Gazeta Esportiva.com
·10 de enero de 2025
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José André da Rocha Neto se apresentou à Polícia Civil como proprietário da VaideBet e prestou depoimento no último dia 12 de dezembro, por videoconferência. O empresário é uma das testemunhas ouvidas no inquérito aberto pelo DPPC (Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania) para investigar o acordo e as consequências do contrato firmado entre Corinthians e a casa de apostas no início de 2024. O caso ganhou a atenção das autoridades públicas após a descoberta de repasses de receitas oriundas de pagamentos do clube para a empresa citada como intermediadora do negócio que, em seguida, foram transferidos para uma empresa ‘laranja’.
A Gazeta Esportiva teve acesso à íntegra da oitiva, que durou pouco mais de 52 minutos e foi comandada pelo delegado Tiago Fernando Correia (responsável por casos de lavagem de dinheiro), com a participação do promotor de justiça do Gaeco (Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado), Juliano Carvalho Atoji.
Em meio ao depoimento, após Rocha Neto explicar como as negociações aconteceram, o promotor do Gaeco compartilhou a foto de Alex Fernando André, conhecido como Alex Cassundé, dono da Rede Social Media Design LTDA, empresa citada no contrato do Corinthians com a VaideBet como a responsável pela intermediação do negócio.
“Não conheço, não”, respondeu o proprietário da VaideBet. Em seguida, diante da insistência da promotoria, Rocha Neto reforçou que Cassundé não participou da reunião entre os representantes do clube e da empresa. “Ele não é familiar?”, questionou o promotor. “Não é, não”, enfatizou o depoente.
Na sequência, Rocha Neto foi perguntado, novamente, se Cassundé agiu como intermediador na negociação e se, eventualmente, teria conversado com qualquer outra pessoa da VaideBet.
“Comigo, não”, afirmou o empresário. “Quem fechou o negócio fui eu, não teve outra pessoa”, complementou ele, refutando qualquer possibilidade de Cassundé ter tratado sobre o assunto com algum funcionário da VaideBet.
NOVA VERSÃO SOBRE O CASO José André da Rocha Neto garantiu que a ideia, a intenção e a primeira movimentação para a VaideBet patrocinar o Corinthians partiu, exclusivamente, dele mesmo. Ele também apontou a existência de um intermediário, mas que não é Alex Cassundé.
“Partiu de mim. Mas, fui atrás de uma pessoa para fazer a intermediação. Eu não tinha o contato do Corinthians. Liguei para Toninho, que é lá de Goiânia, amigo meu, que eu sei que tem esse conhecimento no futebol. Ele entrou em contato com as pessoas de São Paulo, não sei quem são essas pessoas, e ele marcou a reunião já para o outro dia. A gente fez uma reunião no Hotel Tivoli, cheguei às 13h, já estava lá o Augusto (presidente do clube), o Marcelinho (Marcelo Mariano, diretor administrativo do clube), o Toninho e mais duas pessoas, que não me recordo”, contou. “Têm as câmeras do hotel, só puxar lá”.
“Perguntei quanto seria o valor, eles disseram: ‘só fecha se for três anos’. Eles passaram o valor, eu pedi uma ou duas horas para analisar, peguei um quarto no hotel, subi, fui analisar. O presidente (Augusto Melo), no meio da reunião, teve que sair para uma outra reunião, não sei onde era, fiquei só com Marcelinho e mais três pessoas. Desci já para o restaurante do térreo e disse: ‘está fechado o negócio, só vamos organizar como vai (sic) ser os pagamentos'”, completou.
Toninho, citado por Rocha Neto, é Antonio Pereira dos Santos, conhecido como Toninho Duettos. Ele é sócio e ex-empresário do cantor Gusttavo Lima, e agenciador de grandes personalidades da música sertaneja brasileira.
Segundo Rocha Neto, a conversa entre ele e Toninho aconteceu dia 25 de dezembro de 2023 e a reunião em São Paulo, no dia seguinte.
“Eu fiz uma ligação para Toninho, porque eu vi nas manchetes que o Corinthians estava escutando propostas de outros players, e eu sei que Toninho tem contato com esse pessoal do futebol. E eu disse: ‘Toninho, veja aí se consegue uma reunião com o pessoal do Corinthians, queria marcar uma reunião para fechar a VaideBet com o Corinthians. Esse Toninho é tipo um intermediador”.
