A academia de goleiros do Palmeiras também ofereceu ao Flamengo dois ídolos – e até por vias tortas | OneFootball

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Trivela

·27 de novembro de 2021

A academia de goleiros do Palmeiras também ofereceu ao Flamengo dois ídolos – e até por vias tortas

Imagem do artigo:A academia de goleiros do Palmeiras também ofereceu ao Flamengo dois ídolos – e até por vias tortas

Poucos clubes brasileiros possuem tantos goleiros célebres em sua história quanto o Palmeiras. Parte deles desfrutou o auge praticamente inteiro na Academia. Porém, outros também ofereceram segurança às metas de clubes diferentes – e o Flamengo tem dois ídolos de luvas em comum com os alviverdes, incluindo um centroavante em missão especial.

Jurandyr é um personagem histórico para ambos os times. Campeão paulista por duas vezes com o Palestra Itália na década de 1930, foi o primeiro arqueiro da agremiação a ser titular da seleção brasileira, por mais que tenha sido chutado de maneira ingrata pelos dirigentes no Parque Antárctica. Depois de uma passagem pela Argentina, voltaria para erguer taças também no Flamengo. Foi titular ao longo de todo tricampeonato nos anos 1940, além de reaparecer nas convocações da Seleção.


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Gaúcho, por sua vez, é celebrado pelos alviverdes por vias tortas. Ao Palmeiras, bastou uma história inusitada, em que o centroavante precisou ir para o gol e defendeu dois pênaltis, que seu nome se tornou lembrado pela torcida – mesmo que tenha marcado também um bom número de gols. Aqueles penais contra o Flamengo, de qualquer forma, ainda fizeram o atacante ser reparado pelos rubro-negros após ser dispensado na base. Pouco depois, Gaúcho voltaria a vestir preto e vermelho para colecionar artilharias e títulos importantes no início dos anos 1990.

Jurandyr, campeão e convocado com ambas as camisas

Jurandyr poderia ter um destino bastante diferente do gol. Na juventude, o paulistano trabalhava como chofer e mecânico. Tinha um bom emprego, mas quis buscar a sorte no futebol. Contudo, antes de agarrar no gol, tentou ser aprovado como atacante. Seria mesmo como arqueiro que ganharia uma chance, despontando na Associação Atlética São Bento a partir de 1933.

A ascensão de Jurandyr foi meteórica. Naquele ano, ele já arrebentou no Torneio Rio-São Paulo, com uma atuação memorável diante do Vasco. Após um mês como titular no clube, foi chamado para a seleção paulista e protagonizou a conquista do título no Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais. Diante da repercussão, recebeu uma chance para defender o Fluminense. A passagem pelos tricolores não duraria tanto e o arqueiro ainda ocupou a meta do São Paulo. O clube seria dissolvido e, depois de um estágio na Portuguesa, recebeu a proposta do Palestra Itália em 1935. Aos 23 anos, o goleiro teria a oportunidade de defender uma potência, que tinha sido pouco antes tricampeã estadual. Chegava para substituir Aymoré Moreira, vendido ao Botafogo e seu futuro companheiro na Seleção.

A estreia de Jurandyr pelo Palestra Itália aconteceu no Paulista de 1935, com o vice-campeonato. A consagração viria mesmo no ano seguinte, com a conquista do estadual em 1936. Os alviverdes tiveram uma disputa apertada com o Corinthians pela taça, mas contaram com a segurança defensiva para levar a melhor. Jurandyr liderou uma zaga que sofreu apenas 15 gols em 21 rodadas, marca bastante expressiva para a época. E o maior reconhecimento viria em forma de convocação, chamado para defender a seleção brasileira no Campeonato Sul-Americano de 1937. Transformou-se no primeiro arqueiro da história do Palestra a proteger a meta da equipe nacional.

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Antes da viagem à Argentina, Jurandyr permaneceu concentrado no Rio de Janeiro com a Seleção. E receberia as primeiras sondagens do Flamengo, embora o negócio não tenha se concretizado. No Sul-Americano, o goleiro seria titular em cinco das seis partidas da campanha, reserva do vascaíno Rei apenas na estreia. Sua primeira aparição nem seria tão marcante, com a vitória por 6 a 4 sobre o Chile. Já na segunda participação, o goleiro se destacava na vitória por 5 a 0 sobre o Paraguai, até que uma pancada na costela o obrigou a ser substituído por Rei. O arqueiro foi encaminhado ao hospital e, embora não tenha sofrido fratura, cogitava-se até mesmo a convocação de outro jogador da posição.

