5 de julho de 1982: o dia que o encanto do Brasil caiu para a Itália no Sarriá | OneFootball

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·05 de julho de 2022

5 de julho de 1982: o dia que o encanto do Brasil caiu para a Itália no Sarriá

Imagem do artigo:5 de julho de 1982: o dia que o encanto do Brasil caiu para a Itália no Sarriá

O dia 5 de julho de 1982 é marcado como uma cicatriz do futebol brasileiro. Um trauma que contraria a ideia que só os campeões são lembrados. Tal qual a Holanda de 1974 ou a Hungria de 1954, ou tantos outros exemplos, aquela seleção brasileira ficou marcada e será lembrada para sempre, tal qual outros grandes times da história. Neste dia 5 de julho de 2022, o episódio completa 40 anos e lembramos deste texto, que relembra aquele jogo.

Texto inicialmente publicado no dia 30 de março de 2020 na série Assistimos na Quarentena


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O contexto

Pela primeira vez desde a Copa do Mundo do México havia tanta concentração de talentos na Seleção, e Telê Santana fez questão de colocar os melhores em campo, embora isso gerasse algumas complicações táticas. Havia passado da fase de grupos com três vitórias, duas goleadas, dez gols marcados e apenas dois sofridos. O maior destaque era o bom futebol jogado por um time que tinha Leandro, Oscar, Luizinho e Júnior na defesa, Falcão, Cerezo, Sócrates e Zico no meio-campo, além de Éder e Serginho como dupla de ataque. No primeiro jogo do triangular de quartas de final, derrotara a Argentina, por 3 a 1, um gol a mais de diferença do que o triunfo da Itália sobre os sul-americanos. Precisava, portanto, apenas do empate para passar às semifinais.

A vitória da Itália por 2 a 1 sobre a Argentina havia sido a primeira da seleção de Enzo Bearzot na Espanha. A então bicampeão mundial passara de fase com três empates, graças a ter marcado um gol a mais do que Camarões. Com o mesmo treinador, havia sido quarta colocada em 1978, mas o futebol do país fora abalado pelo escândalo de manipulação da loteria esportiva. O centroavante Paulo Rossi cumprira dois anos de suspensão, voltando praticamente em cima do início do Mundial.

Havia, porém, muito talento na seleção italiana, como o goleirão Dino Zoff, os defensores Claudio Gentile e Gaetano Scirea, Marco Tardelli, Bruno Conti, Francesco Graziani e, mesmo sem ritmo, o matador Paolo Rossi – o jogo completo no canal da Fifa aqui.

Outros jogos:

  • Luis Suárez e a segunda edição de “La Mano de Dios”
  • A Laranja Objetiva de Rinus Michels
  • “Sai, sai, sai, sai que é sua Taffarel!”

Primeiro tempo

Não era difícil entender por que a seleção brasileira ganhava tantos elogios. A primeira jogada da partida foi uma troca de passes de primeira entre os integrantes do meio-campo, triangulando a bola até fazê-la chegar a ninguém pela região da ponta-direita, o ponto tático crítico do time montado por Telê Santana. O questionamento era se Paulo Isidoro, titular durante as eliminatórias e com mais presença por aquele lado, deveria ser titular no lugar de Falcão ou Cerezo.

O setor direito também foi crítico na questão defensiva. As melhores jogadas da Itália no primeiro tempo surgiram com as subidas de Antonio Cabrini pela esquerda. Ele evitava o confronto direto com Leandro e geralmente fazia seus cruzamentos ou lançamentos da intermediária. Foi assim no passe para a projeção de Tardelli nas costas do histórico lateral do Flamengo. Passe para trás achou Paolo Rossi livre na entrada da área, mas o atacante italiano furou a tentativa de pegar de primeira.

Rossi não perdoaria a segunda chance que teve. Bruno Conti começou o lance com uma jogada exuberante. Dominou no meio-campo, limpou Cerezo, girou e avançou pela direita. Deu outro drible em Éder e levou a bola para a região central. De lá, abriu para Cabrini com um passe de Trivela para Cabrini. O cruzamento encontrou a cabeça de Rossi no bico esquerdo da pequena área, e a Itália fez 1 a 0.

O Brasil mostrou um sinal de nervosismo ao tentar marcar o empate do meio-campo imediatamente após a saída de bola, prenúncio do que viria pela frente. Enquanto a Itália mantinha a posse e cadenciava a partida sem muita pressa, os sul-americanos aceleravam o jogo sempre que recuperavam a bola, gerando uma quantidade enorme de erros.

Júnior em especial teve uma sequência horrível. Caiu pelo meio e tentou um passe para a esquerda, onde normalmente estaria o lateral que, no caso, era ele. Logo em seguida, foi desarmado no meio-campo, e Rossi acionou Graziani, que bateu mal de fora da área.

A primeira grande chance do Brasil surgiu meio que por acaso. Serginho brigou – figurativamente – com os zagueiros na entrada da área. Zico ficou com a sobra, mas errou o domínio. Acabou dando um passe que deixou Serginho na cara de Zoff. O centroavante brasileiro, porém, pegou na orelha da bola e mandou um chute torto e fraco para fora.