“O primeiro contato que eu tive não foi com ninguém do Corinthians, foi com Toninho (…) Foi tudo muito rápido (…) Não foi algo muito pensado, não dava tempo nem de fazer nada, um pré-contrato, nada. Como tinham outras empresas interessadas, foi tipo um leilão e eu falei: ‘eu vou para fechar logo’. Retornei no mesmo dia (para Campina Grande)”, explicou o autodenominado proprietário da VaideBet, além da BetPix e da Pix365.
Segundo Rocha Neto, não houve interesse dele sobre quanto receberia um eventual intermediário porque estes pagamentos não sairiam da VaideBet.
“A gente deixou certo que a intermediação seria nestes R$ 360 milhões, entendeu? A cargo do clube. Só não sei detalhes de percentual. Nessa reunião, a gente não tratou, era algo que não me afetava tanto, meu negócio era fechar os R$ 360 milhões, não tinha o que eu me meter em percentual de intermediário”.
José André da Rocha Neto ainda disse à Polícia que não tem formação acadêmica, que não foi ao evento de lançamento da parceria porque estava em Orlando, nos Estados Unidos, de férias, e que o relacionamento dele com o Corinthians era sempre com o diretor administrativo do clube.
“Meu contato lá era com o Marcelinho”.
Em 7 de junho de 2024, a VaideBet decidiu, de maneira unilateral, rescindir o contrato com o Corinthians.
“Começou a sair essas notícias de ‘laranja’, de intermediador, disso e daquilo, aí eu chamei meu jurídico e disse: ‘começa a notificar o Corinthians, porque a gente fechou uma parceria com o Corinthians para sair notícia boa da VaideBet, não é para sair notícia de ‘laranja’, porque isso aí é muito ruim para a marca, então, notifica. Aí chegou um ponto que ficou insustentável, porque não saia mais notícia boa com o Corinthians, só saia ‘caso VaideBet’, ‘VaideBet com laranja'”, justificou Rocha Neto.
SÓCIO DE GUSTTAVO LIMA DESABAFA A Gazeta Esportiva procurou por Toninho Duettos, citado por José André da Rocha Neto como o responsável por colocá-lo em contato com dirigentes do Corinthians. O empresário do ramo de música sertaneja deu mais detalhes sobre a história e revelou ter sofrido um golpe do clube.
Toninho Duettos diz ter entrado em contato com o Corinthians para fazer a intermediação (Foto: Divulgação)
“Foi exatamente isso. Ele (Rocha Neto) perguntou se eu conseguia o contato de alguém do Corinthians. Eu falei que sim, eu tinha conseguido o contato do Washington, que conseguiu os contatos de Marcelo Mariano e do presidente. Falei com eles, liguei para eles e eles disseram que já estavam em reuniões com algumas Bets de fora. Eu disse: ‘vamos falar pessoalmente’. Falamos no Tivoli, eles falaram as propostas e o André fechou”.
Washington, neste caso, é Washington Araújo. Segundo o Corinthians, ele é coordenador de redes e está ligado ao departamento de marketing. Corretor de imóveis em Mogi das Cruzes, Washington trabalhou na campanha eleitoral de Augusto Melo. Em outro inquérito, a polícia investiga a suspeita de Washington Araújo cumprir o papel de ser o elo entre a gestão do clube e influencers apoiadores de Augusto Melo nas redes sociais.
Washington (de amarelo) presente no CT Joaquim Grava (Foto: Tiago Salazar)
“Eu conheci o Washington através de um funcionário meu da época, o Sandro, que conheceu ele antes de ocorrer a eleição. Ele (Washington) disse ‘sou amigo do possível novo presidente do Corinthians’. A gente até começou a conversar para fazer eventos, shows na Neo Química Arena”, contou Toninho.
“Encontramos com Washington no interior de São Paulo, em Mogi das Cruzes ou Mogi Mirim, não lembro, não conheço muito São Paulo. A ideia era tratar sobre shows. Quando teve a eleição e o Augusto ganhou, o Washington ligou. Depois, falei da Bet quando o André (Rocha Neto) me ligou. Ele (Rocha Neto) ficou sabendo do patrocinador máster e perguntou, aí liguei para o Washington e, depois, falei com Marcelinho”.