Jurandyr, no entanto, se recuperou para enfrentar o Uruguai na rodada seguinte. E não só contribuiu para a vitória por 3 a 2, como também suportou uma agressão de Severino Varella, que resultaria numa briga generalizada em campo. Na rodada final, o Brasil chegou com chances de título se empatasse com a Argentina. Jurandyr fez sua parte e seria apontado como o melhor em campo, mas o triunfo por 1 a 0 da Albiceleste forçava o jogo extra. O reencontro entre brasileiros e argentinos acabou marcado por outra pancadaria. Com os jogadores agredidos até pela polícia, a Seleção se retirou de campo e só voltou após receber garantias de segurança. Quando a bola realmente rolou, Jurandyr colecionou milagres e adiou ao máximo o triunfo dos anfitriões. O placar de 2 a 0 seria construído apenas na prorrogação, com dois tentos de Vicente de la Mata.

Apesar do vice-campeonato, Jurandyr foi recebido por 10 mil pessoas no porto de Santos. O goleiro seria carregado nos braços do povo, ao lado do zagueiro Jaú, do Corinthians. O camisa 1 seguiu como dono da meta do Palestra Itália em 1937, mas acabaria caindo de nível em certo momento. A seleção brasileira passou mais de um ano inativa, até voltar a se reunir para a Copa do Mundo de 1938. Apesar da fama angariada no Sul-Americano, o alviverde acabou preterido pelo técnico Adhemar Pimenta, que convocou o flamenguista Walter e o tricolor Batatais. Assim, o arqueiro perdeu sua maior chance de disputar um Mundial.

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A volta por cima de Jurandyr aconteceu na edição extra do Campeonato Paulista em 1938, concomitante ao período de preparação da Seleção à Copa do Mundo. O goleiro recuperou sua melhor forma, com média inferior a um gol sofrido a cada dois jogos. O Palestra Itália ergueu mais um troféu. Como prêmio, Jurandyr se tornou novamente o goleiro titular de São Paulo no Campeonato Brasileiro de Seleções. Acabaria como vice-campeão, mas com grande atuação na decisão contra os cariocas.

E um episódio curioso desta época gloriosa aconteceu durante uma excursão do Palestra Itália ao Ceará, no fim de 1938. Jurandyr mal precisou trabalhar nos jogos, até que, no último amistoso, foi colocado na meta do Estrela do Norte contra o próprio Palestra. Teve uma exibição tão impressionante que convenceu um garoto nas arquibancadas, filho do então presidente do Ceará, a virar palestrino. “Foi a maior atuação de um goleiro que vi em minha vida. Faltando dez minutos para terminar o jogo, ele fez uma defesa tão sensacional que saiu carregado de campo. O marcador apontava 0x0. Foi Jurandyr sair que o Palestra meteu dois gols”, contaria Chico Anísio, o tal garoto, explicando à Placar o motivo de ser palmeirense.

A história de Jurandyr no Palestra Itália, contudo, sofreria uma reviravolta repentina. O conflito ocorreria em março de 1939, durante a nova edição do Campeonato Paulista. O São Paulo enfiou 6 a 0 sobre os alviverdes no clássico. O goleiro seria considerado culpado pela derrota e foi suspenso pela diretoria, sem receber salários. Seu retorno ao time aconteceu em maio, mas as aparições seriam apenas esporádicas. Foram mais quatro jogos oficiais, além de quatro amistosos, até que os dirigentes fechassem as portas de vez ao arqueiro.

Mesmo sem atuar com regularidade no Palmeiras, Jurandyr acabou convocado à seleção paulista e também à seleção brasileira. No início de 1940, ele aproveitou a viagem à Argentina para disputar a Copa Roca e assinou com o Ferro Carril Oeste, se valendo das lembranças construídas no Sul-Americano de 1937. Dentro de campo, a falta de ritmo pesou e o goleiro decepcionou quando ganhou uma chance de atuar, entrando no segundo tempo dos 6 a 1 da Albiceleste e pouco depois sendo titular numa derrota por 5 a 1. Apesar disso, não se queimaria para iniciar seu trabalho no clube argentino.

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Jurandyr não demorou a se tornar ídolo no Ferro Carril. O goleiro faria algumas partidas emblemáticas, a exemplo da própria estreia contra o Boca Juniors. O brasileiro garantiu o empate por 1 a 1, com direito a um pênalti defendido quando o placar estava zerado. Depois, chegou a pegar três penais num duelo contra o San Lorenzo. Foi assim que ganhou o apelido de “Rei dos Pênaltis”, demonstrando uma grande qualidade para vencer os adversários na marca da cal. Contra o Tigre, outra atuação particularmente espetacular rendeu elogios da imprensa argentina. O sucesso era tamanho que Jura virou capa da revista El Gráfico em seu ápice no Ferro.

