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·17 de abril de 2021

A história do Athletic x Barça na final da Copa do Rei de 1984: A pancadaria de Maradona e o último troféu dos Leones

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Athletic Bilbao e Barcelona são os dois maiores campeões da Copa do Rei, com 53 títulos somados – 30 dos catalães, 23 dos bascos. Neste sábado, no Estádio Olímpico de La Cartuja, os dois gigantes disputarão a nona final entre si. Há grandes histórias que serviram para consagrar craques dos dois lados, com verdadeiras lendas presentes nestas decisões – de Pichichi a Messi, passando por Zamora, Alcântara, Samitier, Kubala, Xavi e Iniesta, bem como por Bata, Zarra, Iriondo, Gaínza, Yeste e Aduriz. A constelação nestes confrontos, porém, não impede que a final mais lembrada tenha terminado com uma pancadaria no Estádio Santiago Bernabéu. A Copa do Rei de 1983/84 ficou na memória por bons e maus motivos, inescapável para se recontar o passado do duelo – no último grande título do Athletic e na despedida de Maradona do Barça.

A rivalidade entre Athletic Bilbao e Barcelona estava à flor da pele quando a decisão da Copa do Rei de 1984 aconteceu. Enquanto os bascos contavam com uma das equipes mais competitivas de sua história, os catalães experimentavam anos de seca em La Liga, embora ainda levassem a Copa do Rei e até mesmo a Recopa Europeia. Além do mais, o futebol espanhol atravessava anos em que o estilo de jogo pegado imperava no país, muito mais que a qualidade técnica. E isso se notaria da maneira mais explosiva possível durante os embates entre as duas potências.


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O momento ríspido, aliás, não se restringia ao futebol. A Espanha convivia com a disputa política, mesmo diante do fim da ditadura franquista. O início dos anos 1980 foram particularmente tensos, com atentados e sequestros – muitos deles realizados pelos radicais bascos do ETA, embora esquadrões da morte atuassem na mesma época. Já em campo, os dois clubes serviam para reacender sentimentos regionais antes suprimidos por Franco. No fim dos anos 1970, Athletic e Barcelona puderam retomar seus nomes e símbolos originais, depois da “espanholização” forçada pelo regime. As bandeiras da Catalunha e do País Basco também se faziam presentes nos estádios. E ainda que os dois povos tenham similaridades em seus anseios, acabam se distanciando em características. Enquanto Barcelona exalta seu vanguardismo e sua pujança econômica, Bilbao é bem mais apegada às suas tradições e suas raízes proletárias. Algo que se opunha, entre um Athletic composto por jogadores locais e canteranos, contra um Barça de estrelas internacionais e treinadores badalados.

O Athletic Bilbao chegou ao bicampeonato de La Liga sob as ordens de Javier Clemente em 1982/83 e 1983/84, depois quase três décadas de seca dos Leones na competição. Era uma equipe que não primava exatamente pela ofensividade, como outros times campeões em San Mamés, mas pelo futebol de muita luta e raça – descambando à violência. O Barcelona não era exatamente um exemplo de conduta e virtuosidade na mesma época, também com muitos jogadores duros. Ainda assim, prevaleciam ares cosmopolitas no Camp Nou, com craques estrangeiros e mais abertura em seu futebol. Mas, nos embates diretos, sempre o Athletic “impunha sua força” contra o Barça – da maneira mais dolorosa possível.

Em dezembro de 1981, o zagueiro Andoni Goikoetxea provocou uma séria lesão em Bernd Schuster e tirou o meio-campista da Copa do Mundo, com os ligamentos do joelho rompidos. Já em setembro de 1983, depois de um revide de Schuster, aconteceu a ação mais famosa do “Açougueiro de Bilbao”: uma entrada violentíssima quebrou o tornozelo de Diego Maradona e tirou o craque do Barça por quatro meses. Os blaugranas venceram o duelo no Camp Nou por 4 a 0, o que é pouco lembrado. O rancor era bem maior, a ponto do ônibus dos Leones sair apedrejado do estádio.

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Goiko pediu desculpas, mas disse que Diego “teve azar”, porque ele errou o tempo de bola com seu carrinho. Já o técnico Javier Clemente apontaria que “em uma semana Maradona estará em campo”, antes de voltar atrás em suas palavras diante do grave diagnóstico. O lance valeu apenas cartão amarelo, embora Goiko tenha pegado posteriormente um gancho de 18 partidas, reduzido a apenas seis. Em contrapartida, o defensor era tratado como herói em Bilbao e seria carregado nos braços pela torcida pouco depois, em classificação sobre o Lech Poznan na Copa dos Campeões da Europa. A chuteira usada por Goikoetxea naquela entrada permaneceria exposta na estante de sua casa, dando parcos sinais de remorso.