O sócio de Gusttavo Lima explicou que Washington e Sandro eram as duas pessoas que Rocha Neto não soube dizer os nomes e que participaram da reunião no Hotel Tivoli. Toninho se mostrou surpreso ao tomar conhecimento de que Washington trabalha no clube atualmente e disse ainda que não entrou na Justiça contra o Corinthians porque não tinha nenhum documento de procuração ou qualquer compromisso formal para fazer àquela intermediação.
“Não tenho documento, e com cara que não tem palavra, não adianta. E já deu ‘zica’, aí lascou. Eu falei para o Sandro: ‘foi Deus que livrou a gente dessa'”.
“Era para ser eu, o combinado era pra ser eu, Washington e o Sandro. Depois de fechado, o pessoal mudou tudo, disse que não podia ser eu, que tinha que ser uma empresa que atendia eles e aí rodei no negócio. Cobrei, mas o Marcelinho disse que depois via alguma coisa. Levei uma bolada nas costas, literalmente. Sandro ligou, xingou o Marcelinho, foi feio”, afirmou Toninho.
No fim, a Rede Social Media Design LTDA, de Alex Cassundé, que trabalhou com Washington na campanha eleitoral de Augusto Melo, figurou no contrato como responsável pela intermediação.
Esta participação deu à empresa de Cassundé o direito a receber 7% do valor total do acordo entre o clube e a VaideBet, o que, à época da vigência da parceria, renderia, ao fim do período de três anos, R$ 25,2 milhões, quantia que deveria ser repassada pelo clube, em parcelas mensais de R$ 700 mil.
Perguntado sobre Cassundé, Toninho foi taxativo.
“Não conheço, nunca vi na minha vida. Ele não tinha nada a ver. Quem levou (VaideBet para o Corinthians) fui eu. Era pra ter a minha empresa lá (no contrato). Eu ia passar uma parte para o Washington outra para o Sandro, porque eu sou justo com essas coisas”, concluiu.
VAIDEBET CONTRADIZ CASSUNDÉ O delegado Tiago Fernando Correia, do DPPC, e o promotor de justiça do Gaeco, Juliano Carvalho Atoji, também colheram o depoimento de André Murilo de Paes Bezerra. A oitiva aconteceu no dia 11 de dezembro do ano passado e a Gazeta Esportiva teve acesso a íntegra do material.
André Murilo é o responsável pelos pagamentos e por toda a área financeira da VaideBet. Ele, inclusive, foi ao evento de posse de Augusto Melo e representou a empresa na coletiva de imprensa, no CT Joaquim Grava, quando o clube anunciou a parceria com a casa de apostas, em janeiro de 2024.
No depoimento, André Murilo garantiu à Polícia que não conhece, que nunca conversou e que jamais teve qualquer tipo de contato com Alex Cassundé.
O promotor do Gaeco aproveitou para questionar se André Murilo mantinha contato com Rozallah Santoro, então diretor financeiro do Corinthians.
“Eu o conheci. Uma semana depois que a gente assinou o contrato, eu estive em São Paulo novamente. Mas, (meu contato) era direto com o Marcelo, direto com Marcelinho”, respondeu.
O delegado Tiago Fernando Correia também perguntou aos depoentes José André da Rocha Neto e André Murilo de Paes Bezerra sobre a possibilidade de alguém ter entrado em contato com eles por telefone para tratar sobre uma eventual parceria da VaideBet com o Corinthians.
Ambos os representantes da VaideBet, ouvidos como testemunhas, esclareceram que não há um número de telefone fixo da empresa exposto na internet e que nenhum deles, em nenhum momento, recebeu qualquer ligação neste sentido em seus respectivos celulares.
Estas respostas de Rocha Neto e André Murilo contradizem o que disse Alex Cassundé em depoimento à Polícia Civil, em 25 de junho.
Na oportunidade, o dono da Rede Social Media Design LTDA afirmou que procurou “Bet por Bet, via Google” e que obteve “no ChatGPT algumas dicas de como conseguir contatos”. Assim, ele disse que encontrou o número “de um tal André”, o proprietário da VaideBet.
Cassundé ainda contou à Polícia que perdeu o número de André, mas que entrou em contato naquela oportunidade e foi avisado, pelo próprio proprietário da empresa de apostas, que as conversas avançariam se ele colocasse alguém do clube em contato.
