A histeria nas convocações da Seleção é um produto lucrativo no mercado de indignação das redes sociais | OneFootball

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Trivela

·14 de janeiro de 2022

A histeria nas convocações da Seleção é um produto lucrativo no mercado de indignação das redes sociais

Imagem do artigo:A histeria nas convocações da Seleção é um produto lucrativo no mercado de indignação das redes sociais

O técnico Tite divulgou a lista de convocados para os jogos de 27 de janeiro e 1º de fevereiro pelas Eliminatórias da Copa. Como toda convocação, vemos reação exageradas, quase teatrais, com gente se mostrando indignados com a lista divulgada pelo técnico. Há, de fato, nomes questionáveis, mas longe de justificar uma gritaria que se repete a cada convocação. Desta vez, dois nomes causaram uma onda de revolta: Daniel Alves e Philippe Coutinho.

Entre os convocados, há muitos mais jogadores que são consenso do que questionáveis. Os goleiros, por exemplo, parecem ter se consolidado como os principais nomes brasileiros da posição, sendo que a disputa entre eles pela vaga de titular está aberta e tanto Alisson quanto Ederson e Weverton parecem em condições de assumir a meta do time.


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Os zagueiros também estão entre os nomes de maior consenso. É uma posição que o Brasil parece bem servido e, não fosse pela lesão de Lucas Veríssimo, as quatro vagas para a Copa estariam muito perto de serem fechadas, já que Marquinhos, Thiago Silva e Éder Militão parecem nomes certos – e com toda justiça.

Os questionamentos de fato estão em principalmente dois jogadores: o lateral Daniel Alves, que voltou a ser chamado agora que está novamente jogando por um clube, o Barcelona, e o meia Philippe Coutinho, que trocou recentemente o Barcelona pelo Aston Villa. Os motivos para questionamentos dos dois são bem diferentes, então é bom separá-los.

Daniel Alves: antipatia e falta de concorrência na posição

No caso de Daniel, há um fator perfeitamente compreensível: a antipatia que o jogador desperta. Há vários fatores para isso, e uma delas foi a postura do jogador no caso dos agasalhos na Olimpíada. Há outros, como a própria postura do jogador no caso com o São Paulo – o clube foi quem errou em não pagá-lo, mas a forma como ele decidiu resolver a questão fez com que ele arranhasse sua imagem.

Para além da antipatia, há questionamentos em relação à parte técnica. Aqui é onde a porca torce o rabo, porque aos 38 anos, Daniel Alves continua sendo o melhor brasileiro na posição. Jogadores como Danilo, que não foi convocado por estar machucado, joga bastante com Tite, mas nunca conseguiu convencer de fato a ponto de ser dono da posição, além de ter decepcionado na Copa 2018, quando perdeu a posição para Fagner. Emerson Royal, que foi chamado desta vez, é um bom nome, com 22 anos, mas também ainda não conseguiu mostrar a que veio no Tottenham. Precisa de mais minutos na seleção brasileira para ser melhor observado.

Basicamente, os nomes param por aí. Há poucos laterais direitos brasileiros que sejam selecionáveis. No Brasil, jogadores como Fagner e Marcos Rocha são veteranos que seriam ainda mais questionáveis se fossem chamados. Guga, do Atlético Mineiro, surgiu como uma promessa, mas ainda não conseguiu se firmar – por vezes foi reserva de Mariano no Galo. Tite chegou a chamar Gabriel Menino, do Palmeiras, que jogou algumas vezes ali, mas também não se firmou – é mais reserva como meio-campista do que como lateral, tanto que na final da Libertadores, sem Marcos Rocha, o técnico Abel Ferreira escalou Mayke.

A convocação de Daniel Alves faz todo sentido por isso. Em 2019 ele foi eleito o melhor jogador da Copa América vencida pelo Brasil, algo que não é desprezível. Com pouco tempo até a Copa do Mundo – em jogos, são apenas nove até o Catar -, faz sentido que o técnico busque quem pode entregar algo sem muitos problemas, diferente do que foi em 2018, quando a posição foi um problema. Na falta de outro nome que ainda não surgiu, Tite quer ver se poderá contar com Daniel, se ele ainda consegue render.

Philippe Coutinho: falta de jogos e aposta do técnico

Philippe Coutinho é um nome que surgiu já na última convocação, quando o meia já atuava pouco pelo Barcelona. É verdade que não é preciso que o jogador seja titular do seu clube para ser chamado, mas quando um jogador atua tão pouco como Coutinho, levanta-se questionamentos, válidos, aliás, sobre a sua presença na seleção brasileira.

