Áustria, o adeus a Bobby Robson e o acidente de <i>Cherba</i>: «Pior período que vivi no clube» | OneFootball

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·22 Oktober 2024

Áustria, o adeus a Bobby Robson e o acidente de <i>Cherba</i>: «Pior período que vivi no clube»

Gambar artikel:Áustria, o adeus a Bobby Robson e o acidente de <i>Cherba</i>: «Pior período que vivi no clube»

Esta terça-feira, em duelo a contar para a Liga dos Campeões, o Sporting regressa à Áustria, um país inimigo da felicidade leonina. A vitória conquistada na temporada passada - a única em território austríaco - não apaga o registo negativo: oito jogos, cinco derrotas. Neste artigo, remexemos nas gavetas da memória e recordamos o Casino Salzburg - Sporting, de 1993, pela boca dos que o jogaram.

O motivo, caro leitor? Esta foi, provavelmente, a viagem mais marcante que o leão fez até à Áustria. Um autêntico ponto de viragem na história do Sporting Clube de Portugal. O clube entrou para o avião como líder do campeonato português e regressou a Lisboa - reza a lenda - sem treinador e - dali a dias - com menos um jogador.

A história foi conturbada, trágica, infeliz... Para a contarmos com a maior exatidão e rigor possível, o zerozero deu voz a três jogadores que foram titulares na segunda mão dessa eliminatória de Taça UEFA: Nélson, Stan Valckx e Emílio Peixe.


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1993/94? Só faltaram os títulos

Depois da época de estreia, a segunda temporada de Sir Bobby Robson em Alvalade tinha tudo para correr bem. Luís Figo era o menino bonito da academia, Paulo Sousa tinha acabado de trocar de emblema na Segunda Circular e a dupla búlgara - Ivaylo Iordanov e Krasimir Balakov marcava uma geração...

Um plantel jovem, mas mais habituado às exigências de um grande. Ambicioso e pronto para lutar por um título que fugia desde 1981/82.

«Havia uma simbiose muito boa entre equipa, resultados e adeptos. Tínhamos sempre o estádio cheio. Foi um ano de muitas expectativas que, infelizmente, se viram goradas na reta final», notou Nélson.

«Fazíamos bons jogos, bons espetáculos, com golos e qualidade, mas faltou-nos sempre mais qualquer coisa para chegar aos títulos», admitiu Emílio Peixe.

O desfecho da temporada, já sabemos, não foi positivo para o leão. Ainda assim, à data do Casino Salzburg - Sporting, tudo parecia bem encaminhado. Os três jogadores contaram como se sentia o plantel leonino à entrada para essa transformadora eliminatória.

«Para mim, era uma equipa algo desconhecida. Por isso, do nosso ponto de vista, o Casino Salzburg era para eliminar», recordou Nélson, numa ideia também defendida por Stan Valcxx: «Éramos uma equipa muito melhor do que o Casino Salzburg, mas parece que algo correu mal (risos).»

Por outro lado, Emílio Peixe preferiu salientar a campanha positiva realizada pelo conjunto austríaco: «O Casino Salzburg também tinha jogadores de qualidade. Se não estou em erro, até chegaram às meias-finais dessa Taça UEFA [chegaram até à final]. Portanto, muito mérito deles também, mais do que demérito do Sporting.»

Após uma vitória tranquila na primeira mão (2-0), nada fazia prever o desfecho do segundo jogo (3-0).

«Criámos mais oportunidades, tivemos umas bolas nos postes, mas não marcámos. Além disso, em Salzburgo, o campo estava congelado. Não foi nada fácil de jogar. Lembro-me, inclusive, de um golo em que o Costinha se atira para defender a bola e, devido ao campo congelado, a bola bate à frente dele e muda a trajetória. Parece tonto, mas aconteceu. Foi um daqueles jogos em que parecia que não estávamos destinados a ganhar. Não sou muito crente, mas parecia mesmo que a sorte não queria nada connosco», lamentou Stan.

«Fomos bastante surpreendidos. Foram extremamente agressivos. As condições climatéricas foram extremamente adversas porque nevava. Foi o único jogo em toda a minha vida em que joguei com collants. Aliás, não sei se joguei ou treinei, mas sei que houve colegas que jogaram de collants», confidenciou Nélson.

O adeus ao gentleman, um tiro no pé

Uma derrota surpreendente e uma consequente eliminação das competições europeia fazem tremer qualquer treinador. Contudo, a situação do Sporting estava, aparentemente estabilizada. Pelo menos, na ótica dos jogadores e de quem via de fora. Para o presidente Sousa Cintra, no entanto, era o momento certo para despedir Sir Bobby Robson.

Os três jogadores entrevistados afirmaram não notar o episódio que corre de boca em boca- o treinador inglês terá sido despedido no avião, em frente de todos. Contudo, confirmaram o choque que foi para todo o plantel ao receber a notícia do despedimento.

«No avião já circulava o rumor, mas foi só um rumor. Contudo, no dia a seguir ficou claro de que era mais do que um rumor. Foram momentos de demasiada emoção. Estávamos bem, tínhamos uma boa equipa, bons jogadores e, tirando a eliminação, estava tudo a correr bem. Não havia necessidade», constatou o defesa neerlandês.

«O despedimento foi tratado no próprio dia entre dirigentes e equipa técnica, mas nós só soubemos da situação no dia seguinte. Impactou-nos bastante. Era algo com que não estávamos a contar, não havia razão nenhuma para isso acontecer, até porque as exibições eram esclarecedoras e estávamos no primeiro lugar... Foi uma decisão a quente», aprofundou e reforçou o defesa português.