E AGORA? O depoimento de José André da Rocha Neto, proprietário da VaideBet, entra em total conflito com o discurso oficial do Corinthians e do presidente Augusto Melo, além de não concordar com a história levada à Polícia por Alex Cassundé e com entrevistas e relatos oficiais de Sérgio Moura, ex-superintendente de marketing do clube.
O Corinthians defendeu o direito da Rede Social Media Design LTDA receber os valores pela intermediação e garantiu a participação da empresa de Cassundé na negociação com a VaideBet em nota oficial divulgada em 9 de maio de 2024.
“(…) houve a atuação de uma empresa interveniente, cuja responsabilidade foi de captação e intermediação da negociação entre a marca e o clube e sem a qual não teria sido possível celebrar o maior acordo de patrocínio da história do futebol brasileiro. A atuação da empresa intermediária está documentada e evidenciada no contrato celebrado entre as partes, com remuneração que obedece exatamente as mesmas práticas executadas por outros clubes de futebol do Brasil”, diz trecho do texto corintiano.
No dia seguinte, em entrevista ao Canal do Benja, Augusto Melo chegou a expor a sua versão de maneira mais detalhada.
“Essa agência (Rede Social Media Design LTDA), ele trouxe porque conhecia a gente. Normal em uma empresa um amigo ou conhecido trazer possíveis parceiros. Esse Alex (sócio-administrador da empresa), eu só vi umas duas ou três vezes. Quem me levou lá foi o (Wagner) Vilaron e o Sérgio (Moura)”.
“Quando você faz uma negociação com uma empresa, sempre é um amigo, um conhecido seu. Às vezes não é um amigo, mas é um conhecido que tem acesso a você. Ele que traz o patrocínio para você. Está cobrando (…) Eu negociei, eu sangrei de 20(%) para 7(%). Brigamos. ’10, 10, 10 (%)’, ‘eu não pago 10 (%). Eu pago 5(%), até chegar num denominador de 7(%)'”.
Sérgio Moura, responsável por levar Alex Cassundé para trabalhar na campanha eleitoral de Augusto Melo, foi outro a defender o colega durante entrevista ao Canal Alambrado Alvinegro.
“Fizemos o período de transição no clube e, quando viajei ele (Alex Cassundé) teve acesso, se relacionou com o pessoal da VaideBet e trouxe para a gente. Eu nunca tinha ouvido falar na VaideBet. Quando chegou, olhamos, conversamos com advogados, montamos o contrato, que foi analisado pelo jurídico do Corinthians. Quando falamos de comissão, normalmente as agências cobram 20%, o mercado de cultura cobra 10% e nós negociamos com ele um percentual de 7%. Foi feito ali e colocamos”.
À Comissão de Justiça do Conselho Deliberativo do Corinthians, Sérgio Moura afirmou que Alex Cassundé informou, “por volta de 18 de dezembro de 2023”, sobre ter acesso à VaideBet. Sérgio Moura ainda disse que Alex marcou uma reunião que juntou o presidente e o diretor financeiro da VaideBet com Augusto Melo e Marcelo Mariano, e que foi nesta reunião que o negócio foi sacramentado.
Já o próprio Alex Cassundé, quando prestou depoimento na delegacia, disse que entrou em contato com o proprietário da VaideBet após uma busca no ChatGPT, e afirmou nunca ter negociado com a empresa nem ter exigido comissão ao Corinthians.
SILÊNCIO Após ter acesso aos depoimentos dos representantes da VaideBet e da entrevista feita pela Gazeta Esportiva com Toninho Duettos, a reportagem procurou pelo Corinthians, por Marcelo Mariano e por Washington Araújo, porém, a decisão de todos eles foi não se manifestar por enquanto.
PRÓXIMOS PASSOS A intenção dos investigadores, agora, é convocar àqueles que foram mencionados por testemunhas já ouvidas pela Polícia. Existe a esperança de que as oitivas sejam feitas todas por videoconferência, para acelerar o processo e tentar finalizar essa etapa até a primeira quinzena de fevereiro.
IMPEACHMENT No Corinthians, o caso VaideBet se tornou um processo que discute a possibilidade de destituição de Augusto Melo do cargo de presidente. A tendência é que o Conselho Deliberativo se reúna em breve para votar o afastamento do mandatário após a derrubada da liminar que impediu a votação de acontecer no fim do ano passado.