Houve muito mais qualidade, aos 12 minutos, quando o Brasil conseguiu o gol de empate. Sócrates começou a jogada com Zico no meio-campo e disparou, projetando-se naquele espaço vazio pelo lado direito do ataque. Zico deu um lindo drible e soltou rasteiro com a parte de fora do pé. Sócrates dominou, entrou na área e bateu consciente no espaço entre a trave esquerda e Dino Zoff. Na sequência, Zico deu outro bonito passe para Falcão, o terceiro meia a aparecer pela direita nos primeiros 20 minutos.

A partida entrou em um sonolento marasmo. Embora o empate classificasse o Brasil, a paciência estava com a Itália, apenas esperando um erro ou alguma oportunidade de dar o bote. E ela veio. Waldir Peres recolheu a bola que respingou na área. Abriu na direita com Leandro, que matou no peito e soltou com Cerezo. O passe displicente do volante brasileiro cruzou a entrada da área. Paolo Rossi interceptou-o, avançou e fez 2 a 1 para a Itália.

Nem atrás do placar o Brasil conseguiu se impor coletivamente e pressionar a Itália, e uma cabeçada de Sócrates direto nas mãos de Zoff foi a melhor oportunidade de alcançar o empate antes do intervalo.

Segundo tempo

Guardiola falou algumas vezes sobre como a seleção brasileira de 1982 lhe serviu de inspiração, e um dos aspectos importantes absorvidos pelo estilo do treinador catalão foi facilmente identificado depois do intervalo no Sarriá. Júnior, principalmente, e Leandro apareceram por dentro, como meias, inúmeras vezes. No entanto, como não havia ninguém pelas pontas para alargar o campo e abrir a defesa adversária, a Itália conseguiu aglomerar seus jogadores na grande área e fechar os espaços.

O Brasil começou em cima, mas as primeiras chegadas da etapa foram da Itália. Conti abriu na esquerda e disparou para dentro da área. Tirou Oscar com um toque e, na hora de chutar, pegou bem mal. Em seguida, Rossi apareceu livre dentro da área – literalmente apareceu porque a transmissão perdeu a jogada para dar um close no rosto de Bearzot – e dividiu com Luizinho. Caiu pedindo pênalti.

Leandro apareceu pelo meio e soltou a bomba de fora da área, Zoff encaixou sem problemas. Zico descolou um lindo passe rasteiro que atravessou o campo de defesa italiano e encontrou Cerezo, mas Zoff saiu do gol para abafar. Quase pela direita da entrada da área, Júnior elevou a bola para achar Cerezo, que arrumou de cabeça para Serginho. O centroavante não dominou direito, mas ainda teve a chance de bater de calcanhar. Zoff abafou novamente.

O crime de Paolo Rossi quase saiu alguns minutos antes graças a uma linda jogada de Graziani pela esquerda. Tirou Falcão com um drible seco, avançou e cruzou para a segunda trave. O artilheiro italiano teve liberdade para armar o chute, pegou de primeira e bateu torto. O Brasil respondeu com Júnior elevando novamente para Cerezo, que desta vez chegou pegando de primeira, também para fora.

O Brasil tinha 66 meias em campo, mas quem armava o time era Júnior. Aos 23 minutos, ele saiu da lateral, superou Conti sem dificuldades e tocou para Falcão. A passagem em alta velocidade de Sócrates pelas costas do volante confundiu a defesa e deu espaço para Falcão pensar. Não é recomendável dar espaço para Falcão pensar. Arrumou com a perna direita para o meio e soltou o foguete de canhota: 2 a 2.

O placar classificava o Brasil. Telê Santana reagiu imediatamente colocando Paulo Isidoro no lugar de Serginho para tentar dar uma reforçada na marcação. Éder teve a chance de ouro de matar a parada. Bateu a carteira de Bergomi e avançou com Sócrates ao seu lado. Preferiu tentar a jogada individual e se enrolou todo com a bola.

E pouco depois, a Itália teve um escanteio pela direita. A bola ficou viva dentro da área e sobrou para Tardelli. Tardelli chutou. Rossi desviou. Waldir Peres não defendeu. A bola entrou. A Itália voltou à frente.

Alguém poderia ter avisado o Brasil que aquele placar o eliminava. O terceiro gol de Paolo Rossi não pareceu ter gerado nenhuma mudança de postura. O empate era buscado sem muita urgência, sem diferenças de estratégia. E até quase chegou. Paulo Isidoro fez boa jogada e acionou Sócrates, que bateu bloqueado, e Éder cobrou falta para Oscar. Testada à queima-roupa que Zoff defendeu em cima da linha para encerrar o sonho de uma seleção que tanto encantou.

Quem comeu a bola

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Paolo Rossi, da Itália, contra o Brasil na Copa do Mundo de 1982 (Imago/OneFootball)

Difícil não eleger o melhor em campo alguém que marcou três vezes em um dos times considerados entre os maiores da história, em uma partida decisiva de Copa do Mundo que valia vaga nas semifinais, depois de dois anos sem jogar. Paolo Rossi entrou para a história como o carrasco do Brasil de 1982.

