Aldo Agroppi foi ícone do Torino e voz sem concessões no comentário esportivo | OneFootball

Aldo Agroppi foi ícone do Torino e voz sem concessões no comentário esportivo | OneFootball

In partnership with

Yahoo sports
Icon: Calciopédia

Calciopédia

·16 de julio de 2025

Aldo Agroppi foi ícone do Torino e voz sem concessões no comentário esportivo

Imagen del artículo:Aldo Agroppi foi ícone do Torino e voz sem concessões no comentário esportivo

Alguns personagens do futebol parecem nascer destinados ao estrelato, mas ficam eternamente à margem dele. São protagonistas parciais, figuras de competência inegável que, por detalhes ou contextos, não atravessam a fronteira entre o respeito e a consagração completa, para além de um contexto específico. Aldo Agroppi foi um desses casos.

Como jogador, Agroppi teve uma carreira sólida e se tornou ícone do Torino, mas nunca foi titular incontestável da seleção. Como técnico, colecionou momentos promissores, só que esbarrou em limites próprios e alheios. Mesmo assim, sua figura resistiu ao tempo, sobretudo porque ele recusou o papel de coadjuvante submisso, dentro e fora de campo. Tinha perfil combativo, algo habitual para um oriundo da Toscana, e tantas vezes demonstrou isso nos vestiários. Essa faceta encontraria plena expressão nos seus anos como comentarista, quando sua língua ferina e sua independência de pensamento o transformaram numa das vozes mais irreverentes e dissonantes da imprensa esportiva italiana. Aldo não se calou, não se curvou, e talvez por isso seja lembrado com a intensidade que sempre mostrou nos gramados do Belpaese.


OneFootball Videos


Nascido em 14 de abril de 1944, em meio às incertezas do fim da II Guerra Mundial, Agroppi era filho de pais separados (um operário e uma cozinheira) e, ironicamente, era conhecido como “plácido” em sua família – algo que mudaria bastante com o tempo. Aldo chegou a morar em Milão com a mãe quando criança, mas voltou para a Toscana para morar com os avós e começou no futebol pelo modesto Piombino, de sua cidade natal, entrando na base nerazzurra aos 10 anos.

Antes mesmo de se tornar maior de idade, Agroppi estreou pelo time da província de Livorno na Serie D de 1960-61 e chamou a atenção do Torino. Até aquele momento, Aldo era apaixonado pelo futebol de Omar Sívori, a quem tentava imitar quando mais jovem, e torcia para a Juventus. “Quando entrei no Filadélfia, entendi tudo sobre a vida”, declarou mais tarde, justificando a mudança de 180 graus em sua paixão futebolística.

Agroppi torcia para a Juventus quando era criança, mas se apaixonou pelo Torino assim que ingressou na base grená (Liverani)

Em Turim, se tornou volante na base do Torino, na qual se aperfeiçoou até 1964. Depois, foi emprestado ao Genoa e seguiu majoritariamente entre os juvenis. Pelos rossoblù, faturou a Copa Viareggio, em 1965, e fez apenas duas partidas pela Coppa Italia, com um tento anotado. Já afirmado entre os profissionais, Agroppi passou pela Ternana, na Serie C, e pelo Potenza, na B, mostrando discreta veia artilheira: foram 10 gols marcados naquele biênio. Somente em 1967, já com 23 anos, estrearia pelo time granata.

Seu debute, contudo, ocorreu sob o signo da tragédia: em 15 de outubro de 1967, jogou pela primeira vez com a camisa do Torino numa vitória por 4 a 2 sobre a Sampdoria, no mesmo dia em que Luigi Meroni morreria após ser atropelado por Attilio Romero – torcedor grená que, décadas mais tarde, se tornaria presidente do clube. “Foi o dia mais feliz e mais triste da minha vida. Naquele dia abençoado e amaldiçoado passei, no espaço de poucas horas, do êxtase da minha estreia na Série A para a dor irreparável da morte prematura de um grande amigo”, afirmou Aldo, que já havia perdido um irmão precocemente.

