Mundo Rubro Negro
·20 November 2024
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·20 November 2024
O dia 20 de Novembro, Dia da Consciência Negra, é muito mais do que um feriado, muito mais que uma celebração, muito mais que uma reflexão.
Significa conscientização, reparação histórica, compreensão das consequências monstruosas da escravidão e das violências sofridas pelos afrodescendentes desde então.
Hoje ainda, nascer mulher, preta e pobre significa sofrer uma tripla discriminação (Benilda Paiva Regina de Brito). Imagina nos anos 50?
Foi quando a Maria Boreth de Souza nasceu.
Muitos conhecem ela, sempre vestida de Flamengo da cabeça aos pés, que seja na arquibancada ou na Gávea.
Mas poucos conhecem sua história. História recheada de dura realidade, simbolismo e uma pitada de milagre.
Maria não conheceu seus pais. Uma família branca a adotou quando era bem pequena, aqueles que ela chama de padrastos. Mas ela não foi adotada como filha. Foi adotada para ajudar nos serviços de casa. Sem remuneração. Uma adoção para maquiar a escravidão. Afinal, ela era menina, preta e pobre. Tinha mais é que agradecer pela oportunidade.
Desde muito pequena começou a ajudar, limpar, arrumar, descascar. E quando seus dedos miúdos quebravam algo ou não davam conta do serviço, era espancada.
Afinal, ela era menina, preta e pobre. É assim que essa gente é educada.
Quando Maria cresceu um pouquinho mais e seu corpo começou a mudar, aos 7 anos, a violência física tomou outra dimensão. Seu padrasto passou a fazer coisas cujo significado ela só entendeu muito tempo depois.
Afinal, ela era menina, preta e pobre. Essas coisas não eram tão incomuns nem tão mal vistas naquela época.
E mesmo assim…
Espancada e violentada com frequência, a pequena Maria aos 7 anos cometeu seu primeiro grande ato de resistência. O desespero e a coragem a levaram a fugir de “casa”. E durante 10 anos morou na rua, fazendo pequenos trabalhos, comia o que podia, dormia onde conseguia, se banhava nas fontes da cidade, cidade que ela conhecia como ninguém, cada canto, cada campo. Adorava jogar pelada, ja era torcedora apaixonada pelo Flamengo, e sua única roupa era um manto bem surrado.
Até que…
Uma noite, véspera de Natal, ela adormece em um ônibus. O motorista acorda a Maria, no ponto final, Quintino, explicando que era seu último turno, e pergunta se ela tem para onde ir. Ela responde que mora por perto. Ela sai e anda a esmo, até encontrar um banco onde ela deita. Na frente, uma casa de onde sai a Dona Matilde perguntando se ela está com fome. Maria espera na varanda, aguardando uma quentinha. Mas é convidada para dentro.
Toda envergonhada, tenta arrumar sua camisa desgastada e fica no cantinho, comendo. Os convidados se retiram aos poucos, e ela faz o mesmo. Agradece e se despede. Mas é convidada a ficar. Ela dorme no local. Acorda de manhã com as crianças querendo tomar achocolatado e brincar. E nesta casa ficou. Foi assim que a Maria conheceu a família Antunes Coimbra, e foi apelidada carinhosamente de Ziquinha e irmãzinha pelo próprio Zico. Ele deu para ela uma casa em Quintino anos depois, que ela pintou com as cores do Flamengo.
A pequena Maria, menina, preta e pobre, que preferiu a liberdade e a sobrevivência nas ruas às violências reiteradas daqueles que deveriam cuidar dela, foi acolhida e amada pela família do maior ídolo do maior Clube das Américas. Ela se tornou uma referência para a torcida, é reverenciada, entrevistada, enaltecida.
Se tornou Dona Zica.
Símbolo de resistência, de luta, de torcedora, de mulher preta empoderada.
O retrato do Flamengo.
O retrato da Consciência Negra.