Ilha das Caraíbas vai estar representada na Europa: «No começo ninguém nos levava a sério» | OneFootball

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·17 de junio de 2025

Ilha das Caraíbas vai estar representada na Europa: «No começo ninguém nos levava a sério»

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Ser o primeiro a alcançar algum tipo de feito no futebol é considerado especial e o abrir de portas de forma a desvendar patamares mais altos. Desta feita, o zerozero convida-o, caro leitor, a conhecer a pequena e pacata ilha de Bonaire e um dos jogadores do modesto emblema escocês do Dundee United - Jort van der Sande.

Com uma população de, sensivelmente, 25 mil habitantes, o pequeno território situado no mar das Caraíbas terá, pela primeira vez na sua história, um atleta a disputar competições europeias. Mais conhecida pelo turismo e serenidade dos dias, a ilha ao largo da costa da Venezuela tem um estatuto especial, enquanto parte integrada dos Países Baixos.


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Para compreender melhor o feito alcançado na Escócia e as sensações, emoções e estilo de vida deste território neerlandês, o nosso portal contactou Jort van der Sande. Embarque connosco nesta visita guiada, até ao paraíso de Bonaire.

Da segunda divisão à Europa

A realizar a primeira época fora dos Países Baixos, Jort van der Sande ingressou no recém-promovido Dundee United, campeão da II Liga da Escócia no ano anterior. Depois de ter alcançado a elite do futebol escocês, a formação orientada por Jim Goodwin alcançou o playoff de campeão da principal divisão de futebol do país, na companhia de emblemas históricos como Aberdeen, Rangers ou Celtic.

Mas o sonho não se ficou apenas com a manutenção garantida. Em boa posição para voltar a participar em competições europeias, the terrors venceram o Aberdeen na última jornada e garantiram, de forma emocionante, a qualificação para as pré-eliminatórias de acesso à Liga Conferência.

Findada a temporada desportiva para o conjunto de Dundee, Jort van der Sande viu o seu nome impresso na história do futebol de Bonaire, uma vez que se tornou no primeiro atleta da região a alcançar competições europeias. Com participação em 35 embates na turma escocesa, o avançado acumulou pouco mais de 1000 minutos ao serviço de Jim Goodwin.

Poderá ser considerada, por alguns, como abaixo das expetativas, mas tal questionamento não impede a nova página dos livros de história e, sobretudo, as emoções inerentes ao espetáculo do futebol.

Oriundo do ADO Den Haag, da segunda divisão dos Países Baixos, o jogador de 29 anos tem vivido grandes acontecimentos nos últimos meses. Um dos que melhor recorda é a da vitória frente ao Hibernian, pela margem mínima, onde viveu um dos momentos mais apoteóticos da sua carreira.

«Entrei perto do fim, quando estávamos a perder por 1-2 e pouco depois empatámos. No último segundo do jogo, fizemos o 3-2, houve uma invasão de campo e todos ficaram surpresos. O Hibernians é uma grande equipa na Escócia e vencemos aquele jogo quando estávamos a perder a 20 minutos do final. Penso que essa foi a melhor experiência que vivi», referiu o neerlandês.

Das Caraíbas para o mundo

Com 29 anos, o atleta de dupla nacionalidade nasceu e passou a maioria da sua vida na Europa, mais concretamente nos Países Baixos. Todavia, as vivências da sua infância, em Bonaire, marcaram de forma especial o imaginário de Jort van der Sande, que deu os primeiros passos no futebol na ilha paradisíca e que viu o talento desabrochar no continente europeu.

«Mudei-me para Bonaire quando tinha dois anos e estive na ilha durante cinco anos. Os meus pais são professores e mudaram-se para lá, para dar aulas, então a minha primeira experiência como ser humano foi aí. Os meus primeiros anos de juventude e a totalidade das minhas primeiras memórias são da ilha: aprender a nadar, escola, primeiros torneios de futebol. Recordo-me muito bem», revelou.

