Calciopédia
·10 de dezembro de 2022
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Se a seleção italiana vai bem num torneio importante, a probabilidade de os azzurri fracassarem na competição seguinte é muito alta. Pelo menos é o que mostra a história. Só no século 21, a Itália deu vexame nas Copas do Mundo de 2002, 2010, 2014 e sequer conseguiu se classificar aos Mundiais de 2018 e 2022 – após obter bons resultados e até títulos em torneios anteriores. Um cenário semelhante ocorreu em 1974. Então vice-campeã, a Nazionale não passou da fase de grupos, desencadeando uma série de confusões depois da eliminação surpreendente e precoce.
No Mundial de 1974, o técnico Ferruccio Valcareggi promoveu algumas alterações em relação ao time que havia perdido do Brasil na decisão da Copa anterior. A base continuava envelhecida, mas nada que impedisse a empolgação do povo italiano. Depois do vice em 1970, havia alta expectativa de que a Itália levantasse a taça novamente. A Nazionale havia conquistado a Copa do Mundo pela última vez em 1938, quando fora bicampeã consecutiva.
No papel, o time italiano era imponente. Valcareggi, treinador que deu o primeiro título de Eurocopa à Itália, convocou jogadores do status de Dino Zoff, Giacinto Facchetti, Enrico Albertosi, Sandro Mazzola, Gianni Rivera, Luigi Riva, Roberto Boninsegna, Pietro Anastasi, Giorgio Chinaglia, entre outros. No entanto, quando entrou em campo na Alemanha Ocidental, a envelhecida equipe decepcionou.
O artilheiro Riva (último de colete azul, à direita), acabou ficando no banco da Itália contra a Polônia (Colorsport)
A Nazionale foi sorteada no Grupo 4, ao lado de Argentina, Haiti e Polônia. Em contrapartida à solidez defensiva que distinguia o futebol italiano naquela época, argentinos e poloneses contavam com ataques de respeito, comandados por Mario Kempes e Grzegorz Lato, respectivamente. Na abertura da chave, a Itália aplicou um 3 a 1 sobre os haitianos, enquanto os polacos venceram os hermanos, por 3 a 2. Já na segunda rodada, a seleção alvirrubra voltaria a ser destaque, com um inapelável 7 a 0 diante do fragilizado time da América Central. Portenhos e azzurri, por sua vez, ficaram no 1 a 1.
Tida como uma das favoritas a levantar a taça, a Nazionale despedaçou o coração de seus torcedores na última rodada da fase de grupos, contra a já classificada Polônia. Logo de cara, Valcareggi surpreendeu ao deixar o artilheiro Riva no banco, em favor de um ataque formado por Anastasi e Chinaglia. Com o primeiro tempo em andamento no Neckarstadion, em Stuttgart, a Itália ainda precisou mexer na zaga, quando Tarcisio Burgnich se machucou e teve de dar lugar a Giuseppe Wilson. Era uma péssima notícia também para a economia do jogo, já que só eram permitidas duas substituições à época.
A defesa italiana tinha uma indigesta missão: parar Lato, que havia marcado duas vezes contra Argentina e Haiti e seria o artilheiro da Copa, com sete gols. O ponta-direita até passou em branco diante de Zoff, mas o atacante Andrzej Szarmach e o capitão Kazimierz Deyna balançaram as redes do experiente goleiro no final do primeiro tempo.
Facchetti até conseguiu para o artilheiro Lato, mas a Polônia ganhou mesmo assim (Getty)
Em ambas as ocasiões, os poloneses se anteciparam a marcadores adversários: Francesco Morini foi superado numa jogada pelo alto e Romeo Benetti se atrasou para bloquear o tirambaço do meia. Para piorar, quando o placar ainda registrava 1 a 0, Chinaglia mandou pelos ares uma ótima chance de empatar a peleja. Sozinho, cabeceou por cima do gol de Jan Tomaszewski.
A Itália não conseguiu reagir na etapa final. Na verdade, começou o segundo tempo sendo salva por Zoff numa cabeçada de manual de Szarmach, que ainda quase aproveitou o rebote. Depois, os azzurri tiveram muito azar. Na jogada seguinte, Franco Causio emendou um petardo de fora da área e carimbou a trave.
