A Final do Cavalo Branco, a decisão de Copa da Inglaterra que inaugurou Wembley exatos 100 anos atrás | OneFootball

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·29 de abril de 2023

A Final do Cavalo Branco, a decisão de Copa da Inglaterra que inaugurou Wembley exatos 100 anos atrás

Imagem do artigo:A Final do Cavalo Branco, a decisão de Copa da Inglaterra que inaugurou Wembley exatos 100 anos atrás

George Scorey e Billy nunca fizeram um gol. Talvez nunca tenham chutado uma bola. Billy (quase) com certeza porque era uma cavalo. George, um policial, vai saber. Mas ambos entraram para a história do futebol porque, em uma época em que o imaginário coletivo tinha menos estímulos, a foto de um cavalo branco enfrentando a multidão que avançava ao gramado foi marcante. Era quase uma cena da era medieval. Essa época foi 100 anos atrás, quando Bolton e West Ham se enfrentaram pela final da Copa da Inglaterra no primeiro jogo da história do estádio de Wembley, um dos maiores palcos esportivos do mundo.


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Hoje em dia, a final da FA Cup é imediatamente associada a Wembley, mas o tão famoso torneio mais velho do planeta passou quase 50 anos sendo decidido em outros estádios. No Kennington Oval, que atualmente brinca de críquete, no Crystal Palace, às vezes em Goodison Park, às vezes em Old Trafford e, nos anos que antecederam a inauguração, em Stamford Bridge. Nenhum grande o suficiente para a ambição do que era a principal partida do futebol inglês. Logo, a ideia do Império de construir um enorme estádio de futebol para ostentar pujança e poder era como juntar a fome com a vontade de comer.

Wembley foi construído durante 300 dias, ao custo de aproximadamente £ 800 mil, o que, ajustado para a inflação, daria £ 46 milhões. Ainda bem razoável. A construção terminou em 23 de abril de 1923, apenas cinco dias antes da inauguração. Apesar do tempo apertado, deu tempo de testar as estruturas de 25 mil toneladas de concreto e 1,4 mil toneladas de aço. A capacidade seria para 125 mil pessoas e tudo isso seria destruído depois da série de exibições programada pela realeza para tentar aproximar os países da Commonwealth e tentar frear a decadência do império britânico.

Se do ponto de vista histórico não rolou tão bem para o império britânico, pelo menos o estádio sobreviveu como um ícone do futebol, com suas lendárias duas torres. Ainda bem, também, que deixou o seu primeiro nome, Estádio Imperial, que soa como se o Darth Vader fosse apitar um jogo entre Stormtroopers, para trás. A Football Association, a Federação Inglesa de Futebol, impediu a destruição em um primeiro momento, pedindo para continuar utilizando-o para sua principal partida, com um contrato de 21 anos. O futuro foi realmente assegurado quando o empresário Jack White comprou Wembley por £ 300 mil e passou a operação para Arthur Elvin.

Elvin nasceu em Norwich, serviu na Força Aérea Britânica e foi prisioneiro de guerra na França, ainda adolescente. Ele operava os quiosques de cigarro de Wembley e fez uma boa grana aproveitando o vai e vem da galera durante as exibições reais. Usou o dinheiro em investimentos imobiliários ao redor do estádio e conseguiu comprá-lo quando Wembley estava sendo liquidado por ser considerado “financeiramente insustentável”. Ele decidiu refutar essa tese, e durante décadas organizou uma série de eventos no local. Não apenas jogos de futebol, mas corridas de cavalo e automobilismo. Em 1948, cedeu Wembley de graça para as Olimpíadas de Londres, que nele realizaram a cerimônia de abertura. Elvin morreu em 1957, antes de assistir ao ápice do seu estádio – a final da Copa do Mundo de 1966 – ou às inúmeras finais de Copa dos campeões e Champions League que ele sediaria. Também perdeu a reforma que o transformou em uma moderna arena, bem afastada do estilo clássico que o eternizou.

Vocês devem estar pensando: “tudo isso é muito interessante, mas e o cavalo?”. Então, o público da final da Copa da Inglaterra foi um pouco decepcionante nos anos anteriores, e a Federação Inglesa fez um extenso trabalho de propaganda para anunciar aquele jogo. Era um dia bonito em Londres, um evento mais raro do que a inauguração de um estádio para 125 mil pessoas, e todo mundo decidiu aproveitá-lo para conhecer a novidade. A FA queria maximizar o público e, sabe como dizem, quando Deus quer punir alguém, ele cumpre suas preces: pelas estimativas mais pacificadas, aproximadamente 250 mil pessoas compareceram para assistir a Bolton e West Ham jogarem futebol.

