Calciopédia
·22 de setembro de 2021
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É impossível falar da história do Chievo sem considerar a sua íntima relação com a família Campedelli, que fez riqueza com sua fábrica de quitutes. Ou, mais precisamente, com Luca Campedelli, que ocupou o posto de presidente de 1992 até 2021, período em que elevou o clube de patamar e o fez escrever uma história muito particular no esporte italiano. O pequeno time de Verona foi o único oriundo das categorias regionais, onde se disputam os campeonatos amadores, a escalar inteiramente a pirâmide do sistema futebolístico nacional: ou seja, saiu das divisões inferiores, chegou aos torneios profissionais, ascendeu à Serie A e conseguiu até mesmo disputar uma Copa Uefa e as fases preliminares de Liga dos Campeões.
Em 2021, entretanto, os clivensi tiveram destaque nos noticiários por motivos que de teor nada positivo. Em julho, o Chievo foi banido da Serie B pela federação por um grande acúmulo de débitos tributários que não foram sanados, em um contexto de crise financeira agravada pela pandemia de covid-19, e acabou sendo excluído das competições profissionais. Nenhum investidor reassumiu a gestão a tempo de o time ser inscrito em qualquer divisão em 2021-22 e o resultado foi o fechamento das portas do clube. Ou não, visto que Campedelli mantém o setor juvenil dos gialloblù em funcionamento, mesmo sem a expectativa de inscrevê-lo em outra categoria.
Ao mesmo tempo, um dos maiores protagonistas da agremiação de Verona busca um outro caminho. Sergio Pellissier, jogador que mais vezes vestiu a camisa gialloblù e que se consolidou como maior ídolo da história da torcida, obteve permissão para filiar um novo clube na Federação Italiana de Futebol (FIGC). O FC Chievo 1929 pretende recomeçar na nona divisão e pleiteará o legado esportivo do time vêneto, retomando a sua história. O imbróglio, recém-iniciado, pode acabar numa batalha judicial entre o ídolo e o presidente Campedelli ou até numa reunião da dupla, já que não há vilões neste roteiro.
Em 1992, Campedelli se tornou o mais jovem presidente de um time profissional da Itália (Ansa)
Para dimensionar o tamanho do feito da administração de Campedelli, que foi muito além do débito não sanado, é necessário mencionar que o Chievo nasceu como um clube de pequeno porte, oriundo do distrito de mesmo nome em Verona. O bairro fica na margem direita do rio Adige e tem como maiores pontos de referência a barragem e a sua ponte – que fizeram o time ser apelidado de Squadra della Diga ou, em português, “equipe da represa”.
A comunidade tem cerca de 5 mil habitantes, mas já teve muito menos. Em 2001, quando os gialloblù subiram para a Serie A pela primeira vez, o território contava com aproximadamente 2,5 mil moradores e, mesmo assim, os clivensi conseguiram um feito impressionante: a venda de 4,6 mil carnês de ingressos para a torcida, uma quantidade quase duas vezes maior do que o total da população da localidade.
Estamos falando, na prática, de um time de várzea, que foi fundado em 1929 por um grupo de trabalhadores apaixonados por futebol e tinha como espécie de sede improvisada o Bar Pantalona, onde jogadores e a pequena torcida costumavam se encontrar após as partidas. O clube passou por problemas financeiros em vários momentos de sua história e atuou muitas vezes em quadras de terra batida e com muitos buracos nos arredores do bairro de Bionde. A partir de 1957, passou a mandar os seus compromissos no Carlantonio Bottagisio, um campo paroquial de subúrbio erguido no próprio distrito de Chievo. Em 1966, a praça esportiva sofreu uma inundação e foi reconstruída com a ajuda dos próprios moradores.
É esse o contexto histórico do Céo – apelido do clube em vêneto. O Chievo avançou de forma singular do futebol amador para o profissional, das ligas regionais para as nacionais e pode medir forças com os gigantes da Serie A após 2001, depois de ter passado pelos mais complicados desafios.
Um deles foi a fundação em pleno regime fascista, quando estava instituída a Opera Nazionale Dopolavoro (OND), uma iniciativa cujo nome pode ser traduzido como “Organização Nacional de Recreação Pós-Trabalho”. Moldado à semelhança dos clubes de associações de classe ou de funcionários de empresas, o órgão do governo de Benito Mussolini tinha a função de promover o desenvolvimento físico e moral dos italianos através de práticas recreativas e esportivas após os expedientes, com um conteúdo explicitamente político de controle do tempo livre dos trabalhadores, no intuito de dificultar organizações grevistas e demais atividades de oposição ao regime. Mesmo uma agremiação bairrista, como o Chievo, teve de se submeter aos tentáculos fascistas e lhe foi imposta a denominação OND Chievo, acatada obrigatoriamente pelos fundadores Severino Dal Pozzo e Antonio Recchia.