As equipes voltaram a se enfrentar semanas depois, pela Supercopa da Espanha, que terminou vencida pelo Barcelona. Os dois protagonistas do infame lance não disputaram aqueles jogos. Já em janeiro de 1984, Maradona estava de volta a San Mamés para, no sacrifício, determinar a vitória do Barça contra o Athletic no segundo turno de La Liga. Diego marcou os dois gols no triunfo por 2 a 1, em duelo que terminou com 50 faltas marcadas, mas sem novas contusões graves. Apesar do tropeço em casa, os Leones se recuperaram e terminaram à frente dos blaugranas no Espanhol de 1983/84. Levaram o bicampeonato com um ponto a mais que o Barça e. empatados com o Real Madrid, por terem maior ‘goal average’ (o principal critério de desempate na época, em que os gols marcados eram divididos pelos sofridos). Porém, apenas uma semana depois do desfecho emocionante do campeonato, bascos e catalães voltariam a se cruzar na decisão da Copa do Rei.

Até então, Athletic e Barcelona já tinham disputado quatro finais da Copa do Rei entre si, com três vitórias blaugranas no confronto direto. No entanto, haviam se passado 31 anos do embate mais recente, em 1953. E o contexto da rivalidade aflorava bem mais os ânimos para aquele 5 de maio de 1984, dentro do Estádio Santiago Bernabéu. A caminhada do Athletic rumo à decisão tinha sido mais imponente, eliminando a rival Real Sociedad nas oitavas e também o Real Madrid nas semifinais, ambos nos pênaltis. O Barça tinha um caminho mais tranquilo, despachando Osasuna e Las Palmas nas duas fases anteriores. Mas nada que se comparasse à apoteose marcada para a decisão.

O Athletic Bilbao mantinha as referências daquele período vitorioso. Andoni Goikoetxea aparecia no coração da defesa. Outro nome importante era Andoni Zubizarreta, já um dos melhores goleiros da Espanha, que poucos meses depois se mudaria à Catalunha. O atacante Dani, dono da braçadeira de capitão, era outro nome fundamental naqueles tempos em San Mamés – às portas do final de sua carreira. O ponta Estanislao Argote, o centroavante Manu Sarabia, o meia Ismael Urtubi, o lateral Santiago Urkiaga e o volante Patxi Salinas ajudavam a formar a espinha dorsal dos Leones, cheios de operários em campo. Todos sob as ordens de Javier Clemente, um ex-jogador do clube que encerrou a carreira cedo por uma lesão e virou um dos treinadores mais importantes da história do País Basco, com uma mentalidade pra lá de defensivista, mas ultra competitiva.

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O Barcelona, por sua vez, era conduzido por César Luis Menotti – um treinador incensado por suas filosofias ofensivas e por levar a Argentina à conquista da Copa de 1978, fortalecido em sua escolha pela relação com Maradona, após a saída do alemão Udo Lattek. As duas estrelas da companhia eram, claro, Schuster e o próprio Maradona – dois dos jogadores mais técnicos do mundo naquele momento. Ainda assim, naqueles tempos os blaugranas reuniam também outros atletas importantes à história do clube, que acabariam ajudando na reconquista de La Liga em 1984/85. A defesa era recheada por futebolistas com passagens pela seleção espanhola, incluindo o capitão Tente Sánchez, o lateral Julio Alberto, o goleiro Urruti e os zagueiros Migueli e Alexanko. Já o meio tinha a presença fundamental de Víctor Múñoz, além dos pontas Lobo Carrasco e Marcos Alonso (o pai do lateral Marcos Alonso). Periko Alonso, pai de Xabi Alonso e outro nome importante do período, seria ausência à finalíssima.

Antes da partida, como era de se imaginar, o clima já esquentou. Maradona era alvo dos membros do Athletic desde a coletiva de imprensa. Javier Clemente expressava seu incômodo com a decisão da federação em adiar o cumprimento de uma suspensão pelo argentino, que havia sido expulso semanas antes por La Liga e teoricamente não deveria estar disponível para a final. O treinador chamou o craque adversário de “estúpido” e “castrado”. Mais do que isso, ainda declarou que “era uma vergonha pagar tanto dinheiro a um jogador sem qualidades humanas”. Menotti respondia ao acusar que os adversários praticavam o “antifutebol”, “defensivo e destrutivo”, que lembrava o autoritarismo. Os dois técnicos eram também opostos nas personalidades, o que alimentava a rivalidade, trocando acusações a cada encontro. E isso deixaria os ânimos muito mais exaltados no gramado, além do próprio histórico recente de violência e lesões.

Quando a bola rolou, o Athletic Bilbao exerceu uma pressão enorme durante os primeiros minutos. Assim, construiu rapidamente a vitória por 1 a 0. O gol surgiu na sobra de uma cobrança de escanteio. Argote cruzou e o atacante Endika se tornou herói no Bernabéu. O camisa 9 de 22 anos tinha gosto por marcar contra o Barcelona e, naquele dia, assinalou o gol mais importante de sua carreira. Dominou a bola no peito, entre os zagueiros, antes de bater longe do alcance do goleiro Urruti. A glória estava nas mãos dos Leones e, a partir de então, Javier Clemente recuou mais sua equipe.