Noutras ocasiões criadas, o próprio Causio e Luciano Spinosi foram bloqueados de forma providencial pelos poloneses. Na reta final da peleja, Tomaszewski efetuou grandes defesas numa cabeçada de Facchetti e num tiro cruzado de Benetti, dando bela resposta a Zoff – aos 77, o arqueiro italiano negara mais uma celebração a Deyna com intervenção à queima-roupa. Foi justamente no mano a mano que o goleiro polaco não conseguiu impedir o tento de Fabio Capello, com um arremate potente, nos derradeiros minutos. Um gol que, apesar de tudo, seria inútil para os azzurri.
Bem marcado, Mazzola teve atuação pouco inspirada (imago/WEREK)
A derrota por 2 a 1, alinhada à goleada por 4 a 1 da Argentina sobre Haiti, eliminou os italianos no saldo de gols: os azzurri ficaram com um a menos que os sul-americanos. Os comandados de Valcareggi voltariam para casa de cabeça baixa e sob muita indignação.
A propósito, na própria Stuttgart, local de realização da partida, a polícia foi acionada para conter os protestos de torcedores revoltados com a queda precoce da Squadra Azzurra. Se a situação estava feia na Alemanha Ocidental, o cenário era ainda mais tumultuado na Velha Bota. Em Roma, um torcedor se irritou tanto com a eliminação que jogou sua televisão pela sacada de casa, localizada no centro da Cidade Eterna. Também houve uma tentativa de suicídio por parte de um jovem de 21 anos, que felizmente não obteve êxito. Além disso, a embaixada polonesa, na capital, recebeu ataques de torcedores furiosos.
Mas, voltando aos jogos da Copa 1974, a sensação Polônia carimbou sua participação no quadrangular semifinal da Mundial com 100% de aproveitamento. Na fase seguinte, pegou Suécia, Iugoslávia e Alemanha Ocidental no Grupo B: venceu as duas primeiras e perdeu para os alemães. Na disputa do terceiro lugar diante do Brasil, o artilheiro Lato marcou o único gol da peleja e permitiu que os polacos celebrassem a sua melhor campanha na competição – resultado que se repetiria em 1982.
Depois da derrota em Stuttgart, a Itália conseguiria a revanche sobre a Polônia na Copa de 1982 (imago/Baumann)
Já os argentinos decepcionaram na fase seguinte. Os comandados de Juan Carlos Lorenzo, treinador com passagens por Lazio e Roma, foram goleados pela Holanda (4 a 0), perderam do Brasil (2 a 1) e empataram com a Alemanha Oriental (1 a 1). Foi uma campanha muito fraca dos futuros campeões mundiais – em 1978, jogando em casa, a Argentina alcançaria seu primeiro título de Copa do Mundo.
Após o fracasso em 1974, a Itália passou por uma reformulação, inicialmente comandada por Fulvio Bernardini. Porém, os cartolas da Federação Italiana de Futebol (FIGC) logo perceberam que a solução estava debaixo de seus olhos.
Na malfadada campanha em solo germânico, Enzo Bearzot e Azeglio Vicini compunham a comissão técnica de Valcareggi como seus auxiliares, e iam ganhando casca para trabalhos futuros: o primeiro dirigiria a Itália nas Copas de 1978, 1982 e 1986; o segundo seria o treinador em 1990. Com a dura missão de recuperar o moral da seleção, o Vecio lidou com a aposentadoria de diversos craques e apresentou uma nova geração, que, na Copa do Mundo de 1982, colocou fim a uma seca de 44 anos da Nazionale. Aliás, para chegar à decisão do Mundial, a Squadra Azzurra deixou para trás justamente seu algoz de 1974, a Polônia, graças a uma doppietta do artilheiro Paolo Rossi. Dias de luta, dias de glória.
Polônia 2-1 Itália
Polônia: Tomaszewski; Szymanowski, Zmuda, Gorgon, Musial; Maszczyk, Kasperczak; Lato, Deyna, Gadocha; Szarmach (Cmikiewicz). Técnico: Kazimierz Górski. Itália: Zoff; Burgnich (Wilson), Spinosi, Morini, Facchetti; Causio, Capello, Benetti, Mazzola; Anastasi, Chinaglia (Boninsegna). Técnico: Ferruccio Valcareggi. Gols: Szarmach (38′) e Deyna (44′); Capello (85′) Árbitro: Hans-Joachim Weyland (Alemanha Ocidental) Local: Neckarstadion, Stuttgart (Alemanha Ocidental), em 23 de junho de 1974