A morte de Meroni foi um dos simbolismos grenás que acompanhariam Agroppi pelo restante de sua trajetória pelo Piemonte. Em sua formação como juvenil pelo clube, ouviu muitas histórias dos mais velhos sobre o Grande Torino da década de 1940 e, no antigo estádio Filadélfia, onde treinava, se emocionava por frequentar os mesmos ambientes que os campeões mortos na Tragédia de Superga haviam trilhado no passado glorioso dos granata. Aldo, aliás, morava perto da colina em que se localiza a basílica de mesmo nome e, todas as manhãs, antes de ir trabalhar, dedicava um pensamento àquele time morto num acidente aéreo a poucos quilômetros de sua casa. O timaço, aliás, seria tema de dezenas de livros presentes em sua biblioteca particular. Como forma de homenagem, o volante também conservou em casa um pedaço da fuselagem do avião envolvido no desastre.

Inspirado nas lendas granata, Agroppi também se tornaria um ícone do time – e parte disso se daria por seu desempenho nos dérbis com a Juventus. No primeiro deles, atuou bem e ajudou o Torino a aplicar 4 a 0 na rival; no segundo, sacramentou a vitória de virada. Durante sua carreira, aliás, Aldo marcaria três gols sobre a Velha Senhora, sendo todos eles fundamentais para triunfos de sua equipe.

O volante não se intimidou com a pressão em Turim e se tornou um ídolo da torcida rapidamente (Liverani)

Herdando o peso do pós-Superga, soube administrar o papel ingrato de ser um dos elos entre o passado mitológico e o presente de reconstrução que se desenhava. Acabava, assim, honrando o apelido dado pelo experiente goleiro Lido Vieri, seu colega de vestiário, também nascido em Piombino: era chamado de Cotenna, em referência à dureza e à resistência do couro suíno. A alcunha, que na Toscana é atribuída aos guerreiros, se tornou um símbolo de sua combatividade e resiliência em campo.

Volante de muita entrega, mas também dotado de técnica, Agroppi protegia a defesa e iniciava transições com eficiência, sendo fundamental ao equilíbrio do time de Edmondo Fabbri. Em 1967-68, sua temporada de estreia pelo Torino, Cotenna foi um dos destaques da campanha do título da Coppa Italia – o primeiro conquistado pelos grenás desde a Tragédia de Superga.

Sob as ordens de Fabbri e também de Giancarlo Cadé e Gustavo Giagnoni, Agroppi foi o pilar de um Toro que sempre jogava para disputar o título da Coppa Italia e fazia boas campanhas na Serie A – nos seus oito anos no Piemonte, a pior colocação no campeonato de pontos corridos foi um oitavo lugar. Nas competições continentais, por outro lado, o desempenho não foi fulgurante e os melhores resultados foram obtidos em 1971-72: eliminação nas quartas da Recopa Uefa e o vice da pouco prestigiada Copa da Liga Ítalo-Inglesa.

Por seu grande desempenho, a Juventus chegou a querer envolvê-lo numa troca com o atacante Gianfranco Zigoni, no fim dos anos 1960. “Me conheciam tão bem que responderam ‘não’ sem sequer me perguntarem”, afirmou ao jornal Tuttosport. O volante, aliás, seguiu vivendo intensamente o antagonismo com a Velha Senhora. Em 1971-72, meses após ter sido bicampeão da Coppa Italia, Agroppi foi protagonista na disputa do título da Serie A entre o seu Torino e os bianconeri – inclusive, marcando na vitória por 2 a 0 no Derby della Mole do returno. Havia apostado com um amigo que faria o tento decisivo e acabou faturando uma BMW 3000.

Em seu auge, nos anos 1970, Aldo chegou à seleção italiana (imago)

Duas semanas antes, porém, havia ocorrido uma das polêmicas que marcariam sua carreira – e justamente num jogo contra a mesma Sampdoria de sua estreia no Toro. Em março de 1972, durante uma partida disputada num verdadeiro lamaçal no estádio Luigi Ferraris, Agroppi completou um cruzamento com cabeçada que encobriu o goleiro Pietro Battara. Imagens da época mostram Marcello Lippi, então defensor da equipe rival, afastando a bola depois de ela cruzar a linha. O gol que empataria a peleja foi validado inicialmente. Entretanto, o árbitro Enzo Barbaresco voltou atrás, afirmando que não tinha apontado para o centro do campo, mas sim indicado a continuação da partida – o que é facilmente desmentido pela prova em vídeo. A Samp terminou vencendo de virada, por 2 a 1, e o resultado impactou diretamente na luta pelo scudetto.

