Os jantares no carro, a motinha do pai, o tabu da altura: a história de Ricardo Velho | OneFootball

Os jantares no carro, a motinha do pai, o tabu da altura: a história de Ricardo Velho | OneFootball

In partnership with

Yahoo sports
Icon: Zerozero

Zerozero

·19 September 2024

Os jantares no carro, a motinha do pai, o tabu da altura: a história de Ricardo Velho

Gambar artikel:Os jantares no carro, a motinha do pai, o tabu da altura: a história de Ricardo Velho

Ricardo Velho tem sido um dos nomes mais cogitados do futebol português nos últimos meses. O melhor guarda-redes da Liga Portuguesa em 2023/24 assinou uma masterclass diante do FC Porto no passado fim de semana, tal como já se havia mostrado a grande nível diante de Benfica e Sporting na temporada transata.

A exibição monumental no Dragão e a recente possível transferência para a Luz - que acabou por não se concretizar - deixaram água na boca para conhecer melhor o guardião de 26 anos. E quem melhor para falar sobre Ricardo, nesta viagem às suas origens, do que o próprio pai?


Video OneFootball


O zerozero conversou com Mário Augusto, progenitor do guarda-redes, mas também convidou José Carvalho Araújo, ex-treinador, e Rafael Defendi, antigo colega nos Leões de Faro.

«Cheguei a levar os dois miúdos de mota»

Mário Augusto Velho, pai de Ricardo, está «a viver um sonho». As primeiras palavras ao zerozero revelam o quão especial está a ser o momento de Ricardo para a família. «Foi uma luta, os meus três filhos jogaram futebol», inseriu rapidamente Mário. Ricardo, João e Jorge - três irmãos, com diferença de sete anos do mais novo para o mais velho.

Amavelmente, começou a abrir o livro sobre a infância dos filhos: «Sabe, o Ricardo, quando era pequeno, não gostava de futebol. Uma vez fomos os cinco ver uma Supertaça, a Leiria. A mãe ficava no carro e nós íamos ao jogo. O Ricardo pediu para o levar à mãe ao intervalo porque não gostava de ver o jogo (risos)», começou por dizer Mário. «O irmão mais velho era guarda-redes e ele pediu para ir para o futebol por causa dele. Eu também ia à baliza nos torneios de futebol de salão e ele acompanhou-me sempre.»

Quando a paixão pela baliza começou a ser sério, Mário contratou um treinador de guarda-redes para evoluir os seus dois mini-guardiões: «O mister Zé Alves começou  a treinar com o Ricardo e o Jorge. Também foi ele que o incentivou a ganhar gosto pela posição. Uma vez, na Rodovia, em Braga, o mister pôs o Ricardo de castigo, encostado ao poste a olhar para o treino. Ele portou-se mal e ele disse-lhe: "Oh meu filho da p***, vais aprender". O homem era assim destravado, mas os rapazes gostavam de treinar com ele», contou o pai, entre risadas.

Ricardo começou na EF Fernando Pires, com os dois irmãos, e depois, aventurou-se mais longe de casa. Vitória SC, FC Porto, Salgueiros e Trofense: tudo isto antes dos 13 anos e sempre acompanhado por João, o irmão do meio.

«Deixava o Ricardo no Olival e vinha para o Salgueiros com o João. Via o treino, porque no Porto não deixavam e ia buscar o Ricardo. Nas horas vagas ia buscar frangos para eles comerem no caminho para casa e depois estudarem. O carro era o escritório deles», confessou Mário. «Estive três anos a ir todos os dias de Arnoso (Famalicão) para o Porto, foi sempre uma vida louca. Depois vieram para a Trofa porque era mais perto», acrescentou.

No FC Porto, Ricardo Velho esteve dos 9 aos 11 anos. A distância, o cansaço e a meninice ajudaram a apressar a separação. Arnoso era longe de mais da Cidade Invicta.

Os tempos não eram fáceis, mas Mário sempre tentou fazer tudo pelos «seus meninos», o que também levou algumas estórias inusitadas: «Para a Trofa, até chegava a levar os dois miúdos de mota. Passávamos uma ponte que só dava para passar a pé e de bicicleta, para fugir ao trânsito em hora de ponta. Era uma borga! Foi uma vida bonita. Custou-me, mas ele sempre foi um miúdo dedicado. Foi uma luta minha, uma luta para os irmãos. É um orgulho», concluiu.

