Última Divisão
·28 agosto 2025
Abdoul x Santa Fé: os dois lados

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·28 agosto 2025
Talvez você não conheça o Abdoul. Talvez você não conheça o Santa Fé.
Mas as duas são antagonistas em uma daquelas histórias que a gente vê com frequência no futebol.
O acerto entre Abdoul e Santa Fé começou como uma aposta otimista para os dois lados. Mas virou decepção e foi parar nos tribunais.
E o Última Divisão gente apresenta essa história para você tirar as próprias conclusões.
O Santa Fé Futebol Clube foi fundado em 2021 como uma união entre esporte e projeto social. Nascido a partir do Projeto Social Jogo Pela Vida, foi desenvolvido pelo advogado Josiel Crispim da Cruz, que logo assumiu a liderança como presidente.
Em 2022, o time estreou no futebol profissional disputando a Série A2 do Campeonato Pernambucano. Os resultados não foram bons: com duas vitórias e cinco derrotas em sete jogos, foi rebaixado para a Série A3 de 2023.
Embora o primeiro ano não tenha sido dos melhores, o Santa Fé não escondia que seu objetivo era revelar talentos e dar oportunidades para jovens jogadores.
Abdoul Fatahou Sawadogol tinha passagens pelas seleções de base de Burkina Faso quando recebeu uma proposta para jogar no Brasil. Contando com os esforços da família, embarcou aos 17 anos para o outro lado do Oceano Atlântico. No entanto, ao desembarcar no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, viu-se sozinho.
Os empresários que prometeram recebê-lo no Brasil não apareceram. Sem clube, sem ter onde morar, foi parar em um abrigo – do qual teve que sair em 2019, ao completar 18 anos. Chegou a passar por testes, mas durou pouco em cada um deles por problemas diversos – da pandemia de Covid-19 às lesões.
Precisou buscar sustento fora do futebol. Em São Paulo, Abdoul se dividia entre as madrugadas vendendo roupas no centro e os bicos como modelo fotográfico. Com o dinheiro, pagou por uma operação para recuperação de uma lesão de ligamento no joelho.
Até que, em 2023, veio a grande chance: foi contratado por três meses para defender o Santa Fé na Série A3 do Campeonato Pernambucano. Passou a morar no alojamento do clube, com cama e armário próprios e todas as refeições. Tudo parecia um sonho.
Mas a carruagem virou abóbora de novo.
Em 14 de outubro, o Santa Fé estreou na Série A3 com vitória por 1 a 0 sobre o Serrano. Mas Abdoul não estava em campo: nove dias antes, sofreu uma lesão de ligamento cruzado anterior do joelho direito. O jogador havia acabado de assinar contrato com o clube, mas precisou adiar novamente a estreia como profissional.
Abdoul não sabe se vai voltar a jogar. O Santa Fé informou não ter condições de custear a cirurgia, que precisou ser feita pelo SUS em abril de 2024, já meses depois da competição. Depois da intervenção, foi diagnosticado com uma infecção, passou 37 dias hospitalizado, passou por mais três cirurgias e precisou retirar o ligamento do joelho direito, realizando um enxerto ósseo.
O jogador recebeu salários do clube até dezembro de 2023, quando o contrato entre as partes se encerrou. Após a alta hospitalar, Abdoul foi para a casa de um amigo em Pernambuco e alega ter precisado arcar do próprio bolso com a fisioterapia. Por fim, voltou a morar em São Paulo.
A lesão interrompeu a carreira de Abdoul. Em junho de 2025, com o apoio do advogado Lucas Silva de Oliveira, foi à Justiça para processar o Santa Fé, cobrando indenização por danos morais, direito a estabilidade por acidente, pagamentos de salários (vinculados ao período de estabilidade acidentária), do seguro empregatício contra acidentes de trabalho e do pagamento do FGTS, que não teria sido depositado ao longo do contrato.
A ação também pedia a realização de uma perícia médica “para se determinar se o reclamante encontra apto para realização de suas atividades”, e o pagamento dos honorários do advogado, uma vez que Abdoul declarou na ação “não possuir condições financeiras de arcar com os ônus da presente demanda sem prejuízo de seu próprio sustento ou da sua família”.
Ao todo, Abdoul pedia R$ 87.059,00 ao Santa Fé. As partes passaram por uma primeira audiência em 20 de agosto, mas não houve acordo. Uma segunda audiência deve ser marcada.
A reportagem entrou em contato com Josiel Crispim, presidente do Santa Fé, que lamentou essa “história esquisita do Abdoul”.
“Foi uma surpresa extremamente triste para mim, depois de tudo que eu fiz por esse menino”, disse o dirigente em mensagem de áudio enviada ao Última Divisão.
Segundo Crispim, o clube ofereceu todo o auxílio ao jogador, mesmo após a lesão.
“Não é correto, não é legal, não é justo. Esse cara chegou aqui em tráfico humano, me pediram para acolher esse menino que estava no meio da rua. Acolhi esse garoto aqui como um filho, cuidei dele”, disse Crispim em tom de desabafo.
“Ele se lesionou, e mesmo lesionado eu contratei esse cara, paguei o salário dele, sustentei ele de alimento, de tudo. Fiz as cirurgias dele, comprei os equipamentos, pino, consegui doação de muleta, levei ele para a melhor clínica de fisioterapia do estado, tudo gratuito, passagem para ele voltar para São Paulo de avião… É muito injusto, cara.”