Agroppi nunca engoliu o episódio e jamais perdoou o adversário por se negar a assumir o que ocorreu, mesmo décadas após o reconhecimento do erro por parte de Barbaresco. Aquele lance levou os dois jogadores – ambos nascidos na Toscana – às vias de fato nos vestiários e foi o embrião de uma rixa que sobreviveria aos anos, atravessando funções e entrevistas. O caráter difícil dos dois certamente não contribuiu para que a tensão diminuísse. Nem mesmo o desfecho daquele campeonato: o Torino de Giagnoni foi vice-campeão, ficando somente um ponto atrás da Juventus, equipe que Lippi treinaria por bastante tempo, décadas mais tarde.

Àquela altura, Agroppi, então com 28 anos, chegou à seleção italiana. Entre 1972 e 1973, escreveu um breve capítulo na Nazionale: foram cinco partidas sob o comando de Ferruccio Valcareggi, num momento de transição após o vice no México, em 1970, e pontuado por frustrações – a Itália, detentora do título continental, não se classificou para a Eurocopa de 1972. Eram tempos em que o técnico buscava fazer com que coexistissem no meio-campo da equipe jogadores como Gianni Rivera e Sandro Mazzola, entre outros bons nomes mais ofensivos, de modo que atletas da estirpe de Aldo (mais funcionais, que sustentavam taticamente os sistemas táticos) tiveram menos espaço.

Naquela mesma época, Agroppi viveu, no Torino, um episódio que exemplificaria seu espírito exigente e direto: ao ver o jovem Francesco Graziani chegar ao Filadélfia com um Porsche recém-comprado, o veterano não hesitou em repreendê-lo, com expressão fechada. “Este é um lugar sagrado, não um circuito! Quantas partidas você já jogou na Serie A? E ele disse: ‘nenhuma’. Respondi: ‘exatamente’. Mandei devolver o carro à concessionária e ir ao treino de bonde, dali em diante”, contou ao Tuttosport. Para Aldo, era preciso merecer o Toro. Ciccio se tornaria seu protegido e, entendendo o espírito do clube, se tornaria ídolo.

Agroppi foi peça importante na conquista das duas primeiras taças do Torino após a Tragédia de Superga (Liverani)

Em 1975, após 281 aparições e 20 gols, o volante decidiu deixar o Torino, numa escolha que o destino trataria como cruel: a temporada seguinte, já sem Agroppi, ficaria marcada pelo scudetto histórico do time de Luigi Radice, com os tentos de Graziani e Paolino Pulici fazendo a Juventus amargar o vice. O toscano, por sua vez, rumou ao Perugia, estreante na Serie A, onde encerraria a carreira como jogador dois anos depois.

Apesar de ter passado pouco tempo no clube da Úmbria, foi capitão, referência e, de certa forma, mentor de uma geração promissora, que contava com Walter Novellino (que fora seu pupilo no Toro) e Renato Curi. Este último faleceu precocemente em 1977, vítima de uma parada cardíaca num jogo contra a Juventus, em mais um forte baque emocional para o recém-aposentado Agroppi, e foi homenageado com o nome do estádio do Perugia. Quando Aldo foi contratado, os grifoni já eram comandados por Ilario Castagner, que em 1979 conduziria o time a um histórico vice-campeonato italiano.

Agroppi pendurou as chuteiras em 1977, aos 33 anos, e teve uma rápida transição para a função de treinador. Entre 1978 e 1980, comandou os juvenis do Perugia, assumindo em seguida o Pescara, que voltara à Serie B depois de três temporadas como ioiô, transitando entre a elite e a segundona. Na campanha de debute, foi sexto colocado no campeonato.