Pensando em voltar ao Brasil, Jurandyr se apalavrou com a Portuguesa Santista, até que o Ferro Carril apontasse que não tinha negociado seu passe. Assim, permaneceu na Argentina e, depois de rumores envolvendo San Lorenzo e River Plate, seria emprestado ao Gimnasia de La Plata em 1941. Antes de estrear com o Lobo na liga local, o arqueiro participou de uma excursão em São Paulo. Faria uma partida fantástica no reencontro com o Palestra Itália, provando uma vez mais que os dirigentes alviverdes foram injustos ao descartá-lo por uma goleada. Nos minutos finais, foi à forra ao realizar uma defesa com as nádegas, só pela galhofa.

A idolatria de Jurandyr no Gimnasia seria tão grande que ele ganhou um tango. Todavia, o Lobo fazia uma campanha ruim no Campeonato Argentino e passou a atrasar salários aos seus jogadores. O goleiro entrou em litígio com a diretoria e sairia brigado. O final de sua passagem por La Plata, aliás, seria bastante conturbado. No início de 1942, Jura foi convocado para a seleção brasileira que disputaria mais um Campeonato Sul-Americano. Destacou-se nos treinos e era cotado para assumir a titularidade. No entanto, conforme o regulamento do torneio, seu passe deveria estar atrelado à CBD. O Gimnasia, então, resolveu cobrar uma fortuna para liberá-lo e a confederação não aceitou pagar. O arqueiro ainda sofreu uma lesão, que rendeu um tornozelo engessado e o afastou de vez da competição continental.

O impasse ao redor de Jurandyr durou alguns meses. Sondado por clubes cariocas, ele acertou com o Flamengo também no início de 1942, mas a novela da liberação junto ao Gimnasia se arrastou. No fim das contas, o Lobo aceitou negociá-lo por conta de uma dívida com o Fla e o goleiro passou a treinar com os rubro-negros a partir de abril de 1942, até que a regularização finalmente acontecesse semanas depois. A princípio, o novo reforço vinha para disputar posição com Yustrich. Mas bastou o paulista estrear contra o Canto do Rio, em junho, para não sair mais da equipe. No Fla-Flu, confirmou seu status como titular absoluto com uma partidaça.

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Jurandyr creditava ao técnico Flávio Costa a recuperação de sua carreira e de sua confiança. O comandante seria responsável também para formar uma fortíssima equipe do Flamengo. O goleiro era muito protegido por Domingos da Guia e Newton Canegal na zaga. No meio, uma trinca de respeito com Biguá, Volante e Jayme – antes da contratação de Bria no ano seguinte. Já no ataque, Zizinho era a estrela ao lado de outras lendas como Pirillo, Valido e Vevé. O título no Campeonato Carioca de 1942 seria consequência dessa qualidade e também o início de uma dinastia que resultaria no primeiro tricampeonato do clube.

O sucesso no Flamengo rendeu convocações para Jurandyr na seleção carioca, mudando de lado após o sucesso com os paulistas nos anos 1930. Levaria a taça do Brasileiro de Seleções com o então Distrito Federal. Em 1943, o camisa 1 seria de novo parte fundamental na reconquista do Campeonato Carioca. E a reaparição na seleção brasileira aconteceu em 1944, durante os duelos com o Uruguai pela Copa Rio Branco. Esteve em campo na segunda metade da goleada por 6 a 1 sobre a Celeste, curiosamente entrando no lugar de Oberdan Cattani, aquele que preencheu a lacuna deixada por Jura na meta do Palestra Itália a partir de 1940, após ser contratado junto ao Juventus. Os dois conviveriam nos treinamentos da Seleção e Oberdan o considerava seu maior ídolo.

O Campeonato Carioca de 1944 guardou as melhores atuações de Jurandyr naquele tricampeonato. O goleiro garantiu vitórias graças a intervenções espetaculares e se provaria decisivo na apertada corrida contra o Vasco. Sua fase era tão boa que valeu uma nova convocação ao Campeonato Sul-Americano em 1945. Por opção do técnico Flávio Costa, Jura seria reserva de Oberdan, que atuou em todas as partidas da competição. Aquela seria uma despedida do rubro-negro na seleção nacional, sem ganhar novas oportunidades aos 32 anos.