«Outros tinham mais estampa física, mas não eram tão bons»

Em nove anos de SC Braga, nenhum treinador apostou tanto em Ricardo Velho como José Araújo. Em duas temporadas foram 48 jogos, divididos entre sub-19 e equipa B. Sobre o guardião, apenas palavras de apreço.

«Encontrei-o nos júniores e depois nos sub-23. Já era um jovem adulto, um homem, aliás. Sempre teve uma grande maturidade e uma grande capacidade de trabalho, algo que é inerente à maior parte dos miúdos que têm sucesso. Não teve um percurso fácil no Braga, muito pela sua altura. Como não tinha 1,90m, foi ultrapassado por outros que tinham mais estampa mas não eram tão bons, principalmente quando chegou à equipa B», assumiu o ex-treinador, que agora se dedica à área empresarial.

O preconceito com a altura em Braga levou-o para Faro, passo que José classifica como corajoso: «Faltou a oportunidade em Braga, mas ele mostrou o seu carácter e a vontade de querer assumir. Estava na Academia do Braga, num contexto que lhe era muito favorável e decidiu sair da zona de conforto. É de valorizar essa coragem. Apanhou guarda-redes experientes, soube esperar e desde que agarrou o lugar, nunca mais o largou.»

«Com 26 anos, acho sempre que é importante jogar. A vertente financeira é importante, mas ele tem qualidade para ser mais do que suplente. Falou-se do Benfica, mas acho que foi melhor para ele ficar e sair para um sítio onde tenha mais hipóteses de jogar», concluiu, sobre um futuro passo na carreira.

A calma no começo para depois colher os frutos

Quando chegou a Faro, com 22 anos, Velho encontrou um balneário com muita experiência, no que a guardiões diz respeito. Defendi, Hugo Marques e mais tarde Beto, que chegou quando os dois primeiros se lesionaram. Para Velho... zero minutos.

«Sempre foi muito bom, mas ainda não tinha ritmo de jogo para assumir. Se estivéssemos a meio da tabela era diferente, mas estávamos com a corda no pescoço. Podia ser a morte dele. Ele estava preparado, mas mentalmente podia afetá-lo», disse Defendi sobre esse momento.

Na temporada seguinte, na II Liga, foi diferente. Ricardo Velho e Defendi foram dividindo a baliza, momento que até aproximou os dois colegas: «Eu comecei a época a jogar e quando ele entrou tentei ajudá-lo de todas as formas, da mesma forma que ele me ajudou quando eu voltei. Tínhamos um afeto e um carinho grande um pelo outro, algo que atualmente é difícil, e foi bom para os dois. Conseguimos exigir muito um do outro nos treinos, era sempre muito intenso.»

«Vi o Velho de perto durante três anos e a evolução foi gigante, principalmente em termos técnicos e mentais. A parte mental acho que é o que mais distingue um bom guarda-redes. Tem frieza e concentração de topo, vai atingir grandes voos e jogar em grandes clubes de certeza», disse Defendi. «Estou muito feliz pelo momento dele, falei com ele no outro dia e disse-lhe que estava a colher os frutos daquilo que plantou», completou.

Seleção? A opinião é unânime

Estará Ricardo Velho às portas da seleção? José Mota diz que a chamada já peca por tardia e que não lhe tem sido dada a devida valorização. Os nossos entrevistados corroboraram da opinião, apontando até uma data para o acontecimento.

«A seleção? Era maravilhoso... Até fico emocionado a pensar nisso, é um desejo e o fruto do trabalho dele. Tentava sempre dar o melhor, apesar das dificuldades. O tempo que passámos juntos nas viagens é inesquecível, vivemos momentos lindos», confessou o pai, emocionado.

Já Defendi, mais comedido, afirma que o importante é viver o presente. «Uma coisa de cada vez. Tem de continuar a fazer uma boa época, nem sei se ele vai acabar no Farense, mas vai chegar à Seleção. Pelo menos nos próximos dois anos.»

Depois da hercúlea temporada transata, a época não começou de feição para o Farense, o que não tem impedido Velho de brilhar a grande altura. Resta saber onde a vida o levará, ficando a certeza de que é merecedor de uma montra mais apetrechada.

Dos frangos improvisados nos jantares em andamento, à motinha do pai partilhada por três pessoas, uma história claramente de superação e afirmação. Velho, nome próprio para as balizas.

Lihat jejak penerbit