O meia é um jogador que se adequou perfeitamente ao time de Tite no ciclo para a Copa 2018. Era ele, por vezes, que fechava mais como meio-campista para tornar o time mais ofensivo em alguns momentos, com a entrada de outro atacante. Se adaptou também a jogar pelo lado direito, permitindo que Neymar ficasse mais confortável no lado esquerdo, o seu preferido. Foi um dos melhores do Brasil na Copa do Mundo, apesar dos altos e baixos.

Só que a sua trajetória na Europa foi errante e tornou-se um reserva indesejado no Barcelona. Nomes como Claudinho, por exemplo, vivem uma fase muito melhor, O ex-jogador do Red Bull Bragantino está brilhando no Zenit, da Rússia, em um futebol que exige muito do físico e que ele se adaptou muito bem, mesmo sendo um jogador conhecido pela habilidade, não pelas valências físicas de força.

Coutinho é uma aposta pessoal de Tite. Ele conhece bem o jogador, sabe do seu potencial e acredita que pode tirar o melhor dele. A convocação dele se justifica por isso, nada mais. Ainda assim, é um jogador que não é titular, ao menos por enquanto, e deve ganhar minutos justamente para mostrar se está em condições de fazer parte do grupo para ir à Copa do Mundo.

Considerando a capacidade do jogador e o que ele já entregou para a seleção brasileira, está longe de ser um absurdo convocá-lo. Há gritos indignados que soam como se ele fosse um Leomar, volante que foi convocado pelo técnico Émerson Leão em 2001 e que acabou levando um rótulo até pesado de um jogador que vestiu a camisa da seleção apenas por preferência do treinador. Coutinho não vive boa fase, mal tem jogado, mas poucos duvidam que, jogando bem, tem condições de disputar uma vaga no grupo. Não é uma aposta descabida.

Preferências do técnico, mas não injustiça

Outro nome questionado foi Éverton Ribeiro. O jogador do Flamengo terminou a temporada longe da melhor fase no seu clube, mas tinha ido bem na seleção brasileira em novembro, além da Copa América. Se tornou um jogador constante na seleção de Tite desde a época que era incensado como um dos melhores jogadores em atuação no Brasil e conquistou o seu espaço pelo desempenho em campo. Mais como reserva do que como titular, mas ainda assim tendo um papel relevante.

Ainda assim, Tite perde a chance de testar um nome como Raphael Veiga. De fato, o jogador do Palmeiras poderia ser testado pelo ótimo ano que fez. É difícil saber se ele estará ao nível que se espera, mas é um jogador que pode ser interessante pelas características que possui. É, ainda assim, mais uma opção pessoal do que uma injustiça. Afinal de contas, o jogador não tem que ser convocado apenas por estar em boa fase: é preciso que o técnico ache que ele vai acrescentar algo ao time. Veiga tem algo a acrescentar, mas Tite pode achar que Éverton merece o voto de confiança.

Ele ainda terá tempo de mudar isso, embora perca a chance de fazer isso agora. É importante considerar a fase do jogador, mas não é o único critério, nem pode ser. Seleção não é time da semana do Fifa, afinal de contas. Construir um time é um processo, não é uma coleção de nomes eleitos o jogador do mês.

Há quem questione também Gabriel Jesus ainda estar na lista. O atacante é um dos que mais jogou com o técnico Tite, até porque foi o camisa 9 que entregou no ciclo rumo à Copa 2018. Seu rendimento foi questionado não só no próprio Mundial, mas depois dele. Acabou perdendo espaço, virou reserva, mas quase sempre esteve no grupo.

Hoje é um jogador por vezes atuando pelo lado do campo, uma posição que é usado também no Manchester City em alguns casos. É um jogador que sempre entrega muita dedicação, e por vezes resolveu problemas de Tite – como em 2019, quando se tornou titular na ponta direita e combinou bem com Roberto Firmino. Ainda que a presença dele na lista possa causar bico em alguns, tá longe de ser um absurdo. Ele segue jogando com constância no Manchester City, exercendo funções diferentes. É um jogador útil para ter no elenco.