A partir de 1945, Jurandyr começaria a lidar com seu declínio no Flamengo. O goleiro passou a falhar com mais frequência e teve sua titularidade questionada. Perderia espaço a partir de 1946, quando acabou se transferindo ao Corinthians. Sonho antigo dos alvinegros, o arqueiro teria uma passagem mais curta pelo Parque São Jorge. Depois ainda atuaria pelo Comercial, onde também trabalhou como treinador. E retornaria à comissão técnica corintiana, tempos depois. Paralelamente, mantinha uma situação financeira estável ao administrar uma autoescola. Faleceu em 1972, aos 60 anos de idade, com uma fama nos gramados que resiste com o passar das décadas.

Gaúcho, o artilheiro redescoberto ao acaso

Gaúcho tinha 24 anos quando ganhou as manchetes de todo o país, e graças a um inusitado heroísmo na Copa União de 1988. O regulamento daquela edição do Brasileirão previa pênaltis em caso de empate na fase de classificação, oferecendo pontos extras aos ganhadores na marca da cal. Durante o Flamengo x Palmeiras no Maracanã, depois que Zetti fraturou a perna num choque casual, o centroavante precisou botar as luvas, como sua equipe não tinha mais substituições. Acostumado a jogar sob as traves nas peladas, o atacante não evitou o gol de empate de Bebeto que decretou o 1 a 1 nos acréscimos. Em compensação, nos pênaltis adicionais, o arqueiro improvisado brilhou. Pegou os chutes de Zinho e Aldair, converteu sua cobrança e deu a vitória aos palmeirenses.

Depois do jogo, Gaúcho fez uma revelação que, nos tempos atuais, certamente geraria ruído: “Meu sonho é voltar ao Flamengo”. Nascido em Porto Alegre, ele se mudou com a família para Goiânia ainda na infância, antes de chegar ao Rio de Janeiro para jogar nas categorias de base do Fla aos 18 anos. Nos juniores, foi campeão estadual ao lado de Bebeto e Aldair. Mas, depois de poucas chances nos profissionais, o então ponta foi dispensado e precisou buscar novos rumos na carreira. Defendeu XV de Piracicaba, Yomiuri, Grêmio e Santo André, onde conseguiu um pouco mais de destaque como centroavante.

No início de 1988, após perder o pai e o irmão mais velho em poucos meses, Gaúcho cogitou até mesmo largar o futebol para cuidar das terras que herdou em Goiás. A mãe deu forças para não desistir dos gramados. No fim das contas, em agosto, surgiu a chance de ser emprestado ao Palmeiras para a Copa União. Três meses depois, naqueles pênaltis, acabava se apresentando a quem não se lembrava de sua passagem pelo Fla. “Não senti nada de revanche, adoro o Flamengo. Sou amigo do Zico e do Zinho”, contaria, depois do jogo, em entrevista ao Jornal do Brasil.

Até parecia que Gaúcho conhecia seu destino. Antes de realizar o tal sonho de voltar ao Flamengo, porém, ele se provou como um bom atacante no Palmeiras. Marcou oito gols no Brasileiro de 1988, que não valeram a classificação dos alviverdes para os mata-matas. Seriam mais dez tentos pelo Paulistão em 1989 e sete no Brasileirão daquele ano. O período da entressafra alviverde ainda não se encerraria naquele momento. De qualquer forma, o destaque permitiu que o Flamengo voltasse a procurá-lo no início de 1990.

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Aos 25 anos, Gaúcho dava a volta por cima ao ser recontratado pelo Flamengo. E não desperdiçaria a chance. “Ir para o Palmeiras foi muito gratificante tanto em minha vida quanto em minha carreira. Lá aprendi muito, amadureci e agora tenho a oportunidade de voltar, não para provar nada, mas para fazer os gols que não tive oportunidade da outra vez”, afirmaria, ao Jornal dos Sports.

Se por um lado a contratação de Gaúcho poderia parecer folclórica, pelos pênaltis defendidos de meses antes, ele se mostraria bem mais como um centroavante goleador na Gávea. Recebeu rapidamente o status de ídolo e formou uma dupla inesquecível com Renato Gaúcho – juntos, arrebentando no Maracanã e ainda tomando conta das baladas no Rio de Janeiro. O gosto pela noite, no entanto, não era maior que o gosto pelos gols. Gaúcho pintou como artilheiro do Campeonato Carioca em 1990, com 14 tentos. Na Copa do Brasil, seria um dos responsáveis pelo título inédito do Fla, ao anotar seis gols – inclusive dois na semifinal contra o Náutico. E balançaria as redes seis vezes no Brasileirão, fazendo valer até a Lei do Ex contra o Palmeiras.

