
Central do Timão
·24 June 2025
Relatório final da polícia sobre o caso VaideBet traz fatos novos; inquérito vai para o Ministério Público

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·24 June 2025
Na noite desta segunda-feira, 23, o delegado Tiago Fernando Correia, do Departamento de Polícia de Proteção à Cidadania (DPPC) da Polícia Civil de São Paulo, concluiu o inquérito sobre o caso VaideBet. As investigações duraram quase um ano e resultaram em um processo cujos autos chegaram a quase quatro mil páginas. Já o relatório conclusivo, datado do último dia 18, conta com 273 páginas ao todo.
Somado aos indiciamentos já revelados anteriormente, pelos crimes de associação criminosa, furto qualificado e lavagem de dinheiro, de Augusto Melo (presidente afastado do Corinthians), Sérgio Moura (ex-superintendente de marketing), Marcelo Mariano (ex-diretor administrativo) e Alex Cassundé (indicado pelo clube como intermediário do acordo com a casa de apostas), também foi implicado, pelo crime de omissão imprópria, Yun Ki Lee (ex-diretor jurídico).
Foto: Divulgação/Corinthians
A Central do Timão teve acesso ao relatório conclusivo do caso, onde toda a investigação conduzida pelas autoridades é detalhada, citando não apenas os personagens indiciados mas também outras pessoas que, nos últimos meses, tem frequentado os círculos de poder do Parque São Jorge, como Bruno Alexssander Souza Silva, o “Buzeira”, influencer, e Marcos Boccatto, presidente de honra do Água Santa, aliado de Augusto Melo e ex-superintendente de Novos Negócios do Corinthians.
Antes de trazer à tona novos elementos, porém, o delegado Tiago Correia se dedicou a fazer no relatório uma espécie de resumo do caso, explicando todo o contexto da chegada da VaideBet ao Corinthians e detalhando as contradições nos depoimentos dos personagens indiciados, o que para a polícia serviu como evidência de que houve um conluio para que a empresa Rede Social Media Design fosse colocada como intermediária do acordo, recebesse os recursos da comissão e os desviasse para fins criminosos.
Além disso, esta parte introdutória do relatório trouxe também um resumo de toda a lavagem do dinheiro da comissão paga pelo Corinthians e recebida pela Rede Social Media Design, passando por diversas empresas de fachada como a Neoway Soluções Integradas, Wave Intermediações e Tecnologias e Victory Trading Intermediação de Negócios, até chegar à UJ Football Talent, empresa investigada por ter relação com o crime organizado.
Todos estes detalhes já citados constavam também no despacho de indiciamento emitido pela autoridade policial emitido há cerca de um mês, quando foram indiciados Augusto Melo, Marcelo Mariano, Alex Cassundé e Sérgio Moura. Na época, a Central do Timão também teve acesso ao documento na íntegra e resumiu seu conteúdo em detalhes em matéria no dia 23 de maio.
COAF traz novos personagens
O relatório conclusivo, porém, traz também novas informações, até então desconhecidas do público em geral. O documento, por exemplo, resume com maior riqueza de detalhes os vínculos suspeitos entre as empresas de fachada citadas acima, ou seja, Neoway, Wave e Victory, graças a quatro Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) emitidos pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).
Um dos nomes citados nestes relatórios do COAF foi de Antônio Vinícius Gritzbach, assassinado em novembro de 2024 após aceitar negociar um acordo de delação premiada de membros do crime organizado para as autoridades. Vale lembrar que uma das denúncias de Gritzbach foi, justamente, que a empresa UJ Football Talent (destinatária final da comissão recebida pela Rede Social Media) seria ligada a Danilo Lima de Oliveira, o “Tripa”, que seria integrante do PCC.
Outro nome implicado foi o do influencer Bruno Alexssander Souza Silva, o “Buzeira”, considerado próximo de membros da gestão Augusto Melo, inclusive tendo se reunido com o próprio em julho, no Parque São Jorge. O nome de Buzeira foi flagrado em diversas operações financeiras com duas das empresas de fachada usadas na lavagem do dinheiro furtado do Corinthians: a Wave e a Victory.
A relação entre a Wave e a Buzeira Digital, empresa do influencer é apontada como indireta: a empresa fantasma foi flagrada no meio de negociações entre o mesmo e outros personagens diversos, como empresários e outros influencers. Já com a Victory, foram detectadas remessas diretas da empresa para Buzeira. Uma das transações – R$ 1 milhão enviados em 1º de abril de 2024 – ocorreu apenas alguns dias depois que a própria Victory enviou parte do dinheiro furtado do Corinthians à UJ Football Talent.