Cotenna surpreenderia ao aceitar, em 1981, uma proposta para comandar o Pisa – clube da cidade homônima e rival milenar de Livorno, principal time de sua província natal. Pelos nerazzurri, mostrou sua competência tática e comandou o elenco numa duríssima temporada da Serie B: a diferença de pontos entre o primeiro e o quinto colocado foi de apenas três pontinhos. Na terceira colocação, a equipe comandada por Agroppi garantiu o acesso e sua segunda participação na máxima categoria do futebol italiano.

O italiano encerraria sua carreira pelo Perugia, na Serie A (Liverani)

O técnico parecia pronto para voos maiores, mas seguiu seu coração e optou por aceitar o desafio de tirar o Perugia da segunda divisão. Não conseguiu e amargou um mísero 11º lugar. Em seguida, pouco após assumir o Padova, em 1983, sucumbiu a algo mais sutil que o adversário: a si mesmo. Três meses depois, pediu demissão, por depressão. Agroppi foi o primeiro treinador profissional italiano a reconhecer publicamente uma questão de saúde mental como motivo de afastamento.

Cotenna viria a se redimir com brilho no Perugia, em 1984-85. O técnico conduziu os grifoni em uma campanha quase perfeita na Serie B, que não terminou com o acesso por conta de apenas um pontinho. O time de Agroppi somaria dois recordes jamais superados na categoria: o de menor número de derrotas (só uma) e o de maior quantidade de empates (incríveis 26).

O bom desempenho no Perugia o levaria de volta à Toscana – e à Serie A. Em 1985, a Fiorentina apostou no ainda jovem Agroppi como substituto de Valcareggi e o novo treinador, então com 41 anos, conseguiu bons resultados: levou a Viola às semifinais da Coppa Italia e, numa temporada de vitórias sobre Milan, Inter e Juventus, a equipe terminou na quinta colocação da Serie A, classificada à Copa Uefa. Após o triunfo sobre a Velha Senhora, aliás, festejou bastante e foi criticado por Giampiero Boniperti, presidente bianconero.

Naquele ano, os gigliati quase contrataram Marco van Basten e Wim Kieft, e também tiveram azar com o reforço Roberto Baggio, que se lesionou gravemente e só pôde estrear na temporada seguinte. Teriam sido nomes interessantíssimos para Agroppi, mas ele alcançou resultados suficientemente positivos com o bom elenco que teve à disposição: se destacavam os veteranos Claudio Gentile, Gabriele Oriali, Aldo Maldera e Daniel Passarella, o goleiro Giovanni Galli, o garoto Nicola Berti e os versáteis Sergio Battistini e Daniele Massaro. Além, claro, do craque Giancarlo Antognoni, um dos maiores ícones da Fiorentina.

No Pescara, Agroppi deu seus primeiros passos como treinador de um time profissional e mostrou qualidades (Liverani)

A relação com Antognoni, porém, foi conflituosa e teve sérios efeitos colaterais para Agroppi. O capitão passou mais de um ano e meio afastado dos campos devido a uma fratura na tíbia e na fíbula, e só ficou à disposição do técnico a partir de novembro. Aldo tinha suas reservas quanto à condição física do camisa 10, mas o utilizava frequentemente e quase não o substituía. Ainda assim, as discussões eram comuns e eles quase romperam.

Em março de 1986, seis fãs do meia acabaram tomando as dores do ídolo, invadiram um treinamento da Fiorentina no estádio Artemio Franchi e agrediram o treinador. Agroppi foi empurrado, perdeu o equilíbrio por estar usando chuteiras com travas, e, quando estava caído no chão, foi atingido com chutes no rosto – que lhe deixaram com um hematoma na têmpora e o nariz ensanguentado. Passarella entrou na confusão e, com alguns socos, afastou os criminosos.

Durão, Cotenna comandou a atividade assim mesmo e, ao fim dela, recebeu a solidariedade de cerca de 200 torcedores, que ficaram sabendo do ocorrido. Meses mais tarde, Antognoni marcaria o gol que garantiu a classificação da Viola à Copa Uefa, graças a uma vitória sobre a Udinese, e a paz foi selada. Já aposentado, o meia acabou dando razão a Agroppi, de quem ficou amigo.