Isso tinha pouco a ver com Bolton ou West Ham. O Bolton foi um dos fundadores do futebol inglês, mas não havia tido muito sucesso, com apenas duas finais de FA Cup e subindo e descendo entre as duas primeiras divisões. Havia sido terceiro colocado três anos atrás. Os Hammers eram mais azarões ainda. Estavam na Segundona e nunca tinham chegado à elite, o que fariam naquela temporada, com o segundo lugar. Tinham seu apelo, mas rolê mesmo era dar uma olhada naquele monumento ao poder do Império Britânico que fora construído no noroeste de Londres.

O jogo estava marcado às 15h, horário local. As catracas foram abertas antes das 11h30, mas, em 90 minutos, a pressão da multidão começou a ser notável, segundo um relatório das autoridades. Às 13h45, os 23 mil lugares com assentos estavam esgotados, os portões foram fechados e o transporte público da capital começou a anunciar que o estádio estava lotado. Meia-hora depois, as barreiras de proteção foram superadas, e o excedente começou a superlotar Wembley. Os relatos dão conta que 241 mil bilhetes de metrô para Wembley Park foram vendidos naquele dia, sem contar quem foi de ônibus ou a pé. O campo foi invadido, e o jogo não começou na hora marcada. Então, a polícia chamou a cavalaria. Literalmente.

Eu acho que chegou a hora de uma confissão: Billy, na verdade, não era branco. Era meio cinza, mas, em contraste com os cavalos pretos e com a tecnologia fotográfica e televisiva da época, pareceu bastante branco, e a Final do Cavalo Branco é um nome muito mais sonoro do que a Final Do Cavalo Meio Cinza, então ficou a Final do Cavalo Branco.

“Quando meu cavalo começou a entrar em campo, eu não via nada além de um mar de cabeças”, disse Scorey, à BBC. “Eu pensei ‘não vai dar, é impossível’, mas eu consegui ver uma área aberta perto de um dos gols e o cavalo foi muito bem, afastando-os com seu barulho e cauda até conseguirmos liberar uma das linhas de gol. Eu disse para as pessoas na frente darem as mãos e recuarem, passo a passo, até chegarem à linha. Eles, então, se sentaram e seguimos em frente assim. Foi principalmente por causa do cavalo. Ele pareceu entender o que estava sendo exigido dele. A outra coisa que ajudou foi a boa vontade da multidão”.

O bom comportamento do público foi citado em diversos relatos e provavelmente contribuiu para que não houvesse uma grande tragédia. A BBC ainda conta que 1,000 pessoas ficaram feridas, mas ninguém morreu. Por certo ponto de vista, as autoridades britânicas perderam a oportunidade de muito, muito cedo aproveitar aquele caso para começar a instalar mecanismos de segurança para evitar tragédias posteriores em que muitas pessoas perderam suas vidas. A FA pelo menos ampliou a venda antecipada e os públicos seguintes ficaram entre 90 mil e 100 mil pessoas, sem grandes arruaceiros.

A partida começou com 45 minutos de atraso e foi meio ridícula. Como se o Rockgol fosse menos bem organizado. A torcida deixou o gramado, mas continuou aglomerada em cima das linhas. Aos dois minutos, David Jack abriu o placar, interceptando uma cobrança de lateral ruim de Jack Tresadern, que não conseguiu compensar o seu erro porque ficou preso entre os torcedores. Um deles, atrás das redes dos Hammers, levou uma bolada, ficou inconsciente e caiu para trás, gerando um efeito dominó na aglomeração. O primeiro tempo não teve mais gols e demorou mais do que deveria pelas constantes interrupções quando alguma pessoa que não era jogadora de futebol inevitavelmente transbordava para o campo.

Harry Beattie, então com 21 anos, presente na partida, disse em um documentário da BBC em 1995 que as linhas eram humanas: a bola batia na galera e o jogo continuava. Lateral apenas se saísse por cima. Era necessária uma reorganização para formar um corredor para os caras baterem escanteio. Outro fã, Frank Bishop, apaixonado pelo West Ham, relata que algumas pessoas mais maliciosas esticavam a perna para tentar fazer os pontas dos adversários tropeçarem. Ao intervalo, os jogadores sequer cogitaram retornar aos vestiários porque não tinha como atravessar a multidão.

O segundo tento foi marcado por Jack Smith, com um chute de primeira, depois de boa jogada de Ted Vizard pela esquerda. O West Ham alega que a bola pegou na trave, mas o árbitro considerou que bateu e voltou porque acertou algum torcedor que estava atrás do gol. Também dizem que outro fã deu uma ajeitadinha na bola para impedir que ela saísse antes do cruzamento. Segundo o relato da BBC, o capitão do West Ham, George Kay, percebendo que a derrota por 2 a 0 era irreversível, pediu que o árbitro suspendesse o jogo, o que talvez tenha sido a coisa mais sensata que aconteceu naquela tarde, mesmo que por motivos pouco altruístas, mas a partida chegou ao fim, e o rei George V entregou ao Bolton o seu primeiro troféu de Copa da Inglaterra.

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