Num território que tem como desporto rei o futebol, a pequena ilha revela-se um verdadeiro «paraíso para mergulhadores». Reconhecida pelo turismo, e não tanto pelo aspeto futebolístico, Bonaire apresenta condições ímpares para os mais aventureiros, que podem percorrer «de carro em menos de uma hora» toda a região, que vive de forma «tranquila» o seu dia a dia.

Ainda que seja uma antiga colónia dos Países Baixos, o ponta de lança explicou que existe uma relação «muito específica», mas «boa» com o país europeu. Todavia, a região permanece demasiado «dependente» dos fundos que recebe para se desenvolver, o que impede o reconhecimento oficial da FIFA.

Com uma distância de quase oito mil quilómetros e viagens de avião que podem ultrapassar as nove horas de duração, as condições de espera e transporte não assustam os mais familiarizados com o processo.

«Muitas pessoas estão acostumadas pois têm família nos dois países. Acho que elas já estão acostumadas, mas, para mim, um voo de nove horas é muito longo. Agora faço com frequência, então fica cada vez mais fácil», esclareceu.

«Pensei: 'deixámos a ilha orgulhosa'»

Em relação ao futebol praticado na região, a espetacularidade ou o grande mediatismo não fazem parte do vocabulário de Bonaire, onde o estádio nacional tem uma lotação máxima de, sensivelmente, três mil lugares. Ainda assim, a ilha sente e vive as emoções e paixões deste desporto na «pequena aldeia», onde «todos se conhecem», tal como qualquer zona do globo vive os seus campeonatos e provas.

«Não é uma liga profissional. Jogam uma vez a cada duas semanas porque não têm muitos campos e a diferença entre as melhores equipas e as piores é enorme. Às vezes acompanho os resultados do campeonato, nas redes sociais, e vejo algo como 15-0, 12-0», explicou.

«São, atualmente, onze equipas e para uma população de 20 mil pessoas é imenso. Penso que o maior clube da ilha seja o SV Real Rincon, que é de uma pequena cidade, com dois mil habitantes, mas têm bastantes adeptos. Quando jogam têm, por vezes, mil pessoas a assistir à partida. Os outros clubes não têm praticamente adeptos, apenas algumas pessoas que vivem na vizinhança», completou.

Mesmo tendo um nível pouco desenvolvido no futebol, Bonaire assumiu o risco de criar a própria seleção nacional e contactou Jort van der Sande, que não hesitou na decisão: «Foi muito fácil de decidir. Eu nunca me imaginei a jogar pela seleção neerlandesa e tinha bastantes amigos na ilha que perguntavam 'não podes jogar por Bonaire?', e eu pensava, 'acho que posso, mas não têm uma equipa'. Nessa altura ainda não faziam parte da CONCACAF.»

Numa formação que integra mais de 50 por cento de jogadores de equipas locais, o atleta assumiu que ser um dos poucos jogadores em contexto profissional ligou muito o seu nome à própria região: «Muitas pessoas, especialmente aqui da Escócia, não sabem nem conhecem Bonaire. Não faziam ideia do que era. Agora dizem 'Bonaire, um dos nossos jogadores é de lá'.»

A viver um contexto completamente diferente entre clube e seleção, o avançado revelou que joga em «diferentes condições»: temperaturas elevadas, estádios «praticamente sem relvado» e embates sem a presença de adeptos. Perante tal realidade, o jogador prefere olhar para o copo meio cheio, antes de revelar as rivalidades existentes entre ilhas vizinhas.

«O nosso estádio tem capacidade para duas mil pessoas e por vezes está praticamente cheio. Dez por cento de toda a população da ilha a assistir a um jogo é algo muito raro», apontou.

«Se tivesse de dizer uma rivalidade, diria que a maior é com Curaçau. Ainda que tenha uma equipa melhor, com vários jogadores em campeonatos profissionais, Curaçau é como um irmão mais velho que queremos vencer e nós somos ainda uma criança, no mundo do futebol», comparou.

