Trivela
·10 de maio de 2022
In partnership with
Yahoo sportsTrivela
·10 de maio de 2022
A conquista do Nantes na Copa da França teve grande simbolismo. Um dos maiores clubes do país, enfim, voltou a faturar um título nacional depois de 21 anos em jejum. A explosão da torcida dos Canários no Stade de France já valeu o espetáculo. E o troféu serve para valorizar um personagem importante do futebol local, que nem sempre mereceu o reconhecimento devido: o técnico Antoine Kombouaré. Uma década depois de ser dispensado pelo Paris Saint-Germain de maneira contestável, o comandante vive sua redenção – exatamente no clube onde tudo começou. Escapou do rebaixamento numa temporada para, na seguinte, recolocar o Nantes no alto do pódio.
Nascido na Nova Caledônia, Kombouaré é mais um talento revelado pelo Nantes. O zagueiro começou no Plum Nouméa de sua ilha, mas deixou o Pacífico aos 20 anos para ingressar no Estádio de Beaujoire. O jovem chegou ao elenco em 1983/84, uma temporada depois da conquista do Campeonato Francês. Foram sete anos com os Canários, curiosamente esse tempo todo sem um título sequer. Apesar disso, ele também viveu bons momentos na equipe e disputou copas europeias, além de ter sido duas vezes vice-campeão da Ligue 1.
Em 1990, Kombouaré deixou o Nantes. Teve rápida passagem pelo Toulon, antes de ser contratado pelo PSG. O zagueiro seria um dos símbolos do clube nos anos dourados sob o dinheiro do Canal+. Nem era titular absoluto, mas ofereceu momentos de brilho, com gol em título da Copa da França e numa histórica virada contra o Real Madrid na Copa da Uefa. O beque tinha estrela. Foi campeão francês e deixou a equipe em 1995, depois das semifinais da Champions. Já veterano, Kombouaré rodou por Sion e Aberdeen, até pendurar as chuteiras no Racing de Paris.
A trajetória de Kombouaré como treinador começou no PSG. Dirigiu o segundo quadro, até ser convidado para assumir o Strasbourg. Teve resultados satisfatórios por algum tempo, antes de assumir o Valenciennes e levar a equipe de volta à primeira divisão. Conseguiu manter o status na elite por três temporadas consecutivas, retornando à capital para trabalhar com o time principal do PSG em 2009. A carreira promissora era um dos motivos de sua volta, mas também pesava sua relação com o clube. Em tempos bem mais modestos no Parc des Princes, Kombouaré parecia estar no lugar certo e executou um bom trabalho, com um time limitado nos nomes, mas agressivo na maneira de se portar. A Copa da França reapareceu em sua vida em 2009/10, faturando o título em cima do Monaco. Naqueles tempos, a taça secundária significava bem mais aos parisienses. Seria também vice em 2010/11.
Não demorou, porém, para que o PSG acabasse vendido ao fundo de investimentos do Catar. Kombouaré não tinha a “grife” pretendida pelos novos patrões. Seriam apenas seis meses de trabalho na nova era do clube, demitido na virada de 2011. O PSG liderava a Ligue 1 nesta altura e vinha de uma sequência de cinco partidas de invencibilidade, incluindo quatro vitórias. A “justificativa” estava pelas eliminações na Liga Europa e na Copa da Liga Francesa. Mas, na verdade, queriam um técnico mais badalado e Carlo Ancelotti não demorou a suprir essa lacuna – mesmo que tenha deixado escapar o título francês para o surpreendente Montpellier.
Kombouaré podia ser visto como injustiçado, mas nunca ganhou um novo trabalho à altura do que tinha no PSG. Primeiro, teve uma rápida passagem pelo Al-Hilal em 2012. Depois, foram três anos à frente do Lens, mas com a missão de recolocar os aurirrubros na primeira divisão – o que conseguiu, apesar da queda logo na primeira temporada. Ficaria depois dois anos no Guingamp, demitido pelos maus resultados. Em 2019, assinou com o Dijon e permaneceu seis meses, satisfeito em evitar o rebaixamento. E a estagnação parecia maior quando esteve à frente do Toulouse por apenas 13 partidas em 2020/21, com 11 derrotas, sem evitar a queda livre rumo à segundona. Nem pareciam existir motivos para o veterano receber boas oportunidades.
