Zerozero
·17 December 2024
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·17 December 2024
No coração dos Apeninos - a famosa cordilheira italiana -, existe uma remota nação que tem feito história. São Marino é o país mais pequeno da Europa e quase o menor em população - se tivermos em conta que tem pouco mais de 30 mil habitantes.
A seleção de futebol é frequentemente apelidada como a pior da Europa. Afinal, segundo o ranking da UEFA, ocupa o último posto desde 2015/16 e, simplesmente, aparenta não descolar do lugar. No entanto, dentro de toda esta grande narrativa sobre uma pequena nação, há história a ser feita, dia após dia.
Falamos de uma seleção nacional, sim, mas ser jogador de futebol - na grande maioria dos casos dos internacionais são-marinhenses - não é um trabalho a full-time. Uns estudantes, outros até agentes imobiliários e vendedores. No fundo, cada um dos jogos disputados por São Marino acaba a ser uma eterna luta contra probabilidades, onde cada golo marcado não é apenas um ponto na tabela, mas, sim, um marco na história de um país.
E este marco finalmente chegou. Contra todas as expectativas, conseguiram não uma, mas duas vitórias em jogos oficiais.
A história de São Marino tem caras e nomes. Uma delas esteve à conversa com o zerozero. Roberto Cevoli tem 55 anos e é o timoneiro desta seleção desde o início de 2024. O italiano é o porta-voz destes marcos. Sem hesitação, atendeu a chamada do nosso portal.
Para entender o feito, há que entender toda a história que existe por detrás da mesma. Foi preciso chegar ao final deste ano para os são-marinhenses viverem uma grande alegria no futebol. Mas o quão difícil é trabalhar a modalidade no país? Não há ninguém melhor do que o próprio selecionador para responder.
«Aqui, treina-se pouco. Não temos muito tempo para o fazer e, sendo um país tão pequeno, é difícil encontrar jogadores. A base de recrutamento é muito pequena. Precisamos de trabalhar na qualidade e não na quantidade. É isso que fazemos sempre que podemos. Um jogador típico de São Marino é um rapaz que trabalha e, à noite, treina. Algumas vezes, para jogar ou treinar, têm de tirar férias.», começou por referir Roberto Cevoli, em conversa com o zerozero.
Os esforços são imensos numa equipa que tenta ser competitiva em tudo a que se propõe. Nunca conseguiram chegar a uma fase final de uma competição, seja Campeonato Europeu ou Campeonato do Mundo, mas foi na última edição da Liga das Nações que fizeram história. Conseguiram não uma, mas as duas primeiras vitórias de São Marino em competições oficiais, venceram o Grupo 1 da Liga D e carimbaram a ascensão à Liga C.
«Foi uma emoção única e, ainda hoje, quando penso nisso, me emociono. Ainda não sei o que sentir. Temos de continuar a sonhar, porque, de vez em quando, se nos empenharmos e trabalharmos arduamente, os sonhos tornam-se realidade», confessou Cevoli.
Para conseguir estes resultados, também há outro fator a ter em conta e que o selecionador nacional valoriza muito: os adeptos: «Conseguimos ter cerca de 1.500 e, por vezes, perto de 2.000 espectadores nos estádios. Este número, para São Marino, é muito grande. No último jogo fora de casa, cerca de 200 pessoas nos apoiaram e isso foi muito importante para nós.»
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O sonho comanda a vida. Esta é uma das típicas frases anunciadas em casos semelhantes ao de São Marino. Mas, para atingir o sonho, é preciso trabalhar. O próprio Roberto Cevoli, em conversa com o nosso portal, afirmou isso mesmo.
«As expectativas são e serão sempre as de continuar no percurso de crescimento e melhorar jogo após jogo. As melhorias mais importantes, ao início, foram feitas do ponto de vista mental. Agora, acredito que podemos competir, pelo menos, com as equipas do nosso nível. Temos de continuar a trabalhar. É o mais importante», refletiu.
O cenário competitivo em São Marino não chega perto de ser idílico, mas a caminhada para alcançar o sonho da glória tem sido feita a passo e passo. A Seleção Nacional já conseguiu as primeiras vitórias, carimbou a ascensão à Liga C, mas como será a Liga do país? O zerozero partiu em busca de o perceber.
Paulo Enrike é um jovem brasileiro que joga em São Marino, mas também já passou por Portugal. Aos 20 anos, é dos poucos jogadores que tem estes dois países em comum no currículo. No entanto, em conversa com o zerozero, a primeira pergunta que surgiu foi: porquê São Marino?
«Era uma boa oportunidade em termos de visibilidade. Mesmo que seja considerado um campeonato amador, não deixar de ser uma primeira divisão nacional. Todos os jogos são transmitidos e temos a possibilidade de participar das fases preliminares tanto da Liga dos Campeões como da Conference League. Foram esses os pontos que me chamaram a atenção», começou por referir.
Em Portugal, o médio de 20 anos atuou pelo RD Águeda há duas temporadas. Guarda esse período como muito especial na sua vida e admitiu que existem várias diferenças entre a realidade que viveu em solo luso e que está a experienciar atualmente, no que concerne ao futebol.
«O nível aqui é bom. É um campeonato que está a crescer e a evoluir a cada temporada. As equipas são equilibrados e o campeonato é bem disputado, mas o futebol aqui é muito defensivo. O principal foco das equipas é defender bem, então isso acaba por deixar o jogo um pouco travado. Em comparação com Portugal, São Marino ainda está muito abaixo no que concerne ao nível individual dos jogadores e na questão de profissionalismo das equipas também. O campeonato é considerado amador, por isso, a liga em Portugal é muito mais forte em todos os pontos, por ter muito mais estrutura e também mais tradição futebolística», admitiu.
«Os dois países preocupam-se muito com a parte tática, mas aqui e em Itália, o foco é a defesa. Em Portugal, o jogo é mais aberto. As equipas preocupam-se com a defesa, mas não têm medo de atacar. O jogo é mais fixe de se assistir e de jogar também.», refletiu, em conversa com o nosso portal.
À semelhança de Roberto Cevoli, também Paulo Enrike mencionou uma parte importante que se alia ao futebol praticado em São Marino, que referiu no início da conversa: o amadorismo e a necessidade de trabalhar para lá dos relvados.
«A maioria das equipas em São Marino são compostas por jogadores que trabalham durante o dia, treinam durante a noite e vão para os jogos no fim de semana - é tudo um pouco parecido com o que acontece nos Campeonatos Distritais de Portugal. A grande parte das equipas treinam duas ou três vezes por semana e jogam ao fim de semana», refere.
De Portugal, Paulo guarda as boas recordações. Em São Marino, há um período mais triste na carreira.
«Considero a minha passagem por Portugal muito especial. Joguei no campeonato sub-19 e foi a minha primeira experiência na Europa. Aqui, fiz apenas o primeiro jogo no campeonato, ainda em agosto. Depois disso, rompi um ligamento no tornozelo, mas voltei a jogar no último fim de semana. Fiquei cerca de três meses sem jogar, mas posso considerar que este último jogo foi especial por ter marcado o meu regresso aos relvados após um longo período lesionado», conclui.
Agora, resta o desejo do regresso a Portugal, depois de uma temporada num país que tem feito história pelo futebol europeu da maneira possível. Será que a surpresa se pode tornar afirmação?