Pouco tempo depois, em 1936, o clube faliu e precisou encerrar suas atividades, sendo refundado somente após a II Guerra Mundial, em 1948, como Associazione Calcio Chievo, sem nem mesmo ter onde jogar. Às pressas, o presidente Alessandro Recchia adquiriu, com apoio de simpatizantes, um terreno próximo à linha férrea de Brennero (o mais barato, segundo o próprio gestor) e colocou o time para atuar ali, usando como vestiário uma taverna próxima ao campo. Até os anos 1970, a agremiação disputou apenas campeonatos regionais e teve a participação nas ligas nacionais (séries A, B, C e D) como um sonho muito distante.
Festa em 2001: nos vestiários, Campedelli e Delneri celebram o inédito acesso do Céo à Serie A (Allsport)
Em um famoso dito popular italiano adotado pela torcida do maior time do Vêneto, o Hellas Verona, seria mais fácil um burro voar do que aquela agremiação de bairro chegar às ligas profissionais. Para provar que asnos podem criar asas, o Céo passou a atrair novos patrocinadores – que chegaram até a colocar o seu próprio nome no clube, tal qual ocorreu em 1959, quando a equipe se tornou Cardi Chievo. Mas o mais notório mecenas assumiu a presidência em 1964: Luigi Campedelli, o responsável por iniciar o processo de transformação dos jumentos em animais alados.
Luigi era dono da veronesa Paluani, fábrica que atua no ramo de confeitaria e de sobremesas doces, especialmente as festivas – panetone, pandoro, colomba e ovos de Páscoa. Na década de 1960, o conglomerado se firmou como um dos maiores da Itália no setor de guloseimas e a chegada de seu presidente ao máximo posto da diretoria gialloblù trouxe os esperados impactos positivos ao Chievo: em 1965, 1968 e 1969, o time foi o primeiro colocado na Seconda Categoria do Vêneto, correspondente à oitava divisão, em 1970 garantiu o acesso ao sexto nível e, em 1975, se garantiu na Serie D, a porta de entrada para as ligas profissionais.
A ascensão meteórica, claro, teve fortes investimentos de Campedelli. A rigor, o empresário foi o presidente dos clivensi apenas em 1964-65, mas manteve a propriedade do clube e bancou o seu patrocínio, enquanto a gestão era tocada por gente de sua confiança. Em 1981, mudou o nome da agremiação para Paluani Chievo, tamanha a fatia de responsabilidade da fabricante de bolos no sucesso da equipe. A nova alcunha deu sorte e, já em 1986, os gialloblù subiram para a Serie C2: os veroneses perderam a partida de promoção para o Bassano, mas o time de Vicenza foi punido por ilícito esportivo e perdeu a vaga, permitindo que, pela primeira vez em sua longa história, o Céo disputasse uma liga profissional no futebol italiano.
Com o acesso, o clube voltou a se chamar Associazione Calcio Chievo e passou a mandar seus jogos em um estádio bem maior: o Marcantonio Bentegodi, com capacidade para mais de 37 mil torcedores, que foi palco da conquista do scudetto pelo Hellas, em 1985. Em 1989, o Céo subiu para a Serie C1 e, no ano seguinte, Luigi Campedelli reassumiu a presidência, rebatizando a agremiação como ChievoVerona, em uma tentativa clara de forjar uma maior identificação com a cidade, abandonando o status do antigo time de bairro.
Além disso, o próprio escudo foi modificado para um emblema quadrado, contendo a inicial da cidade e, ao lado dela, o desenho de Cangrande della Scala, cavaleiro medieval italiano e senhor de Verona no século XIV, que se tornou um ícone da tradição local. As mudanças acenderam algumas faíscas de rivalidade entre as torcidas de Chievo e Hellas, que usavam as mesmas cores, símbolos e parte do nome.
No final de 1992, o Chievo foi chacoalhado por um baque. Luigi sofreu um infarto e veio a óbito, enlutando o clube inteiro e, obviamente, influenciando no desempenho do time naquela temporada. Luca Campedelli, seu filho, assumiu a presidência a partir dali, dando início à trajetória vencedora que o pai começou a pavimentar.
