A história de William Andem, o goleiro da seleção de Camarões que passou três anos no Cruzeiro e mais um no Bahia | OneFootball

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·02 de dezembro de 2022

A história de William Andem, o goleiro da seleção de Camarões que passou três anos no Cruzeiro e mais um no Bahia

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A cada vez que Brasil e Camarões se enfrentam por Copas do Mundo, um antigo leão indomável certamente fica dividido. William Andem não teve grandes sequências como titular na seleção camaronesa, mas foi um dos goleiros mais importantes da equipe nacional na década de 1990. São três Copas Africanas no currículo, bem como o banco na Copa do Mundo de 1998 – quando foi companheiro do atual técnico, o ex-zagueiro Rigobert Song. E o arqueiro viveu momentos muito especiais no futebol brasileiro, em quatro temporadas no país. Chegou ao Cruzeiro em 1994, como suplente de Dida, e ergueu taças em três anos com a camisa celeste. Era um goleiro que alternava momentos, mas teve seus brilhos na Toca da Raposa e acabou acolhido pela torcida. Já em 1997, Andem passou um ano com o Bahia, em período marcado pelo rebaixamento no Brasileirão, mas que também criou laços de carinho com os torcedores. Um personagem inescapável quando se fala da relação entre Brasil e Camarões no futebol.

William Andem é natural de Douala, cidade mais populosa de Camarões e principal centro econômico do país. E o goleiro garantiu uma camisa tradicional para atuar em seus primórdios: o Union Douala, clube com um punhado de títulos nacionais e que também fez bonito nas competições continentais – ao faturar a Copa dos Campeões da África em 1979, antes de erguer também a Recopa Africana de 1981. Andem participou da conquista do Campeonato Camaronês em 1989/90, no quarto título de sua equipe. Foi um momento importante para a sua carreira, em que começou a ganhar espaço na seleção.


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Ao longo da juventude, William Andem defendeu as seleções de base de Camarões em diferentes níveis. Já em março de 1990, aos 21 anos, seria reserva do histórico Thomas N’Kono na Copa Africana de Nações. Os Leões Indomáveis pararam na fase de grupos, mas já era uma excelente oportunidade ao garoto. Presente na preparação para a Copa do Mundo, não seria incluído no grupo que fez história na Itália em 1990, com a campanha até as quartas de final. Andem voltaria a ser chamado para a Copa Africana de 1992, agora no banco de Joseph-Antoine Bell e Jacques Songo’o. Transferiu-se ao Olympic Mvolyé naquele ano. Isso até que pintasse a oportunidade de desembarcar no Brasil em 1994.

O Cruzeiro acertou a contratação de William Andem em janeiro de 1994, em empréstimo de um ano. O negócio teve a participação do empresário José Veiga, que tinha feito a ponte do atacante Careca, formado pelos celestes, rumo ao futebol português. O agente ainda tentou levar o camisa 1 para o Benfica, mas os encarnados assinaram com Michel Preud’Homme. Assim, o Brasil virou uma opção. O camaronês aportava na Toca da Raposa com fama de jogador de seleção e o apelido de “Gato Preto”. Segundo as informações do Jornal dos Sports na época, o arqueiro receberia US$10 mil de luvas e um salário mensal de US$3 mil. A transferência em definitivo posterior custou US$200 mil. Existia inclusive uma expectativa de que ele acabasse cedido à seleção camaronesa para a Copa do Mundo. Àquela altura, os grupos já estavam sorteados e os Leões Indomáveis tinham maior visibilidade como oponentes do Brasil.

A adaptação de William Andem no Cruzeiro teve apoio de seus companheiros. O lateral Nonato, nome histórico dos celestes, recebeu o camaronês em seu apartamento e depois tornou-se seu vizinho. Luiz Fernando, Ademir e Roberto Gaúcho também foram outros bastante envolvidos na integração do goleiro, assim como um jovem Ronaldo Fenômeno que despontava na Toca da Raposa. O contato do africano com o projeto de craque não durou muito tempo, com a explosão do atacante rumo à Copa de 1994 e depois ao PSV. Ainda assim, deixou marcas duradouras.

“A adaptação foi muito fácil. Quando eu cheguei, não sabia falar português. Falava francês e inglês. Eu tive um tradutor, que se chamava Luís Otávio. Ele me ajudou e eu tive muito apoio dos meus colegas – o Nonato, o Luiz Fernando. Todos foram me ajudando a me adaptar”, contou William Andem, em 2015, ao Superesportes. “Eu fico feliz de ver que o Ronaldo fez o que fez no futebol. Ninguém imaginava que ele seria o melhor do mundo, mas ele era muito novo e já tinha uma habilidade fora do normal. Fico orgulhoso de dizer que fui amigo dele no Cruzeiro. Foi o melhor jogador com quem já joguei. Nunca mais nos falamos, mas sei que ele foi muito meu amigo e fico contente por isso”.