Atuação subestimada

Para destacar alguém do Brasil, a atuação de Júnior no segundo tempo foi muito boa. Assumiu a responsabilidade pela armação, criou uma série de chances que poderiam ter sido mais bem aproveitadas e deu início ao segundo gol, marcado por Falcão, que poderia ter garantido a classificação.

Quem pisou na bola

A dupla de ataque do Brasil jogou muito mal. Éder, pelo menos, teve importância tática na cobertura quando Júnior virou meia e levou algum perigo em cobrança de falta. Serginho brigou com a bola. Desperdiçou chance clara no primeiro tempo, teve dificuldades de domínio e nem de longo foi uma opção confiável para os passes do talentoso meio brasileiro.

Momento decisivo

O terceiro gol de Paolo Rossi classificou a Itália, mas o momento crucial da partida foi o contra-ataque que Éder teve, logo depois do balaço de Falcão. Foi bem no trabalho defensivo, roubou a bola e tinha Sócrates para combinar. Preferiu tentar resolver sozinho e foi desarmado. Ali, seria 3 a 2 para o Brasil, a 20 minutos do fim, com a vantagem do empate.

Os melhores cinco minutos

Entre o gol de Falcão e o de Paolo Rossi, que também conteve a chance desperdiçada por Éder, foi o momento crucial da partida. O Brasil foi de virtualmente classificado a uma eliminação dolorida em pouco tempo.

Prancheta

A grande questão tática do time brasileiro foi a ausência de um ponta direita – “Bota ponta, Telê!” gritava Jô Soares no orelhão. Paulo Isidoro foi titular nas Eliminatórias, mas perdeu espaço para Falcão. Essa mudança de fato causou alguns problemas, e o próprio Zico diria anos depois que o time ficou torto. Ele, Sócrates e Falcão revezavam-se para ocupar aquele espaço, o que funcionou até que bem no primeiro tempo como um elemento surpresa, mas que naturalmente gerava desgaste físico.

Sem falar que não houve praticamente jogadas do Brasil pelos lados. Tudo acontecia pelo meio, onde havia a reunião dos quatro meias com Júnior e Leandro, e onde a Itália aglomerava seus jogadores para fechar as entradas da área. Éder, principalmente no segundo tempo, precisou cobrir Júnior e, no geral, não esteve em um grande dia.

Defensivamente, não havia ninguém para acompanhar Antonio Cabrini, muito livre todas as vezes que subia ao ataque. Inteligente, armava as jogadas antes de precisar bater com Leandro. Tudo pesado, a Itália teve uma apresentação coletiva muito superior à do Brasil.

Vestiários

Telê Santana, questionado por que o Brasil perdeu da Itália, teve uma resposta muito simples na ponta da língua:

“Porque fizemos menos gols do que os adversários e eles souberam aproveitar mais do que nós as oportunidades surgidas. Tivemos falhas individuais, mas foi uma partida equilibrada, com duas equipes atacando bastante, num dos melhores espetáculos desta Copa”

Zico disse que faltou conversa em campo, sorte, que foi uma fatalidade, foi azar, que a equipe cometeu erros coletivos, e deu uma perspectiva histórica da sua carreira:

“Minha carreira não vai ser diminuída por esta derrota ou porque não ganhei uma Copa do Mundo. Sei o que sou, o que posso, tenho consciência do meu valor e da qualidade do futebol brasileiro. Perder é uma circunstância, ocorrência normal de uma partida”.

Júnior exaltou a campanha da seleção brasileira:

“Eu saio daqui com a convicção de que a melhor seleção da Copa vai embora, desclassificada por obra do destino. Estamos repetindo a experiência da Holanda em 1974, que não levou o título, mas passou à história como a grande equipe, de futebol bonito, rápido, leve, justamente aquela que agrada ao torcedor”

Sócrates pediu que respeitassem seu silêncio, como relatado pela Folha:

“Sócrates foi o retrato do Brasil, mudo e sem vontade de explicar, talvez hoje, ou na volta, talvez daqui a alguns anos. Não ontem”.

Nos livros de história

Está entre as três grandes tragédias do futebol brasileiro, junto ao Maracanazo e ao 7 a 1 para a Alemanha. Entrou na história como o dia em que o futebol arte morreu, com repercussões sentidas nas seleções mais pragmáticas da década seguinte, e como um dos melhores times que não venceram a Copa do Mundo. Parte dessa geração ainda teve outra chance quatro anos depois, mas perdeu para a França no México.

Mas é importante pontuar que, apesar de aquele time brasileiro ser imensamente talentoso, mais do que o italiano, e de ter produzido lapsos de brilhantismo no Sarriá, o Brasil não fez um bom jogo. Foi superado coletivamente, cometeu mais erros decisivos, defendeu muito mal e parte significativa de seus craques esteve abaixo do normal. A Itália estava muito mais composta, calma e ciente do que precisava fazer e não era um time bobo. Tinha também grandes jogadores e encaixou contra o Brasil uma grande apresentação para ganhar embalo rumo ao título mundial.

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