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·15 Mei 2025
Meninos do Ninho: MP pede condenação por incêndio culposo, mas será só isso mesmo?

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·15 Mei 2025
No dia 8 de fevereiro de 2019, o Flamengo viveu a maior tragédia de sua história. Bem longe da tradicional sede na Lagoa, a dor explodiu em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio, no terreno comprado em 1984 pelo então presidente George Helal, onde foi erguido o que viria a ser o maior centro de treinamento das Américas.
Tudo começou em 2012, quando contêineres passaram a ser usados como dormitórios e vestiários. Em 2016, com a conclusão do primeiro módulo do CT profissional, os contêineres passaram a servir exclusivamente à base. Já em 2018, o segundo módulo - moderno e com estrutura completa de alojamento, musculação, fisioterapia, refeitório e imprensa - foi finalizado, mas ainda não inaugurado oficialmente.
A inauguração simbólica veio em 30 de novembro de 2018, com festa, fogos e presença da imprensa. Era reta final de mandato de Eduardo Bandeira de Mello, que lançava Ricardo Lomba como seu sucessor. A promessa era simples: em 2019, os garotos da base deixariam os contêineres e passariam a dormir no novo módulo.
Mas o que era para ser um novo capítulo virou um pesadelo.
Às 5h da manhã do dia 8 de fevereiro, um curto-circuito em um ar-condicionado iniciou um incêndio devastador. Os contêineres ainda estavam lá. Não havia rota de fuga eficiente. Dez adolescentes morreram. Três sobreviveram, com ferimentos graves. O Corpo de Bombeiros chegou ao local 30 minutos após o início do fogo.
Faleceram:
Sobreviveram:
Seis anos depois, no Dia das Mães de 2025, o Ministério Público do Rio de Janeiro apresentou memoriais pedindo a condenação de sete envolvidos por incêndio culposo. Os denunciados:
Segundo o MP, mesmo sem alvará do Corpo de Bombeiros e com inúmeras autuações, o CT seguia operando clandestinamente. Além disso, os contêineres tinham portas de correr emperradas, janelas gradeadas, material inflamável sem tratamento antichamas e nenhum sistema de combate a incêndio.
Mas será mesmo que tudo se resume a um incêndio culposo?
A minissérie da Netflix “O Ninho: Futebol e Tragédia” trouxe à tona uma troca de e-mails que, a meu ver, deveria mudar o enquadramento jurídico do caso. No episódio “Pesadelo”, aos 28min45s, o jornalista Pedro Ivo Almeida apresenta um e-mail de 12 de maio de 2018, enviado à diretoria do CT com o assunto: “Inspeção CT”.
Ali estava escrito, com todas as letras:
“A situação é de alta relevância e de grande risco. Há problemas de fiação, disjuntores e no quadro elétrico atrás do alojamento da base.”
A resposta do diretor? Um verdadeiro manifesto da omissão:
“As irregularidades não serão tratadas no momento. Como o local será demolido até o fim do ano, qualquer fiscalização deverá ser encarada como risco calculado.”
O próprio promotor, na matéria jornalística, confirma: os e-mails eram de conhecimento dos diretores, e mesmo assim optaram por não agir. Isso, para mim, configura dolo eventual, não mera culpa.
O mais surpreendente é que mesmo diante da reportagem, os nomes citados nessa troca de mensagens não constam entre os réus no processo.
Não se trata de vontade de matar, mas sim de assumir o risco de matar. O dolo eventual exige exatamente isso: a consciência de que um resultado trágico pode ocorrer — e, ainda assim, seguir em frente.
Se havia conhecimento técnico, advertência formal e uma decisão deliberada de ignorar o risco, não há como tratar esse episódio como “mera negligência”.
E o mais grave: os destinatários desses e-mails sequer foram denunciados.
Entendo que o processo é extenso e complexo. Não tive acesso aos autos, falo com base na cobertura da imprensa e na minissérie. Mas se o Ministério Público ignora a prova mais robusta de que havia conhecimento do perigo, estamos diante de uma justiça parcial — e, portanto, falha.
As famílias queriam respostas, não só acordos. O Brasil merecia mais do que uma condenação simbólica por incêndio culposo. O que houve no Ninho do Urubu foi mais do que uma tragédia: foi a soma de alertas ignorados, riscos assumidos e consequências devastadoras.
Que nossos Meninos do Ninho nunca sejam esquecidos. E que a verdade não seja abafada.