“Harry Potter do Chievo”, Campedelli já estava consolidado na presidência durante o ano mágico dos gialloblù na elite (Allsport)
Luca, então com apenas 23 anos, tornou-se o presidente mais jovem da história do futebol profissional italiano até então e conduziu uma gestão seguindo os passos de seu pai, com filosofia bastante parecida. Ou seja, com as contas em dia, investimentos pontuais e sem gastos excessivos, além da aposta em valores internos, como o diretor esportivo Giovanni Sartori, que havia jogado no clube entre 1984 e 1989 e conhecia bem o ambiente.
Outro homem de confiança do início de gestão do Campedelli filho foi o técnico veronês Alberto Malesani, que treinara as categorias de base gialloblù entre 1987 e 1991 e fora assistente do time principal de 1991 a 1993. A base do elenco em 1993-94 era a de temporadas anteriores e tinha como destaque principal o eficiente centroavante Riccardo Gori, que ao longo do certame anotou 12 gols. Montado em um combativo 4-4-2 por Malesani, o Chievo venceu adversários bastante tradicionais, como Empoli, Bologna, Spal e Como. Ao final do campeonato, o improvável havia acontecido e os clivensi conquistavam o acesso para a Serie B.
O bairro entrou em polvorosa. No dia da última rodada, na vitória contra a Carrarese, Dom Luigi, o pároco local, pregava na igreja enquanto tinha o rádio colado no ouvido: ao saber da conquista do Chievo, correu para fora do templo e saiu comemorando nas ruas com as cores gialloblù. À meia-noite, o ônibus da equipe chegou ao Bar Pantalona, onde boa parte dos torcedores o aguardava com bandeiras e faixas. Um time de bairro, de ínfima receita, com jogadores modestos e que levava em média 300 apoiadores ao estádio alcançava a Serie B pela primeira vez em sua história. Luca não ficava por baixo em termos de felicidade, chegando a declarar que o acesso era um sonho. “O sonho do meu pai!”, exclamava.
Seria, de fato, uma belíssima história. Davi, encarnado no Chievo, conseguiu, mesmo com tantas dificuldades, enfrentar um Golias transmutado na trajetória de saída do amadorismo local para o segundo nível mais alto do futebol nacional. O desfecho foi ainda mais impactante, pois os gialloblù passaram a ter o seu lugar na Serie A.
Antes de chegar à elite, o Chievo realizou o seu primeiro Derby della Scala na Serie B de 1994-95. Na ocasião, empatou com o Hellas Verona no turno, em 1 a 1, e venceu no returno por 3 a 1, o que só contribuiu para alimentar uma ainda nascente rivalidade. Se duas décadas antes os torcedores butei duvidavam da ascensão do pequeno rival, agora os enfrentavam e perdiam. Até 1999, o Céo triunfou mais duas vezes sobre os mastini.
O Chievo se acostumaria a jogar a Serie B e, na temporada 2000-01, com as contas equilibradas, Luca Campedelli fez várias movimentações no mercado. Junto ao experiente técnico Luigi Delneri, chegaram alguns bons reforços, como o meia central Simone Barone (que seria campeão mundial com a Itália em 2006), o meia destro Luciano e um excelente pacote com um trio de frente formado pelo atacante Ciro De Cesare, o ponta-esquerda Christian Manfredini e o centroavante Bernardo Corradi. Além deles, o jovem Sergio Pellissier, então com 21 anos, foi trazido pelo diretor esportivo Giovanni Sartori, mas acabou emprestado à Spal.
Delneri conseguiu extrair o máximo do time e viu Corradi, De Cesare e Manfredini entregarem 28 gols. Eles se somaram à qualidade de jogadores que já estavam no plantel, como o excelente volante Eugenio Corini, que anotou oito tentos, e o lateral-esquerdo Salvatore Lanna. Aquela equipe, então, terminou a segundona com o terceiro posto e conquistou um acesso espetacular e inédito para a Serie A. O casamento entre a família Campedelli e o Chievo chegava ao seu ponto mais alto: estava provado que asnos poderiam voar, tanto que a torcida passou a adotar o apelido de Mussi Volanti (“burros alados”), agora com muita propriedade.
Sob a gestão da família Campedelli, o Chievo galgou toda a pirâmide do futebol italiano (imago/IPA Photo)
Com a chegada à máxima categoria do futebol italiano, Campedelli ganharia um apelido. O presidente ficaria conhecido como Harry Potter, devido à sua semelhança com o personagem que começava a fazer sucesso nos cinemas naquele 2001. No entanto, ao contrário do bruxo da ficção, Luca não promoveu nenhum truque de fantasia em sua primeira aparição na elite.