Outro nome citado foi o do jogador argentino Juan Martín Lucero, que atua no Fortaleza e também teve operações com a Wave e a Victory. Segundo os RIFs do COAF, o atleta enviou R$ 357 mil à primeira e R$ 105 mil à segunda empresa, fato que chamou atenção das autoridades. O relatório explica a citação ao jogador: “Tal situação deixa em aberto a possibilidade de que a WAVE e a VICTORY também operassem com capital proveniente do mundo futebolístico, seja para distanciá-lo da origem, seja para destiná-lo ao verdadeiro beneficiário.”
Por fim, o COAF ainda aponta transações financeiras entre as empresas de fachada e duas intermediadoras de pagamentos usadas pela VaideBet para repassar ao Corinthians as parcelas do patrocínio: a OTSAFE e a Pay Brokers. Tal fato levantou nas autoridades a suspeita de que tais facilitadoras também possam estar sendo usadas pelo crime organizado, em virtude da “parca atuação regulatória” sobre o setor das bets no Brasil.
Por que a UJ?
Já na parte final do relatório, o delegado Tiago Fernando detalha a conclusão das investigações sobre o motivo de o dinheiro furtado do Corinthians ter chegado até a UJ Football Talent, após uma longa trama de depósitos envolvendo as empresas de fachada citadas anteriormente.
Inicialmente, este trecho do documento detalha que, no papel, a UJ é de propriedade de Ulisses de Souza Jorge, mas que na prática a empresa seria, na verdade, de Danilo Lima de Oliveira, o “Tripa”, conforme delação premiada de Vinícius Gritzbach, que ainda denunciou o envolvimento deste no PCC. Uma das evidências desta “sociedade” é que outra empresa de Danilo, a Lion Soccer, funciona na mesma rua da UJ, apenas apresentando uma numeração diferente para o logradouro.
O relatório ainda apresenta declarações e fotos onde ambos aparecem juntos celebrando e/ou repercutindo negociações de atletas agenciados, como a ida do lateral-direito Emerson Royal ao Barcelona, em 2021. Esta transferência, por sinal, foi usada inicialmente como pretexto pela UJ para justificar os valores recebidos da Wave e flagrados pela investigação. No entanto, a tese foi desmentida pela polícia, já que a Wave foi fundada um ano depois de o atleta ter se transferido à equipe espanhola.
Então, as autoridades passam a explicar a relação da empresa com os indiciados. A investigação partiu de duas fontes: afirmações de Rubens Gomes em depoimento e uma denúncia anônima recebida pela polícia, dando conta da organização financeira da campanha de Augusto Melo à presidência do Corinthians. Ela teria três operadores: Marcos Boccatto, Marcelo Mariano e Marcelo Eduardo Rodrigues Sales, o Ninja, que atuou como chefe de gabinete do presidente afastado.
Ao todo, cerca de R$ 3 milhões teriam sido gastos na campanha em 2023, e estes valores teriam sido arrecadados de diversas fontes, incluindo empresários de jogadores, influencers, empresários e até mesmo agiotas. Enquanto Marcelo Mariano seria como um “tesoureiro” dos valores, os outros participariam da arrecadação dos recursos.
A presença de Bocatto no “comitê” seria explicada pela relação de longa data com Augusto Melo, já que segundo a investigação, ambos possuem negócios imobiliários no interior de São Paulo há mais de 20 anos. Mas a sua relação com o Água Santa, clube do qual é presidente de honra, também chamou atenção da polícia, já que o clube é constantemente apontado como tendo ligação com o crime organizado – algo que também é dito, no relatório, de Ninja.
O influencer Buzeira é um dos nomes citados entre possíveis doadores da campanha de Augusto Melo, assim como o agente de jogadores Marino Rosa e o empresário Roberto Graziano, dono do São Bernardo. Tanto para Marino quanto para Graziano, a investigação aponta elementos relacionando-os ao presidente afastado do clube, seja em relações profissionais prévias ao Corinthians (como a passagem de Augusto pela União Barbarense), seja por interações recentes (como uma situação onde Roberto teria cobrado de Augusto, no Parque São Jorge, o pagamento da dívida de campanha).
