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·12 de julio de 2024

A contrição de quem deixou o FC Porto aos 15 anos: «Chorava todos os dias...»

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«Uma vez, no treino, estava o Roberto Carlos, o Redondo, o Raúl, o Hierro e o Seedorf a treinar livres...»

De olhos arregalados, o jornalista confirma uma vez mais que o gravador está a captar som. É difícil imaginar um início de frase mais promissor.


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Mas há, desde logo, algo de surreal nessa imagem. É quase onírica, a ideia de estar rodeado desses ilustres nomes - galáticos, diziam - num contexto profissional. Aliás, certamente só algum craque de renome mundial teria a capacidade de vasculhar as memórias e começar a expressar uma delas com essa tão específica sequência de palavras! Certo?

foi de facto, um craque. Essa é uma garantia dada por todos os que o viram nas redondezas de uma bola. Mesmo pelo telefone essa noção transparece, em parte pelas histórias, em parte por uma curiosa tendência para se referir a si próprio na terceira pessoa.

O que Tinaia não teve, no entanto, foi o renome mundial. Afinal, apesar de tão promissor como a frase que abre este artigo, a sua fama não se deve ao êxito no futebol sénior, mas sim à história de uma transferência que faz o caso Cardoso Varela parecer um menos polémico remake.

O puxão de Capello não chegou

«Foi muito difícil, porque o FC Porto é um grande clube, mas a verdade é que não cuidaram assim tanto de mim. Apareceu o Real Madrid e foi uma oportunidade para ajudar a minha família. Também ganhei algum dinheiro, mas foi mais a pensar na minha família do que no Tinaia», diz o próprio Tinaia, três décadas depois, à conversa com o zerozero.

Manuel da Silva Correia tinha apenas 15 anos quando trocou o FC Porto pelo Real Madrid, numa das mais marcantes sagas de mercado de que há memória no futebol português. Foi destaque de um dragão vencedor na Nike Premier Cup, prova europeia de sub-14, e assim atraiu o interesse dos maiores tubarões do continente. O Real Madrid bateu à porta e seguiu-se um longo processo de decisão, do tipo que leva um miúdo à loucura.

«Eu aproveitei, até porque deram coisas à minha família em Cabo Verde e tive de aproveitar, mas estive dois anos a pensar nessa história», recorda. Após muitas conversas e promessas, lá rumou a Espanha, acompanhado de . «Eu falei do Zeferino e começaram a segui-lo também. Para ele foi uma questão de meses, para mim é que foi mais tempo porque havia mais interessados. Mas ele sempre foi o meu apoio, como um irmão.»

Apesar da tenra idade, o futebol de formação estava praticamente encerrado para Tinaia, que não demorou a ingressar na equipa B. Não muito depois, os treinos na equipa A tornaram-se ocorrência regular. O «bacalhauzito» ao jantar na casa de Secretário foi a porta de entrada para a convivência com craques maiores, mas o empurrão mais memorável foi de Fabio Capello. Chamavam-lhe Il Duro, mas para Tinaia o italiano só tinha amor...

«O mais importante para mim foi o Capello, que me dava muita confiança», diz-nos. «Uma vez, no treino, estava o Roberto Carlos, o Redondo, o Raúl, o Hierro e o Seedorf a treinar livres e o Capello chamou-me ao pé dele e perguntou o porquê de eu não estar lá com eles. Eu não estava lá porque tinha vergonha! Ele disse-me para ir, que batia melhor que eles. Marquei uns golos e no fim do treino ele veio dizer-me "Nunca mais te quero ver a alongar enquanto eles treinam livres". Era essa a confiança que ele tinha em mim.»


«Sofria, mas as pessoas não podiam saber»

Nessa temporada, entre os 17 e os 18 anos, Tinaia já treinava exclusivamente com a equipa principal. Faltava ainda a estreia, mas tinha a promessa de que essa chegaria na temporada seguinte: «O Capello fez a lista da primeira equipa e eu estava lá, mas depois saiu do clube. Quis levar-me com ele para o Milan, mas eu tinha contrato com o clube. Depois chegou o Jupp Heynckes e tirou-me da lista para o estágio em Los Angeles», recorda.