Formado dupla de gestão com Sartori, o presidente não tirou os pés do chão e manteve a base do elenco que havia conquistado o acesso, a começar pela manutenção de Delneri e de jogadores importantes, como Manfredini, Corradi, Luciano, Corini, Lanna e Lorenzo D’Anna. Como reforços, atletas como Nicola Legrottaglie e Massimo Marazzina voltaram de empréstimo, ao passo que também foram feitas contratações pontuais, mas essenciais para a campanha na Serie A, como as do goleiro Cristiano Lupatelli e do ótimo meio-campista Simone Perrotta.
Com uma boa espinha dorsal mantida, reforços interessantes, grande entrosamento do elenco e um padrão de jogo baseado em um forte 4-4-2, o Chievo fez duelos duros contra os gigantes (como a Inter, time do coração de Campedelli) e os outros pequenos. Tamanha foi a façanha de atuar de igual para igual contra qualquer adversário que, aqui no Brasil, o clube veronês foi comparado ao São Caetano, que trilhava um caminho semelhante neste lado do Atlântico naqueles anos.
Alguns dos jogos que melhor simbolizam aquela campanha foram a vitória por 2 a 1 em cima da Inter de Ronaldo, Christian Vieri, Javier Zanetti, Álvaro Recoba e Clarence Seedorf em pleno Giuseppe Meazza; o empate em 1 a 1 contra o Milan de Filippo Inzaghi, Rui Costa, Gennaro Gattuso e Andriy Shevchenko; e o triunfo por 3 a 1 sobre a Lazio de Alessandro Nesta, Dejan Stankovic, Claudio López e Simone Inzaghi. A cereja do bolo, com o perdão do trocadilho, foi a vitória no segundo turno por 2 a 1 em cima do Verona em um Bentegodi lotado pela torcida dos butei. Registre-se que os mastins, treinados por Malesani, tinham um belo time, com Paolo Cannavaro, Massimo Oddo, Mauro Camoranesi, Alberto Gilardino e Adrian Mutu, mas não seguraram os burros alados na partida do returno.
Com um time tão ousado, o Chievo foi o que levou mais gols entre os 10 primeiros colocados, sendo vazado 52 vezes. Por outro lado, teve atacantes eficientes – Marazzina, Corradi e Federico Cossato anotaram 33 tentos – e o volante Corini em seu auge, com incríveis 11 gols e nove assistências, de forma que superou todas as expectativas. Os clivensi conquistaram um fantástico quinto lugar na tabela, que os levaria a uma inacreditável participação na Copa Uefa de 2002-03. Sob a gestão de Campedelli, o Céo alcançava o status de milagroso.
Depois do que a própria imprensa definiu como milagre, o que viesse a partir dali seria lucro – e de fato foi assim, porque o clube não passou da fase de grupos na competição continental. Mas a temporada 2002-03 marcou o retorno de Pellissier, que se converteu na grande bandeira dos burros alados. Pouco a pouco ele foi conquistando seu espaço com o que sabia fazer de melhor: gols.
Ao longo de quase 30 anos de gestão, Campedelli esteve à frente do Chievo em seu auge e sua desgraça (L’Arena)
O atacante se destacou principalmente na outra grande campanha do Céo, em 2005-06, quando fez 13 gols e ajudou o clube a conquistar um feito ainda mais incrível: um quarto lugar, obtido após as sentenças do escândalo Calciopoli e a consequente perda de pontos de alguns adversários. O time comandado pelo técnico Giuseppe Pillon conseguiu a vaga na Liga dos Campeões, contudo, mais uma vez, não foi longe no torneio europeu e parou na fase dos playoffs, eliminado pelo búlgaro Levski Sofia.
Aquela temporada ainda reservaria um sabor nada doce para o clube da Paluani, devido ao rebaixamento para a Serie B. Pillon foi demitido durante a campanha e o time passou a ser treinado novamente por Delneri. Só que, ao contrário de sua primeira passagem, o técnico encontrou um elenco inchado e sem muitos destaques, com peças que não possibilitavam muito além de um estilo defensivo. Na segunda divisão italiana, em 2007-08, Pellissier liderou a equipe de Giuseppe Iachini, com 22 gols em uma trajetória culminada no título da categoria, o mais importante da história do Chievo.
Nos anos seguintes, o clube sofreu bastante na Serie A e não conseguiu repetir os feitos de 2001-02 e 2005-06. Os feitos saborosos foram trocados por participações insossas, nas quais a filosofia de jogo reativo levaram a equipe a executar um futebol bastante defensivo, que em determinada campanhas funcionou bem. A sua melhor temporada depois da volta à primeira divisão foi a de 2015-16, quando terminou na nona colocação.