E se a cumplicidade entre goleiros costuma ser grande, pelo trabalho árduo realizado nos treinamentos, logo William Andem se aproximou de outra promessa que havia acabado de desembarcar em Belo Horizonte: ninguém menos que Dida, contratado como grande aposta do Vitória vice-campeão do Brasileirão e que estouraria como uma lenda celeste. O camaronês precisou se acostumar a esquentar o banco do companheiro, mas também podia absorver um pouco mais ao lado de um gigante da posição.

“Todos sabem que o Dida foi como um irmão para mim, mesmo a gente disputando posição. Sempre destaco para todos que nunca tive uma relação com goleiro tão boa como tive com o Dida, assim como foi com o Harlei no Cruzeiro. Estávamos sempre juntos, íamos ao shopping, nossas esposas eram amigas. A mãe do Dida me adotou como um filho. Ele foi um ídolo do Cruzeiro, todos sabem, mas eu também tive meu espaço e mostrei o que tinha para mostrar. Perdi o contato com o Dida, mas o considero um irmão até hoje”, relembrou, também ao Superesportes.

Apesar de problemas com a documentação que atravancaram seu início, o que também auxiliou William Andem na adaptação foi a maneira como entendeu o Cruzeiro logo de cara. O goleiro soube de início a história de Raul Plassmann, lenda do clube e famoso por ser pioneiro em usar camisas coloridas entre os goleiros. O camaronês gostou tanto da história que, mesmo sem conhecer Raul, resolveu adotar também o tom amarelo que consagrou o veterano. Assim ficou mais fácil de ganhar a torcida. Além disso, o arqueiro também fincou raízes através de sua família. Tinha uma filha pequena na época em que chegou e ganhou sua segunda menina enquanto morava em Belo Horizonte.

A estreia de William Andem aconteceu em fevereiro de 1994, durante uma excursão do Cruzeiro ao Japão. Os celestes enfrentaram o Júlio Iwata e derrotaram os anfitriões por 3 a 1. Três gols de Ronaldo. Entretanto, suas aparições ao longo daquele ano seriam apenas esporádicas. Foram apenas nove partidas em 1994, incluindo o compromisso final do Campeonato Mineiro, num jogo de festa contra a Patrocinense após o título ter sido garantido por antecipação. Também esteve presente numa rodada do Brasileirão, contra o Guarani. Todavia, a vinda ao Brasil acabou afastando Andem dos Leões Indomáveis. Ele não seria convocado para a Copa do Mundo, em elenco camaronês que priorizou três veteranos – N’Kono, Bell e Songo’o. Entretanto, viraria figurinha no álbum da Copa da Panini.

O ano de 1995 seria mais frutífero para William Andem. E não apenas pelas conquistas que se acumulavam, com os títulos da Copa Ouro e da Copa Master, ambos torneios da Conmebol. O goleiro também se tornou mais frequente em campo, com 21 partidas disputadas na temporada. Chegou a se destacar inclusive em alguns clássicos, mas não necessariamente por questões positivas. Em abril de 1995, a Raposa enfrentava o Atlético Mineiro e, durante o primeiro tempo, Andem deu uma entrada dura em Euller. Gutemberg foi tirar satisfação e tomou um soco do camaronês. Ambos foram expulsos, mas os cruzeirenses ainda bateram os rivais por 2 a 1. Já num torneio amistoso, o camisa 1 pegou até pênalti para definir o título cruzeirense diante do América. Titular na Copa Ouro, participou de quatro partidas na Copa do Brasil e outras cinco no Brasileirão.

Já em 1996, William Andem viveu seus principais momentos com o Cruzeiro. Nem jogou tanto, com 12 aparições, mas precisou mostrar serviço em períodos nos quais Dida estava com a seleção olímpica. Também voltou a disputar uma grande competição por Camarões, convocado para a Copa Africana de Nações realizada na África do Sul. Enfrentou os Bafana Bafana na abertura do torneio, mas a derrota por 3 a 0 custou sua posição, mesmo sem ter culpa nos gols. Ao menos no Brasil, as conquistas se tornariam até maiores para o camisa 1. A Raposa voltou a faturar a Copa do Brasil, num título de peso também por garantir a passagem ao bicampeonato da Libertadores no ano seguinte. Andem encarou o Corinthians nas quartas de final, em goleada por 4 a 0 dos cruzeirenses que encaminhou a eliminação dos então campeões, antes do reencontro no Pacaembu.