Cabe dizer que não foi uma boa final da Copa do Rei. O Barcelona produziu muito pouco, diante da cerrada marcação do Athletic. Os catalães tentavam trabalhar com passes curtos, mas não conseguiam romper a barreira montada na área basca. Raras eram as infiltrações e Zubizarreta se mantinha atento nas saídas de gol. Durante o segundo tempo, o Barça se limitou às bolas alçadas na área, sem criar chances reais de gol. Os Leones eram até mais perigosos, através de seus contra-ataques, mas também não puderam ampliar. E como era de se imaginar, o embate manteve um alto nível de tensão, com faltas e lances pegados.

Maradona se viu enclausurado, sob a forte marcação do zagueiro Iñigo Liceranzu. Pouco antes do fim, José María Núñez deu um carrinho forte para tirar a bola do camisa 10 dentro da área e Diego já se irritou, peitando o lateral. Já ao apito final, o argentino e Liceranzu se xingaram. Quando Núñez veio tirar satisfação com o astro, tomou uma cabeçada. E quem levou a pior foi Miguel Ángel Sola, reserva do Athletic, que provocou Maradona, mas tomou uma joelhada na boca e caiu nocauteado no gramado. A partir de então, uma pancadaria tomou conta do Bernabéu, com vários jogadores trocando socos e pontapés. Ajudado por Migueli, Diego não se conteve nem mesmo ao ser cercado por bascos e só caiu com uma patada de Goiko, mas logo se levantou. Sola saiu de maca, assim como o barcelonista Tente Sánchez, que havia tomado uma entrada dura do capitão Dani no fim da partida. Núñez, por sua vez, era amparado por um policial e por um voluntário da Cruz Vermelha.

Depois da decisão, Maradona afirmou ao jornal El Correo: “Todos vieram contra mim e aconteceu o que tinha que acontecer. Goikoetxea veio terminar o trabalho que havia começado meses atrás”. O argentino mostrava cortes na perna, acusando as travas das chuteiras dos jogadores do Athletic. Goiko, no entanto, disse que o camisa 10 estava fingindo e tinha feito aquilo com tesouras. Já o técnico Javier Clemente seguiu botando o dedo na ferida: “É uma pena que tenha gente que não saiba perder. Isso me dá uma lástima tremenda, porque é acabar com o futebol”. Menotti, por sua vez, culpava a postura dos campeões: “Não foi uma partida de futebol e nem nada que se pareça com isso. Uma equipe desejava jogar e a outra tornava impossível que isso ocorresse”.

E se o pau comeu solto em campo entre os jogadores, nas arquibancadas os policiais também precisaram intervir para conter os torcedores de ambos os clubes. Cerca de 60 pessoas precisaram ser atendidas no Bernabéu, por conta dos incidentes. Enrique González Ruano, chefe do departamento médico do Real Madrid, disse que “nunca havia visto nada igual em toda a minha vida desportiva”. Muitos tiveram que receber pontos, seja por garrafadas ou outros objetos arremessados, inclusive jornalistas que trabalhavam à beira do campo. Parte do alambrado acabou derrubada pela torcida basca, também em meio à euforia.

Contidos os brigões, o capitão Dani pôde subir à tribuna de honra do Bernabéu e receber das mãos do Rei Juan Carlos I o troféu da Copa do Rei, ovacionado pelos 50 mil alvirrubros entre os 100 mil presentes nas arquibancadas. A grande loucura, ainda assim, aconteceu na chegada dos campeões a Bilbao. A massa de torcedores não tomou apenas as ruas da cidade, como também saía em barcos e lotava até mesmo as águas do Rio Nervión. Os próprios campeões chegaram de barco ao Palácio Municipal, antes dos cumprimentos oficiais. Era uma apoteose que raras vezes se viu novamente no País Basco – até porque, depois disso, o Athletic não conquistou mais a Copa do Rei ou La Liga, apesar da dobradinha naquela temporada. O evento mais parecido veio com a Supercopa de 2015, faturada em cima do próprio Barça.

A pancadaria em Madri teria consequências severas aos dois clubes. O Real Madrid cobrava prejuízos avaliados em 7 milhões de pesetas. Enquanto isso, vários jogadores dos dois lados foram suspensos, com ganchos que chegavam a três meses. Maradona nunca mais vestiria a camisa do Barcelona, negociado com o Napoli logo depois, assim como Menotti também deixaria o clube. Zubizarreta trocaria de cores em 1986, contratado para ser um dos pilares no período vitorioso que os catalães viveriam sob as ordens de Johan Cruyff na virada da década. Javier Clemente também ficou em San Mamés até 1986, antes de assumir o Espanyol. Naquele ano, se aposentou o capitão Dani.

Desde então, Athletic Bilbao e Barcelona se enfrentaram outras três vezes na final da Copa do Rei, mas foram 25 anos para que o embate fosse reeditado na decisão. As diferenças entre os clubes se tornaram maiores e os catalães sempre levaram a melhor nos últimos confrontos, também disparando à frente dos bascos como maiores vencedores na competição. Neste sábado, depois de levarem a Supercopa no início de 2021, os Leones terão mais uma chance de dar a volta por cima. E aqueles dias em 1984 acabam se tornando obrigatórios sempre que se fala da história do duelo. É o ápice da animosidade, mas também o último troféu de primeira grandeza de um dos maiores clubes da Espanha.

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