Apesar das rusgas com Antognoni, Aldo tinha motivos para permanecer na Fiorentina. O passado, contudo, apareceu para atormentá-lo: Agroppi passou a ser investigado por ter omitido que atletas do Perugia tinham tentado manipular resultados na temporada 1984-85 e seria suspenso por quatro meses no escopo do escândalo Totonero-bis. Já os grifoni terminariam rebaixados diretamente da Serie B para a C2.

Na Fiorentina, Agroppi teve atritos com o craque Antognoni e chegou a ser agredido fisicamente por torcedores (Liverani)

Agroppi voltou a trabalhar em 1987, pelo Como, mas foi demitido em janeiro de 1988, com o time – penalizado por lesões – na antepenúltima posição da Serie A. Segundo relatos, Silvio Berlusconi, presidente do Milan, sempre ligava para o técnico para convencê-lo a utilizar mais vezes o argentino Claudio Borghi, emprestado pelos rossoneri. Cotenna, rígido com seus atletas, não suportava o desleixo do meia e não se dobrava à pressão.

O ex-volante passou dois anos parado e voltou às atividades no meio da temporada 1989-90, comandando Walter Casagrande Jr. no Ascoli, mas não conseguiu evitar o rebaixamento dos bianconeri. Na época, lhe perguntaram se conseguiria evitar o descenso do time e ele respondeu, com ironia: “nasci em Piombino, não em Belém”. Não era Jesus e não fazia milagres, portanto.

Agroppi se afastou por cerca de três épocas e retomou sua carreira em janeiro de 1993, novamente pela Fiorentina, onde reencontrou Antognoni, agora nas vestes de dirigente. Contudo, o ciclo se encerraria com uma sequência de maus resultados que derrubariam a equipe da sexta posição para a parte inferior da tabela, ensejando sua demissão antes que se concretizasse a primeira queda da Viola à segundona em mais de meio século. Ali, aos 49 anos, ciente de que não tinha o arcabouço psicológico necessário para ser treinador, disse basta à profissão.

Fora dos gramados, reinventou-se como comentarista. Trabalhou na Gazzetta dello Sport, na Rai, em outras redes de televisão e em rádios. Ganhou notoriedade por, assim como nos seus tempos de atleta, dizer o que pensava: era sincero e até mesmo interpretado como rude, por não tratar ninguém com rodeios.”Na vida, segui em frente mais por instinto do que por razão, e paguei caro por isso muitas vezes. Porém, este é o meu jeito, e não o mudarei. Minha esposa Nadia sempre me disse para pensar no que dizer antes de falar, mas eu faço o oposto. Meu caráter vem do coração, da alma. Não há nada que eu possa fazer a esse respeito”, declarou ao Tuttosport.

Depois de ser punido com breve suspensão, Aldo viu sua carreira perder o rumo e acumulou trabalhos ruins (Liverani)

Agroppi, que publicou dois livros, chegou a ser comparado ao escritor francês Cyrano de Bergerac, por combater a covardia, a estupidez e a mentira. Volta e meia, recorria a piadas para, brincando, falar verdades espinhosas. Não admitia clichês nem cultivava alianças. Num ambiente como o do futebol italiano, historicamente repleto de conivências veladas, códigos de silêncio, diplomacia hipócrita e conformismo tático, Aldo escolheu falar, agir, questionar. Ele incomodava por ser dono de opiniões frequentemente contracorrentes, por se recusar a ser parte do sistema e por rejeitar o papel de cúmplice silencioso.

Em muitas ocasiões, porém, o papel de questionador lhe fazia assumir posturas reacionárias. Não gostava de jogadores tatuados, de cortes de cabelo ousados, de brincos ou vaidades modernas. Ironizava modismos, questionava a estética da nova geração. Nos últimos anos, já aposentado dos comentários, sequer assistia mais aos jogos de futebol. Dizia que estavam chatos demais, que se jogava mal e passou a questionar o grande número de estrangeiros na Serie A, além de questionar a qualidade dos italianos. “É como um encefalograma que indica morte cerebral. Sem esperança”, afirmou ao jornal Il Foglio.