Há pouco além disso para ser questionado. O que vem a partir daí é mais gosto pessoal do que qualquer coisa. Não há jogadores injustiçados que o técnico tenha deixado de fora. Na última lista tinha: Vinícius Júnior não tinha sido originalmente chamado, e o técnico teve a sorte de poder corrigir quando Roberto Firmino se machucou. Desta vez, Firmino nem aparece na lista, porque Matheus Cunha, candidato a ocupar o posto de centroavante no elenco, aproveitou a chance e deve ganhar mais minutos.

Boa parte da lista de Tite é de jogadores que precisam de mais minutos, até porque todos ali já foram chamados por ele em algum momento. Nenhum deles é um absurdo ser chamado. Há nomes de fora que poderiam pintar, como Caio Henrique, do Monaco, na lateral esquerda e Claudinho, do Zenit, como meia ofensivo. Ainda assim, longe de serem injustiçados. São opções do técnico de jogadores mais ou menos no mesmo nível.

Redes sociais e o mercado da indignação

As reações indignadas a convocações da seleção brasileira são muito comuns, porque é um sentimento muito fácil de ser vendido, que gera engajamento, cliques, memes inclusive. É uma constância nesta época de sentimentos insuflados por redes sociais. Há influenciadores que vivem de bradar que tudo é um absurdo, mesmo naqueles momentos que as coisas vão bem.

É uma consequência natural dos algoritmos das redes sociais, que sabem que nós reagimos mais ao que causa indignação do que em publicações que causem sentimentos positivos. E veja: ninguém está dizendo que é preciso ser positivo, nem que é preciso ser otimista, esse tipo de bobagem que é papo de coach picareta. Não se trata disso. Se trata de conteúdo com indignação ser mais entregue pelas plataformas, geram mais engajamento e viram um ciclo vicioso. É preciso criar indignação – ou aumentá-la – mesmo quando não há tantos motivos assim para isso. Quem produz conteúdo sabe disso.

Tite tem vários pontos que devem ser questionados, como o estilo de jogo e os problemas que a seleção brasileira tem contra equipes que jogam muito fechadas. É também questionável como o time joga mal tantas vezes, mesmo com resultados muito positivos. Os nomes convocados por ele devem mesmo passar por escrutínio público, porque isso é parte do trabalho e é algo que cria identidade. Mas é preciso tomar cuidado com os exageros e as alegações perigosas.

Nos tempos de Mano Menezes, por exemplo, era comum ouvirmos falarem, até mesmo na imprensa em alguns irresponsáveis, de “Cota Shakhtar”, porque o técnico convocava jogadores como Fernandinho, Jadson ou Willian. Muitos jogadores selecionáveis vão para o Shakhtar, como alguns vem para o Brasil. Jogar lá ou cá não deve ser impeditivo para um jogador ser convocado. Havia, porém, uma implicação que o técnico tinha esquema, uma acusação muito constante para técnicos da seleção brasileira, aliás. E sempre é um grito ao vento, com nenhuma prova, nenhuma evidência e muita gritaria.

Tite é um cara conservador na forma de ver o jogo e por vezes aposta muito em jogadores que são da sua confiança, mais do que pelo que eles estão entregando em campo. Foi assim com Paulinho, por exemplo, uma aposta pessoal do treinador que, nas Eliminatórias, acabou se justificando, mas que foi mal na Copa – e não foi sacado, como deveria ter sido. Coutinho parece um caso diferente desse, assim como Daniel Alves.

Antes de terminar, vou deixar claro aqui: nada disso tem a ver com patriotismo ou essa conversa mole que por vezes vemos por aí, inclusive no exterior, com jogadores ou o técnico das seleções nacionais cobrando que a imprensa “tem que estar junto”. O papel da imprensa não é estar junto, não é torcer, não é “ajudar” a seleção. Já vimos isso, por exemplo, na Espanha e, em menor grau, por aqui também. Isso deve ser rejeitado.

A imprensa está lá para cobrir, levar informações, produzir conteúdo de qualidade e fazer, enfim, jornalismo, acima de qualquer torcida. Para produzir conteúdo para ajudar o time já tem os departamentos de comunicação das seleções. Não se trata aqui de dizer que imprensa não deve criticar. É só para separarmos o joio do trigo: as críticas, que, em geral, são justas, dos exageros, dos gritos indignados com minúcias, com os brados sugerindo esquema e tudo isso. Na era das redes sociais, onde o ódio é um grande produto, é sempre bom tomar cuidado, porque esse tipo de comportamento é muito lucrativo e talvez seja só uma forma de te fazer engajar.

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