«Foi um momento menos feliz do presidente. Devido a muita pressão exterior, deixou-se levar pela emoção... O Bobby Robson estava a fazer um excelente trabalho e era, sem dúvida nenhuma, o treinador indicado para a equipa jovem que o Sporting tinha», finalizou o médio.

No documentário Bobby Robson - More Than A Manager, José Mourinho fala sobre a morte do treinador inglês e, num tom calmo e tranquilo, diz assim: «Uma pessoa só morre quando a última pessoa que a ama morre também.»

Nesse sentido, Bobby Robson certamente ainda deve viver. Os três ex-jogadores entrevistados dirigiram palavras ao treinador e salientaram, sobretudo, o «orgulho», «prazer» e «privilégio» que foi trabalhar com o gentleman inglês.

«Foi uma experiência única. Ser treinado pelo senhor Bobby Robson foi fantástico. Ele tinha uma perspetiva do treino e da relação com os jogadores muito próxima, diferente de tudo o que já tinha vivenciado. Na altura, o treinador tinha de ser uma figura muito rigorosa, de muita disciplina e sempre com o chicote na mão. Bobby Robson veio mostrar que existiam outras formas de liderar», reavivou Emílio Peixe.

«Uma lufada de ar fresco. Pelo seu carisma, forma de ser, experiência... Conseguiu trazer esperança ao Sporting. O Sporting via-se sempre arredado da luta pelo título muito cedo e nesse ano foi diferente, o que trouxe muita ilusão ao clube. Era muito frontal, direto, objetivo. Não enrolava, ia direto ao assunto e todos percebíamos muito bem o que pretendia. Lembro-me de uma vez em que reclamei por ser suplente, mostrei a minha insatisfação; ele percebeu, chamou-me ao balneário, tivemos uma conversa franca, sem problemas nenhuns, ultrapassámos aquilo como dois profissionais e não foi por isso que me colocou a jogar menos ou mais», contou Nélson.

Do desaire ao erro... até à tragédia

«Foi o pior período que vivi pelo Sporting». Foi esta a reação de Stan Valckx ao que veio a seguir. Os leões foram eliminados da Taça UEFA, perderam o treinador adorado por toda a equipa e, sem fazer prever, ficaram sem uma das maiores promessas do plantel.

Sergey Cherbakov, após o jantar de despedida de Bobby Robson, sofreu um acidente de viação que o atirou para os cuidados intensivos. Ficou paraplégico para toda a vida.

«Foi um pesadelo absoluto e eu lembro-me bem... Tivemos o jantar de despedida do Bobby Robson, em Cascais. Depois desse jantar, convidei os jogadores para minha casa porque vivia perto do restaurante - ainda foram uns quantos. Depois, o Cherbakov decidiu ir até Lisboa.

Na manhã seguinte, recebi uma chamada de uma secretária do Sporting; disse-me que tinha de ir ao hospital ver o Cherbakov. Fui ao hospital e vi-o. Falei com o doutor e, na altura, o Cherba ainda não sabia que ia ficar paraplégico... Foi desolador, verdadeiramente horrível», continuou o neerlandês.

«Depois do jantar, cheguei a ir a casa do Stan. Estava ele, a esposa, o senhor Bobby Robson, o Cherba... Sabíamos que o Cherba, por estar sozinho e longe da família, tinha alguns comportamentos normais para o cidadão comum, mas não tanto para um jogador profissional», acrescentou Emílio Peixe.

«Foi muito violento receber a notícia. Aqueles tempos após o acidente - nomeadamente no jogo a seguir, que fomos jogar à Luz e perdemos 2-1 - foram muito complicados. Ainda assim, quando visitávamos o Cherba, ele estava sempre muito mais tranquilo do que nós, muito mais otimista. Fazia parte do seu carácter e forma de estar. Deu-nos umas lições de vida muito importantes ao longo desses tempos», completou o antigo médio, melhor jogar do Mundial de sub20 de 1991.

Passado para trás. E o presente?

O passado exige respeito, mas a influência no presente é praticamente nula. Em 2024, quase 30 anos depois, a história é completamente diferente. O adversário é outro e o Sporting, ainda que à procura do título e novamente bem colocado para o conquistar, parte para a Áustria como campeão nacional.

Por isso, as lendas do passado debruçaram-se sobre o Sporting do presente e anteviram a partida diante do Sturm Graz.

«Se pudesse ser como foi no ano passado já não estava mau. O mais importante é a vitória, seguramente. O Sporting tem equipa e condições para se impor na Áustria. Com todo o respeito pelo adversário, tem de estar sempre alerta, mas tem tudo na mão para conquistar mais três pontos. Era muito importante para o Sporting e para futebol português», salientou Nélson.

«O Sporting criou uma dinâmica de vitórias muito forte. É, aos olhos portugueses e europeus, uma equipa muito bem treinada, com jogadores jovens a despontar. Portanto, toda e qualquer equipa europeia que defrontar o Sporting terá, certamente, dificuldades. Acredito que o Sporting, com maior ou menor dificuldade, vencerá este jogo» finalizou Emílio Peixe.

Em 1993, os leões embarcaram numa maré de azar no pós-Áustria. Em 2024, cabe a Rúben Amorim e companhia fazer diferente, dar início a uma onda de sorte e, quiçá, escrever uma nova página dourada na história leonina.

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