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Já durante a reta final do Campeonato Mineiro, William Andem precisou assumir a posição de titular. Dida havia se juntado às preparações das Olimpíadas de Atlanta. E o camaronês sentiu o gosto de sua grande glória com a camisa celeste, importante na conquista do estadual. Teve uma sequência de cinco partidas como titular, em que acabou vazado apenas uma vez – com cinco vitórias dos cruzeirenses. O clássico diante do Atlético Mineiro seria cabal, com o camaronês fechando o gol na vitória por 2 a 0. Gélson Baresi e Cleison marcaram os gols, mas o camisa 1 se agigantou, especialmente numa escapada de Euller no mano a mano. Também manteve a sua meta invicta diante do América, em triunfo por 1 a 0 que consumou o título.

Na sequência do ano, William Andem participou de uma excursão com o Cruzeiro pelo Japão. E, num empate por 3 a 3 contra o Nagoya Grampus, reafirmou sua fama de pegador de pênaltis ao defender a cobrança de um craque famoso: Dragan Stojkovic, atual treinador da Sérvia na Copa do Mundo. Pelo Brasileirão, o camaronês ainda somou três aparições com a camisa celeste – diante de Athletico Paranaense, Juventude e São Paulo. Entretanto, aquela seria sua temporada de despedida na Toca da Raposa. Seria envolvido numa troca com o goleiro Jean e teria uma sequência maior como titular no Bahia.

Aos 28 anos, William Andem se tornou um personagem querido no Bahia. A torcida o apelidou de Jacaré, pela semelhança física com o dançarino do É o Tchan, que vivia seu auge. Além disso, o camaronês se sentia em casa em Salvador. “O clima é bem parecido com o do meu país. As comidas, a música e as pessoas também. A Bahia tem a cara de Camarões”, definia à Folha de S. Paulo, dizendo que a moqueca de peixe e a mariscada eram seus pratos favoritos, embora preferisse o acarajé que sua mãe fazia em Douala. Já em campo, entre aqueles que elogiavam o camaronês estava o ídolo Bobô: “É um goleiro excepcional. É forte, seguro e passa seriedade ao seu sistema defensivo”.

O Bahia deixou escapar o título do Campeonato Baiano em 1997 para o rival Vitória, mas William Andem manteve uma média inferior a um gol sofrido por jogo em boa parte da campanha. Também esteve presente no vice do Nordestão, igualmente perdido na final contra os rubro-negros. E o Campeonato Brasileiro terminou de maneira indigesta para o Tricolor. O Bahia seria um dos rebaixados, com 26 pontos em 25 rodadas, abaixo do Bragantino apenas no saldo de gols. Andem atuou nas 25 partidas, mas não esteve bem, com os baianos registrando a pior defesa da competição. Teria uma amarga derrota inclusive na volta ao Mineirão, com os 3 a 1 do Cruzeiro que, semanas antes, havia conquistado a Libertadores. Ao menos, pôde parabenizar os velhos amigos – em especial Dida, monstruoso naquela campanha continental.

William Andem se despediu do futebol brasileiro em 1998. Em busca de sua primeira Copa do Mundo, o goleiro se transferiu ao futebol português e assinou com o Boavista. Ainda chegaria com status de reserva aos axadrezados, mas realizou seu sonho no Mundial da França como suplente de Jacques Songo'o. E o arqueiro também deixaria suas marcas em Portugal. Foram 178 partidas com o Boavista, de 1998 a 2007. O camaronês ganhou a posição de titular em 1998/99, tornando-se uma das principais figuras na campanha do vice no Campeonato Português. Também estaria presente na histórica temporada de 2000/01, quando o Boavista rompeu uma hegemonia de 55 anos do trio de ferro e se intrometeu para levar o inédito título da liga nacional. Andem jogou sete partidas da caminhada, incluindo a vitória por 1 a 0 sobre o Benfica no primeiro turno. Porém, outra vez precisou competir com um arqueiro histórico: o jovem Ricardo, que pouco depois se consagraria na meta da seleção nacional.

Alternando entre o posto de reserva e o de titular mesmo depois da saída de Ricardo, William Andem ainda teve a oportunidade de figurar em algumas partidas de Champions League e de Copa da Uefa. A despedida do Boavista aconteceu em 2006/07, uma temporada antes do escândalo do Apito Dourado rebaixar indevidamente os axadrezados. Ainda teve uma passagem curta pelo Feirense, em 2007/08, na segunda divisão. Pendurou as luvas já próximo de completar 40 anos. De volta a Camarões, William Andem abriu uma churrascaria e se tornou dirigente do Union Douala. Não escondia o carinho com o Brasil que o acolheu também. Certamente será um espectador especial para mais um jogo de Copa do Mundo entre os dois países.

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