Uma marca de Gaúcho eram as declarações confiantes – e tantas vezes galhofeiras. Isso aconteceu até quando o amigo Renato arrumou as malas para o Botafogo. “Vou substituí-lo na idolatria, no carisma e na disposição. Podem apostar”. De fato, o ótimo momento do centroavante também se estendeu por 1991.

Gaúcho elevaria seu nome além das fronteiras naquele ano, emplacando como artilheiro da Libertadores. O matador arrebentou desde a fase de grupos, com dois gols contra o Corinthians e dois gols contra o Nacional de Montevidéu. O Fla avançou com uma campanha invicta e atropelou nas oitavas também o Deportivo Táchira, com duas vitórias e três gols do matador. A campanha se encerraria apenas nas quartas de final, diante do Boca Juniors. Gaúcho marcou um dos gols na vitória por 2 a 1 no Maracanã, mas não evitaria os 3 a 0 da Bombonera, inclusive sendo expulso na reta final do embate.

Tal episódio não tornou Gaúcho mal-visto na Argentina. Pelo contrário, o próprio Boca Juniors foi atrás do atacante e o contratou por um breve empréstimo. Gabriel Batistuta tinha sido convocado para a Copa América de 1991 e os xeneizes precisavam urgentemente de um centroavante para enfrentar o Newell’s Old Boys na decisão do Campeonato Argentino. O brasileiro contribuiu pouquíssimo nos dois jogos decisivos, com a vitória dos leprosos nos pênaltis ampliando o amargo jejum de títulos dos boquenses. Gaúcho sairia pela porta dos fundos na Bombonera e, para não dizer que acabou esquecido pela torcida, é motivo de lembranças ruins aos que viveram aquele momento do clube.

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O Flamengo, em compensação, estava esperando Gaúcho de braços abertos para o restante de 1991. E o atacante mostrou que, com a camisa rubro-negra, sua vontade era outra. Os flamenguistas levaram seu primeiro título no Campeonato Carioca em cinco anos. O centroavante foi artilheiro da competição pela segunda edição consecutiva, aumentando sua contagem para 17 gols. E ainda daria tempo de eliminar o Estudiantes na Supercopa da Libertadores, além de marcar dois gols contra o River Plate, apesar da queda nos pênaltis para os millonarios.

A escrita de Gaúcho, de conquistar um título por ano com o Flamengo, se ampliou em 1992. Seria a vez de faturar o Campeonato Brasileiro e garantir o penta ao clube. Titular ao longo da campanha, o atacante marcou oito gols. O mais importante deles aconteceria no primeiro jogo da decisão contra o Botafogo, na vitória por 3 a 0 que abriu caminho à taça. O prata da casa unia carisma, raça e presença de área, especialmente por suas cabeçadas fulminantes. Naquele momento, ocupava um lugar especial na galeria de ídolos e seguiria lembrado com carinho por muito tempo.

Gaúcho permaneceu no Flamengo em 1993, mas não conseguiu ser tão efetivo naquela temporada. Até anotou mais dois gols na Libertadores, ambos no confronto com o Minervén nas oitavas de final, mas sem evitar a eliminação diante do São Paulo nas quartas. Foi quando recebeu outra proposta para atuar no exterior, desta vez no Lecce, dentro do endinheirado futebol italiano. Ficaria apenas alguns meses no Calcio, antes de retornar ao Brasil. Todavia, às portas de completar 30 anos, sua história com o Flamengo já tinha se encerrado.

O final de carreira de Gaúcho não daria os mesmos frutos de seu auge. Defendeu Atlético Mineiro (na frustrada Selegalo), Ponte Preta e Fluminense (onde se reencontrou com Renato Gaúcho), antes de pendurar as chuteiras com a camisa do Anápolis. Estava na hora de se dedicar à sua fazenda. Sua última contribuição ao futebol, de qualquer forma, ainda estava por acontecer: a escolinha de futebol que fundou no Mato Grosso acabou se transformando no Cuiabá Esporte Clube. Conquistou o estadual no início dos anos 2000, embora tenha deixado o dia a dia do clube muito antes da ascensão à Série A do Campeonato Brasileiro.

Gaúcho faleceu jovem, aos 52 anos, vítima de um câncer de próstata. Sua morte foi lamentada por muitos torcedores que lembravam de seu auge na virada dos anos 1980 para os 1990. Em especial, por palmeirenses e flamenguistas. Os alviverdes ganharam um herói de uma noite, ainda que sua boa fase não tenha se resumido àqueles pênaltis defendidos. Já os rubro-negros, que pareciam ter descoberto um carrasco, na verdade só começavam a conhecer um dos maiores artilheiros de sua história. Os 98 gols em 199 partidas garantem seu lugar cativo na memória.



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