn Jung-Hwan, atleta do Perugia, justamente da Itália.

Ahn começou sua carreira profissional em uma idade relativamente avançada, em 1998, aos 22 anos de idade, pelo no Busan Daewoo Royals (posteriormente chamado Busan IPark). Foi escolhido como um dos 11 melhores jogadores da liga coreana logo em seu ano de estreia, e em 1999, foi considerado o jogador mais valioso da K-League, quando levou sua equipe ao vice-campeonato da competição.

Com um começo tão promissor, os olhares de times de fora da Coréia do Sul começaram a se atentar no atacante, e o Perugia apareceu na jogada. Em 2000, o clube italiano tinha vendido o atacante japonês Hidetoshi Nakata para a Roma, e queria buscar novo sucesso com outros talentos asiáticos.

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Além disso, o dono do clube, Luciano Gaucci, adorava uma publicidade em torno da equipe. Por isso, contratou tanto Ahn Jung-Hwan quanto o chinês Ma Mingyu, que teve uma curta passagem pelo clube, sem nem mesmo entrar em campo. Curiosamente, Mingyu seria o capitão da seleção da China na Copa de 2002.

Nenhum dos dois foi contratado em definitivo, chegando ao Perugia por empréstimo – por conta disso, a facilidade para possíveis rescisões contratuais. Além disso, o empréstimo do sul-coreano foi um acordo intermediado por uma empresa automobilística do país que controlava o Busan Daewoo Royals e que mais tarde patrocinaria também o Perugia.

Marco Materazzi era o capitão do Perugia na época em que Ahn estava na equipe, e o sul-coreano dizia sofrer com certas atitudes do zagueiro italiano.

“Não entendi muito bem o que ele dizia, mas o tradutor, que também era coreano, ficou ruborizado e, inicialmente, ficou envergonhado de traduzir”, relatou o sul-coreano em uma entrevista em 2013.

O que Materazzi teria dito foi que Ahn cheirava a alho. Após isso, o próprio jogador parou de comer alimentos coreanos com muito tempero, segundo a esposa do sul-coreano.

Gol de ouro

Mesmo atuando muito pouco com a camisa do Perugia, Ahn Jung-Hwan foi convocado pela seleção da Coréia do Sul para a Copa do Mundo de 2002, da qual o país seria uma das sedes. Com um currículo de participações em cinco Mundiais (1954, 1986, 1990, 1994 e 1998), os Tigres Asiáticos nunca haviam passado da primeiro fase, e a expectativa era novamente essa – ainda mais por estarem em um grupo muito forte ao lado de Polônia, Estados Unidos e de Portugal, uma das favoritas e que voltava a uma Copa depois de quatro edições ausente.

No primeiro jogo, uma vitória por 2 a 0 sobre a Polônia – a primeira do país em Copas do Mundo – inflamou a torcida local para uma possível classificação. Na sequência, a Coréia do Sul empatou com os Estados Unidos por 1 a 1, quando saiu atrás do marcador, mas contou com um gol de Ahn para manter viva a chama da classificação.

O terceiro jogo seria contra a fortíssima seleção portuguesa, comandada por Luís Figo, ganhador da Bola de Ouro em 2000 e melhor jogador do mundo pela Fifa em 2001. Coube ao jovem Park Ji-Sung marcar o único gol do jogo e dar a histórica classificação à seleção local.

Com a liderança do Grupo D, a Coréia do Sul teria pela frente a segunda colocada do Grupo G, a Itália. Mesmo tendo feito uma primeira fase ruim, a Itália seguia como uma das favoritas ao título, com condições de passar pelos sul-coreanos.

Mas, empurrados pela sua fervorosa torcida vermelha, a Coréia do Sul jogou de igual para igual com os italianos, que neste dia não contavam com os zagueiros Fabio Canavarro (suspenso) e Alessandro Nesta (machucado). Logo aos 4 minutos de jogo, pênalti cometido por Christian Panucci – Ahn Jung-Hwan foi para a batida, mas o atacante foi presa fácil para Gianluigi Buffon, que defendeu a cobrança.

Com moral elevada após a defesa, a Itália igualou o jogo e abriu o placar com Christian Vieri, de cabeça, após cobrança de escanteio na primeira trave, aos 18 minutos. Mas assim como aconteceu contra Estados Unidos e Portugal, a seleção coreana mostrou uma grande resiliência e conseguiu o empate com Seol Ki-Hyeon, após mais uma falha de Panucci.

O jogo foi então para a prorrogação, com direito à possibilidade de morte-súbita – quando existia o chamado “gol de ouro”, dando a vitória imediatamente à primeira equipe que marcasse. Esta foi a última edição da Copa do Mundo com o gol de ouro.

O jogo seguia equilibrado, mas Francesco Totti acabou levando o segundo cartão amarelo após simulação de pênalti e deixou o campo mais cedo, acendendo mais ainda a torcida da casa. Veio então a chance para Ahn Jung-Hwan se redimir, subindo mais que o lendário zagueiro Paolo Maldini e escorando levemente de cabeça um cruzamento vindo da esquerda, desta vez sem chances para Buffon. Choro emocionado de Ahn, festa da torcida e classificação coreana.

Demissão e retorno ao futebol asiático

Na sequência do torneio, a Coreia faria história novamente nas quartas de final após eliminar de forma bem polêmica a Espanha, mas acabou sucumbindo nas semis para os alemães: 1 a 0, com um sofrido gol de Michael Ballack. O astro alemão não pôde jogar a final contra o Brasil por estar suspenso.

Contudo, antes mesmo de esses jogos acontecerem, Ahn já tinha consciência que não vestiria mais a camisa do Perugia. Após a eliminação da Itália, Luciano Gaucci disparou:

O que você espera que faça? Que mantenha um jogador que arruinou o futebol italiano? Ele tinha de ter mostrado o talento dele enquanto estava conosco. Ele terá de voltar a Coreia para ganhar 100 mil liras (à época, cerca de 50 dólares) por mês. Não vou estender o contrato dele, pois ele não merece. Quando ele chegou, ele parecia uma cabra, pequena e perdida, que não tinha dinheiro para comprar um sanduíche. Ele ficou rico fazendo nada de excepcional e então, no Mundial, ele ofendeu o futebol italiano. Sou um nacionalista e esse tipo de comportamento não só é uma afronta para o orgulho italiano como uma ofensa ao país que lhe abriu as portas há dois anos.

A discussão se estendeu ao já falecido e histórico secretário-geral da Confederação de Futebol da Ásia, o malaio Peter Velappan, que afirmou que o Perugia não iria contratar novamente nenhum jogador do continente.

Após as falas xenofóbicas do dirigente italiano, o próprio Ahn declarou que não gostaria mais de jogar pelo Perugia, e depois de muito imbróglio envolvendo o seu futuro acabou retornando à Ásia para atuar no Japão.

O resto da carreira de Ahn passou longe dos holofotes como nos tempos de Itália. No país do sol nascente, atuou bem por Shimizu S-Pulse e Yokohama F. Marinos, onde conquistou o título da J. League de 2004. A boa performance e os gols até renderam ao sul-coreano uma nova oportunidade na Europa, mas ele não brilhou com as camisas de Metz e Duisburg.

Ahn ainda jogou na Coreia do Sul e na China até se aposentar, em 2011. Além da participação na Copa do Mundo de 2002, o atacante também esteve presente na seleção nos dois Mundiais seguintes: em 2006, na Alemanha, quando a seleção não passou da primeira fase, e em 2010, na África do Sul, quando foram eliminados nas oitavas de final pelo Uruguai.

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