Ainda assim, manter um clube de baixo orçamento por tanto tempo no grupo de elite do futebol da Bota era um feito magnífico da gestão de Luca Campedelli, que chegou a ser considerada como um modelo de administração sustentável não apenas na Itália, mas na Europa. Parte disso se deveu à competência da diretoria em entregar o time a técnicos de bom nível, como Stefano Pioli e Rolando Maran, e ter um projeto interessante de observação de reforços, com apostas em contratações modestas, planejamento de base e valorização de jovens jogadores – o que rendeu bons resultados em campo em alguns momentos.
Luca seguia o conselho do pai: para não colocar a Paluani em risco, evitava investir demais no futebol. Para o Chievo, isso funcionava de forma satisfatória, até que a maior fonte de recursos de seu proprietário teve uma queda de receitas. Em 2018, o clube já enfrentava a diminuição do aporte de verbas para as contratações e sofreu um novo baque: foi acusado de irregularidade fiscal e começou a temporada com três pontos de penalização e uma multa de 200 mil euros.
A Federação Italiana de Futebol (FIGC) acusou o Chievo de ter alterado o seu balanço anual com lucros fictícios na negociação de jogadores, com o intuito de mascarar dívidas, incorrendo em fraude de contabilidade. Embora Luca Campedelli tenha se dito injustiçado, nada mudou na decisão do tribunal desportivo italiano, que também o puniu com uma suspensão de oito meses. Naturalmente, o caos administrativo interferiu no campo: com pouco investimento e um elenco envelhecido, o time fez apenas 17 pontos e foi rebaixado. Lanterna do campeonato, o Céo somou apenas duas vitórias no certame, além de ter terminado com o pior ataque e a pior defesa. Acabava, assim, a sua trajetória de quase duas décadas na Serie A, com uma bela sequência de 11 temporadas consecutivas na elite.
Nos dois anos seguintes, a pandemia de covid-19 derrubou ainda mais as receitas da Paluani e o retorno à Serie A ganhou ares de tábua de salvação para o Chievo. O time veronês lutou pelo acesso, mas foi eliminado, nos playoffs, por Spezia e Venezia, que ficariam com as vagas na primeira divisão. Não restou escape: no verão europeu de 2021, o clube foi impedido de se inscrever na segundona, por conta de sua inadimplência tributária, e os temores de impossibilidade de sua permanência no nível profissional se confirmaram.
Queda nas receitas da Paluani, empresa da família Campedelli, contribuiu para o fim da trajetória milagrosa do Chievo (L’Arena)
Sem grandes percalços, o casamento entre a família Campedelli e o Chievo durou da década de 1960 até 2021, quando a crise se intensificou. Juntos, escreveram um belíssimo conto, sem dúvida um dos mais bonitos e românticos da história do futebol italiano – afinal, o clube nasceu na várzea e se tornou capaz de incomodar os gigantes da Bota, sendo o único a escalar a pirâmide do sistema da modalidade nacional.
Muito provavelmente um não teria alcançado o atual estágio de reconhecimento sem o outro. Porém, assim como o patrocínio da Paluani elevou o patamar dos burros alados, a sua diminuição em certos momentos também foi a causa da ruína da agremiação, o que expôs a complexidade envolvida nas relações íntimas entre clubes de futebol e grupos empresariais, além da crise do modelo de mecenato no esporte.
De qualquer forma, há um filho gerado desse matrimônio: Sergio Pellissier, que decidiu levar à frente o legado dos pais. Luca Campedelli, mesmo diante de um cenário hostil, não quer dar o braço a torcer e dar a relação como encerrada, já que ainda considera fazer investimentos no Céo. Para não precisar depender das demandas de seu antigo empregador, o ídolo não titubeou e deu entrada na criação de uma nova agremiação, visando colher a herança esportiva do Chievo.
Passado o dia 22 de agosto, que definiu como “o mais triste de sua vida”, Pellissier encontrou forças para tentar reerguer a agremiação que lhe possibilitou construir uma bela história no futebol. De forma aguerrida, afirmou que pretende superar todas as dificuldades para manter o time: a postura é a de quem conhece bem a tradição clivense, marcada mesmo por muitos obstáculos que já foram vencidos outrora. Resta esperar para ver se esse legado será retomado de maneira vitoriosa ou se terá a melancólica marca de um passado que jamais irá se repetir. E, claro, se os Campedelli estarão novamente envolvidos no projeto.
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