«Estava em Cabo Verde de férias quando me disseram. Quando cheguei, estive dois meses em Madrid sem treinar porque não queria voltar outra vez para a equipa B. Depois tive de regressar, faço uma temporada espetacular e havia clubes interessados, mas não me deixavam sair nem subir à equipa A.»

Esse foi um dos últimos desgostos de Tinaia em Madrid. Antes disso, o sofrimento já se tinha tornado algo frequente, precisamente desde que o então jovem jogador tomou a decisão de abandonar Portugal. Por ter apenas 15 anos, não podia assinar um vínculo profissional (esse chegou só alguns meses depois), de maneira que só a sua palavra servia de contrato.

Não era o cenário ideal para um rapaz que não tinha a certeza do caminho que deveria seguir e que por essa altura já sabia que, devido a uma pubalgia, não jogaria de todo no seu primeiro ano como merengue.

«Lembro-me que veio cá a Espanha o e eu estive a um minuto de me meter no avião para voltar ao Porto, mas já tinha dado a minha palavra por isso era tarde. Não pude ir. Ainda chorei, depois também o Reinaldo Teles chorou. Foram momentos difíceis», revela.

«Lá era a minha casa, aqui era tudo diferente e nos primeiros tempos chorava todos os dias. Sofria, mas as pessoas não podiam saber. Só duas ou três pessoas sabiam o que se estava a passar.»

Cardoso Varela? «Dir-lhe-ia para ter calma...»

Já com as botas penduradas, a clareza é outra. Tinaia, que ainda vestiu as cores do Alverca e do Amora antes de se atirar permanentemente aos escalões inferiores do futebol espanhol, não tem qualquer problema em falar ao zerozero acerca da contrição que pesa há vários anos.

«Agora vejo a decisão como precipitada. No Porto teria maiores possibilidades de jogar na primeira equipa, até me prometeram a pré-temporada. Mas já tinha dado a minha palavra. Se me arrependo? Acho que sim... Falar é fácil, mas a história se calhar tinha sido diferente.»

É uma reflexão acerca de acontecimentos dos anos 90, mas pode muito bem ser relevante na atualidade. Quando Tinaia percebeu que esta conversa telefónica tinha por base a existência de um outro prodígio de 15 anos que planeia abandonar a formação portista de forma controversa, foi rápido a deixar alguns conselhos a Cardoso Varela:

«Dir-lhe-ia para ter calma, que tudo chega no seu momento e que deve formar-se no FC Porto. Não é preciso ter pressa, por isso que fique no clube e depois logo se vê. Se fosse ele, era o que faria, porque sei que sofri muito», atirou.

Está demais o bar da praia

Apesar das dificuldades passadas ao longo de uma carreira que nunca atingiu os patamares esperados, não há amargura na vida de Tinaia. Muito pelo contrário. Seria até injusto terminar este artigo de uma forma que não refletisse a felicidade que transbordava da voz, mesmo por via telefónica!

Mais do que a convivência com lendas, este ex-futebolista guarda com carinho a juventude com a camisola azul e branca. «Onde fui mais feliz a jogar», diz, sem qualquer hesitação, recordando o interesse de todos os seus vizinhos na Rua de Costa Cabral e dos colegas da escola de Paranhos. «Foram os momentos mais bonitos.»

A mudança para Espanha não deu a Tinaia o sucesso desportivo que tanto lhe apontavam, mas a vida guardava-lhe mais do que uma boa relação com a bola de futebol. Tanto assim é que, até hoje, o ex-Real Madrid ainda vive em Espanha!

«Vivo na Galiza, sim. Criei a minha família aqui, os meus filhos são espanhóis. Raízes. Também gosto muito da Galiza porque me lembra de Cabo Verde, tem praia e peixe, coisas que o Tinaia gosta», diz, desde o bar de praia onde trabalha, em Sanxenxo.

«Já tenho um contrato vitalício aqui! O futebol para mim acabou, gosto é disto. Gosto de andar sempre a rir, descalço e sem camisa.»

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