“Como ainda pode ser chamado de Campeonato Italiano, eu não sei. Se você contrata estrangeiros que mudam de time o tempo inteiro é difícil transmitir a eles nossos valores. As bandeiras sumiram, o replay em câmera lenta e os empresários arruinaram o futebol, e a TV investiga os árbitros até por dentro das cuecas”, disparou em entrevista ao Tuttosport. Alvo comum de tantas críticas, os apitadores, aliás, eram os únicos que poupava – em mais um de seus tantos atos contracorrente, até mesmo considerando sua própria biografia e o caso Lippi-Barbaresco. “São agredidos o tempo inteiro. Se fosse o seu pai, o que faria? Devemos entender que o seu trabalho é difícil e apoiá-los”, declarou a Il Foglio.

Durante seus anos como comentarista, criticou pesadamente todos os treinadores – era um personagem e isso fazia parte de seu show. “Técnicos não inventam nada. As magias são feitas pelos jogadores. Os gurus da bola só existem para quem precisa se apegar a alguma coisa, como a providência divina”, disparou a Il Foglio. Roberto Mancini, José Mourinho, Antonio Conte… todos foram alvo de sua língua ferina. Sobre os dois últimos, foi duro: “não os suporto, os atiraria do alto de uma torre”.

Ídolo grená, o ex-volante se tornaria um dos mais ferrenhos críticos do jornalismo esportivo italiano (Liverani)

E, claro, Lippi: o embate iniciado nos anos 1970 evoluiu para um clima de antagonismo público, que fazia a audiência subir sempre que eles se confrontavam. Quando Agroppi apertava, o rival o tratava como ressentido. Os dois, cada um a seu modo, encarnavam visões antagônicas do futebol italiano: um era sistema; o outro, dissidência.

A partir de 2011, Agroppi começou a dar sinais de saúde debilitada. Naquele ano, infartou ao defender Walter Mazzarri, então técnico do Napoli, num debate radiofônico com o jornalista Alfredo Pedullà. Começou, então, a ser figura mais rara em aparições públicas e a se dedicar à escrita e a sua grande coleção de discos de vinil, na qual se destacam os álbuns de seu amado Elvis Presley. Mais tarde, naquela década, foi homenageado por Torino e Potenza, que o inseriram em seus respectivos halls da fama. Dentro dos campos, aliás, o legado de Aldo foi mantido pelo lateral-direito Alessandro Raimo, seu neto, e pelo meia Andrea Luci, seu sobrinho – que, apesar de ter atuado na base da Juventus, se tornou grande ídolo do Livorno.

Agroppi morreu em 2 de janeiro de 2025, em Piombino, vítima de pneumonia bilateral. Tinha 80 anos. Embora tenha sido muito crítico ao sistema, foi homenageado com um minuto de silêncio em todas as manifestações futebolísticas da Itália – menos na Supercopa Italiana, disputada na Arábia Saudita, porque é costume local vaiar tais manifestações. A morte de Aldo representou a partida de um digno representante de uma linhagem rara: a dos que preferem perder dizendo a verdade a vencer dizendo o que convém.

Aldo Agroppi Nascimento: 14 de abril de 1944, em Piombino, Itália Morte: 2 de janeiro de 2025, em Piombino, Itália Posição: volante Clubes como jogador: Piombino (1960-61), Torino (1961-64 e 1967-75), Genoa (1964-65), Ternana (1965-66), Potenza (1966-67) e Perugia (1975-77) Títulos como jogador: Copa Viareggio (1965) e Coppa Italia (1968 e 1971) Clubes como treinador: Pescara (1980-81), Pisa (1981-82), Perugia (1982-83 e 1984-85), Padova (1983-84), Fiorentina (1985-86 e 1993), Como (1987-88) e Ascoli (1990) Seleção italiana: 5 jogos

Ver detalles de la publicación

Mencionados en este artículo