Com mais de 150 mil habitantes, Curaçau é uma das ilhas do mar das Caraíbas que se encontra mais próxima de Bonaire. Separado do vizinho pela imensidão do azul do mar, a região continua a dar os primeiros passos no futebol, mesmo sem a presença de adeptos nos jogos fora de portas, devido às grandes distâncias e viagens necessárias, porém, esse facto não impede a existência de momentos emocionantes.

«Jogámos frente a El Salvador, um grande país que já participou em Mundiais. Dava para sentir o estádio a pensar: 'vão conseguir um bom resultado'. Eles estavam a ganhar 2-0 e eu marquei no último minuto. Não foi nada demais, mas dava para sentir a positividade na ilha depois disso», recordou.

«No começo ninguém nos levava a sério e diziam 'Bonaire vai criar uma seleção, mas não são suficientemente bons, vão perder todos os jogos'. Depois daquele jogo todos ficaram mais positivos e pensei: 'deixámos a ilha orgulhosa'», concluiu.

«Era a minha estreia na seleção e tínhamos de ir a um festival»

Recentemente aprovado como membro da CONCACAF, Bonaire disputa a Nations League da confederação. Na primeira concentração que integrou, Jort van der Sande revelou ter ficado admirado com a diferença de «plano» em relação aos clubes por onde passou na carreira e confidenciou que a culinária da ilha conta com alguns elementos mais exóticos na ementa, tais como iguanas: «Sabem a frango. Existem muitas lá, então por vezes comemos.»«Era a minha primeira vez na seleção nacional. Estou acostumado a um ambiente profissional, onde não se pode sair na semana anterior a um jogo nem beber álcool. Li o plano de trabalhos e reparei num Festival de Reggatas. É uma festa com regatas e tínhamos de comparecer. É algo muito importante na ilha», começou por contar.

«Recordo-me que o treinador disse algo como 'o máximo são duas bebidas', sendo que no dia seguinte tínhamos jogo. Foi a minha estreia, então pensei: 'é um ambiente diferente e uma maneira diferente de se viver o futebol'», afirmou.

Com uma rotina diferente dos colegas, Jort van der Sande reconhece que é um caso específico na seleção nacional e orgulha-se de fazer parte da formação, mas sem exagerar nos sentimentos: «Sei que sou o primeiro jogador de Bonaire em muitas coisas, tais como jogar num campeonato mais competitivo ou ser o primeiro jogador profissional do país, mas tudo o que eu conquistar como jogador será basicamente a primeira vez.»

Na CONCACAF Nations League, que conta com três divisões, Jort van der Sande recordou ainda uma das «melhores memórias» no conjunto que atua no mar das Caraíbas.

«Conseguimos a promoção à Liga B, mas perdemos em casa no último jogo, frente ao São Martinho por 0-4. Ficámos decepcionados e pensámos que a ilha também estava. No hotel, pensávamos que não havia motivo para celebrar, mas acabámos por ir até um bar, na cidade. Passados 30 minutos todos na cidade estavam a comemorar connosco», confidenciou.

Com receio de uma reação negativa por parte dos simpatizantes em caso de festejos, Jort van der Sande mostrou-se feliz com a união e camaradagem exibida na região, ainda que, por vezes, «possam demonstrar alguma negatividade.»

«As pessoas diziam 'o jogo acabou e perdemos, mas não importa pois fomos promovidos, podemos comemorar'. É futebol, é igual em qualquer parte do mundo. É tudo muito positivo se ganhamos e muito negativo se perdemos», rematou.

Antes de desligar a chamada, o atleta do Bonaire confessou que estará sempre disponível para ajudar e apoiar o desenvolvimento do desporto na sua casa, e acredita que, com tempo (e mais treino), outros talentos surgirão na pequena e pacata ilha do Mar Caribenho.

*por Jorge Ricardo

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