Pesou, então, novamente o vínculo de Kombouaré com um antigo clube. O Nantes confiou em seu velho pupilo em fevereiro de 2021, depois da naturalmente desastrosa passagem de Raymond Domenech. Os Canários pareciam sem rumo, com uma péssima administração, e talvez o novo técnico se respaldasse mais por nome do que por momento. Kombouaré provou o contrário. Assumiu uma equipe na zona de rebaixamento e, mesmo sem conseguir uma guinada imediata, melhorou os resultados na reta decisiva. Foram quatro vitórias nas últimas cinco rodadas, suficientes para levar os Canários para os playoffs contra o descenso. Ironia do destino, a permanência foi confirmada contra o mesmo Toulouse onde Kombouaré tinha naufragado.
O Nantes não recebeu grandes reforços para a atual temporada. A única contratação mais cara foi a de Alban Lafont, que já estava emprestado e foi comprado em definitivo junto à Fiorentina. De resto, chegaram apenas atletas por empréstimo ou da base. Nenhum destes foi titular na decisão da Copa da França. Os Canários se valeram da espinha dorsal que escapou do rebaixamento. O diferencial? A continuidade de Kombouaré. O treinador de fato deu uma identidade à equipe, que apresentou um futebol atrativo e fez bons jogos na Ligue 1 – bem longe dos riscos, desta vez até flertando com as copas europeias. A Copa da França serve de ápice nesse processo.
O Nantes passou por cima da concorrência, com destaque para a vitória nos pênaltis sobre o Monaco na semifinal. Já na decisão, o Nice podia ser visto como favorito pela temporada que fazia, mas não que os Canários fossem considerados como azarões. Seria uma partida parelha, em que os auriverdes apresentaram bons escapes e uma segurança defensiva que valeu o resultado de 1 a 0. Alban Lafont, Andrei Girotto, Nicolas Pallois, Pedro Chirivella, Ludovic Blas, Randal Kolo Muani, Moses Simon e outros tantos saem como heróis de uma torcida fanática. Mas é impossível citar todos eles sem colocar Kombouaré em primeiro lugar.
“Estou vivendo um momento insano. Mesmo em meus sonhos mais loucos, eu nunca imaginaria voltar a Nantes e ganhar um troféu com esse clube. Agradeço à minha comissão técnica e especialmente aos jogadores. Sou muito sortudo, privilegiado. Conseguir isso de onde viemos é ótimo. Saímos do nada. Um ano atrás, era matar ou morrer para escapar da Ligue 2. Agora, ganhamos a Copa da França e vamos jogar a Liga Europa. Iremos enfrentar o PSG na Supercopa, você pode imaginar a diferença? É difícil de acreditar. É algo excepcional, único, quase milagroso. Era normal ao Nantes conquistar títulos antes, mas atualmente…”, declarou Kombouaré, na coletiva de imprensa.
“Eu estava pronto para trocar todas as vitórias que tive na minha carreira por essa apenas. Quando Ludovic Blas levantou esse troféu, eu pensei na minha chegada da Nova Caledônia. Pensei nos meus ilustres antepassados, que são gigantes, não me comparo com eles. Claro, é um orgulho imenso me encontrar aqui. Nunca imaginei essa situação. É quase um milagre treinar o Nantes e levantar um troféu com este clube”, complementou.
É o primeiro título de Kombouaré depois de 12 anos, desde aquela Copa da França de 2010. É sua primeira conquista desde a controversa demissão do PSG. Se as boas oportunidades demoraram a chegar, o treinador conseguiu transformar uma realidade no Nantes que parecia bem mais difícil. E é esse seu maior mérito: entregar um time para os torcedores se orgulharem, pelo futebol apresentado e pelo título conquistado, quando as perspectivas não eram boas. O veterano se reforça em Beaujoire como o ídolo que é. Também se reforça na França como o bom treinador que é, mesmo que em Paris não tenham tido muita paciência para perceber isso.