Outro nome implicado à UJ e relacionado ao Corinthians foi o de Haroldo Dantas, aliado de Augusto Melo e atual presidente do Conselho Fiscal do clube. O relatório cita um episódio onde Haroldo teria negociado um jovem atleta com a empresa Thunder Sports, de Sandro Gama, e tempos depois, ambos teriam apresentado mesmo o jogador à UJ, de onde o mesmo foi negociado com o Santos
Com todos estes fatos levantados, a conclusão da polícia é de que a UJ Football, destinatária final dos recursos furtados do Corinthians, seria uma das responsáveis por ressarcia doadores de campanha de Augusto Melo, que após sua eleição teriam se tornado credores, tanto no âmbito financeiro quanto no âmbito político. Para as autoridades, o presidente afastado do clube utilizou-se da estrutura alvinegra para favorecer indevidamente seus aliados, que antes haviam financiado sua campanha:
“(A UJ) Se revelou como elo funcional e operacional entre o financiamento da campanha de AUGUSTO MELO (ainda que parcial) e interesses paralelos, de natureza espúria. Seja como agência de jogadores que doou recursos à campanha, seja como empresa conectada a agentes do crime organizado, sua presença como beneficiária final encontra-se, definitivamente, plenamente justificada pelo papel que parece ter desempenhado.”
“Inexplicável oscilação financeira”
Por fim, o relatório do delegado Tiago Correia ainda detalha a movimentação financeira de Augusto Melo em sua conta no banco Santander entre agosto de 2023 e agosto de 2023, revelando o que chamou de “estranha e inexplicável” oscilação. Isso pois, ao analisar os depósitos em espécie feitos na conta, um padrão peculiar foi encontrado.
Segundos os dados do COAF para a conta em questão, nenhum depósito foi feito entre agosto e novembro de 2023, e tampouco entre maio e agosto de 2024. No entanto, entre dezembro de 2023 e abril de 2024, praticamente o mesmo período em que ocorreu a negociação e vigência do patrocínio da VaideBet ao Corinthians, a conta recebeu mais de R$ 150 mil em espécie, por meio de depósitos fracionados sem identificação do remetente.
Dois fatos chamaram atenção da polícia: o próprio fracionamento dos depósitos em si, sempre com valores até R$ 2 mil (o limite para que a identificação por CPF não seja necessária), e a prática de “assinar” uma sequência destes depósitos com outros, de menor valor e considerados “simbólicos”, por parte de pessoas próximas a Augusto, como por exemplo Carlos Eduardo Melo Silva, seu sobrinho.
Tais depósitos em dinheiro tiveram início dias após a eleição de Augusto Melo à presidência do Corinthians e cessaram justamente quando possíveis irregularidades envolvendo a Rede Social Media Design começaram a ser ventiladas na mídia, no final de abril de 2024 – agravadas pelas declarações de Rubão e pela denúncia de Juca Kfouri, que foram o estopim do escândalo e motivaram a abertura do inquérito policial na DPPC.
Conclusão e próximos passos,
O relatório final da investigação é concluído com uma justificativa final dos indiciamentos, onde o delegado Tiago Fernando explica quais crimes enxergou terem sido cometidos pelos cinco indiciados: Augusto Melo, Sérgio Moura, Marcelo Mariano, Alex Cassundé e Yun Ki Lee.
Além disso, dedica um capítulo para reprovar a conduta da VaideBet durante o caso, apontando o que chamou de “posturas criticáveis” ao longo da deflagração do escândalo envolvendo as empresas de fachada. Os Gaviões da Fiel, maior torcida organizada do clube, também são citados pelo delegado no documento:
“Outra atitude condenável (…) foi a negociação com a Gaviões da Fiel envolvendo o patrocínio, na qual indivíduos que representaram o Grêmio solicitaram verbalmente, e tudo indica em nome próprio, o pagamento de um camarote. A empresa de apostas aceitou, configurando um acordo extracontratual, sem qualquer transparência e fora dos padrões usuais. E para variar, a empresa que figurou no correlato contrato junto à ARENA foi apontada como sendo de fachada.”
O delegado ainda apontou a necessidade de novas investigações específicas para apurar práticas criminosas cometidas por outros indivíduos e empresas, que teriam sido detectadas durante a investigação, e cujas apurações não avançaram devidamente para que o objeto inicial do inquérito não se perdesse.
Agora, o caso vai para o MP-SP, que já estava envolvido nas investigações desde o início, mas a partir deste momento deverá analisar as conclusões da polícia e decidir se oferece denúncia à Justiça, acatando as recomendações do delegado. O órgão pode, ainda, divergir parcialmente das conclusões do delegado, ou mesmo discordar totalmente, pedindo o arquivamento do caso.
Confira a entrevista completa: