Zerozero
·25 February 2025
<i>Em El Salvador não há futebol?</i>: «Não sei se a paixão aqui não é maior do que no Brasil»
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·25 February 2025
Nunca uma decisão de arbitragem originou tantas críticas direcionadas a um país. No passado dia 14 de fevereiro, o Al Hilal empatou contra o assumidamente mais modesto Al-Riyadh (1-1), na 20ª jornada do campeonato saudita. Na conferência de imprensa pós-jogo, Jorge Jesus queixou-se de uma grande penalidade e rasgou o árbitro principal da partida.
Falamos de Iván Barton, renomado juiz salvadorenho, árbitro FIFA desde 2018, que, inclusive, orientou três jogos do último Mundial.
Entre as críticas do treinador, num momento de sobressalto, de frustração, desbarato e sucessivos disparos sem destinatário concreto, El Salvador acabou por sair como o grande ferido de uma guerra de palavras onde nem pediu para participar.
«Em El Salvador há futebol?(...) Em El Salvador não há futebol». Ora, basta uma pesquisa rápida no zerozero para se perceber que, efetivamente, há futebol em El Salvador.
Contudo, essa breve constatação soube-nos a pouco e, por isso, decidimos aprofundar.
Se o popular adágio nos dá certezas que há um português em cada parte do mundo, com os brasileiros a história não deve ser muito diferente. Juntámos, assim, o melhor dos dois mundos e, entre as quase infinitas fichas do zerozero, encontrámos um brasileiro, com passagens pelo futebol português, a atuar na primeira divisão salvadorenha. Guilherme Silva era a pessoa certa e guiou-nos nesta viagem.
Para saber se valia a pena ou não iniciar esta peça, a primeira pergunta era óbvia: as declarações de Jorge Jesus chegaram a El Salvador?
Não só chegaram como deram pano para mangas: «Durante uma semana, só se falava praticamente disso nos jornais desportivos. Ele pode achar que não há futebol, mas há muito.»
Brasil, Argentina, Inglaterra, Portugal... El Salvador. No pequeno país da América Central, o futebol é rei.
«As pessoas só vivem para o futebol. Se é o desporto rei? É. É uma febre, mesmo. Para dar um exemplo, um jogador que jogue aqui na primeira divisão, com as devidas distâncias, tem a vida de um que jogue no Benfica. As pessoas são verdadeiramente apaixonadas», revelou-nos o médio brasileiro.
Tamanha paixão entusiasmou-nos, mas também nos criou mais dúvidas: se há todo esse carinho pela modalidade, por que razão o futebol salvadorenho não é tão conhecido?
Guilherme Silva fez-nos o retrato social do país e tudo fez mais sentido.
«O país pode ser muito profissional em algumas coisas, mas não tem grandes infraestruturas. De há cinco anos para cá, El Salvador tem tido uma grande evolução, com a entrada do Bukele [presidente]. Era um país que ninguém queria visitar, por ser muito perigoso; agora, já há menos narcotráfico, é muito seguro. Automaticamente, todas essas mudanças ajudaram no desenvolvimento do futebol. Uma coisa puxa a outra. Ainda assim, as infraestruturas não são as melhores. Acho que isso é algo geral na América Central: Guatemala, Honduras… As infraestruturas não são as mais apropriadas», admitiu.
«A primeira liga é profissional e as pessoas vivem só disso e para isso. Ainda assim, têm de melhorar as infraestruturas. Jogamos no Mágico González, um estádio de topo aqui - a seleção de El Salvador só joga em dois estádios - Mágico González e Cuscatlán - e este é um deles. Se andarem pelo país todo, não há estádios como estes. Por exemplo, se assistirem a um jogo da Liga 3, há muita diferença entre o presente e há três anos. As infraestruturas mudaram tudo, dão outro ar. É diferente assistir a um jogo num estádio bonito de um jogo num estádio onde a bola não rola. Isso condiciona tudo», constatou o brasileiro.
A menção à apaixonante Liga 3 recordou-nos as aventuras de Guilherme: antes de El Salvador, houve Portugal e Brasil. Para o próprio, a paixão é o elo que assemelha o futebol dos três países.
«É o grande ponto em comum; se calhar, aqui até sentem mais, porque não há outro lazer. Sou brasileiro e não sei se a paixão aqui não é maior do que no Brasil», atirou.
Foram sete anos e meio por Portugal, até que, em janeiro de 2024, uma oportunidade surpreendente mudou a vida do brasileiro. Guilherme contou-nos todo o processo rumo à desconhecida liga salvadorenha:
«Foi através de um amigo meu, que precisava de um avançado. Liguei-lhe e disse: "Estou aqui". Ele perguntou-me se eu tinha interesse em jogar no El Salvador e eu pensei: "Porque não?". Ele fez a ponte para o empresário, que enviou uns vídeos meus para o clube. Gostaram e vim, num contrato de seis meses. Correu tudo bem, fizemos um bom campeonato e renovei por mais um ano.»
Desde o início da aventura, a paixão das pessoas do El Salvador pelo futebol ficou bem patente e comprovada.
«Quando vim para cá, não conhecia o futebol de El Salvador nem tinha uma noção de como era. Tentava encontrar informações do país e não via quase nada. No voo, as pessoas abordavam-me e pediam para tirar fotografias. No aeroporto, quando passei pela zona da imigração, os seguranças fizeram o mesmo. Aí comecei a ter noção do que era o futebol aqui. Em Portugal, para estares nesse nível, ou jogas no Sporting, Benfica ou FC Porto; se calhar, um SC Braga ou um Vitória SC. De resto, as pessoas não se importam. Aqui, se estiveres na primeira divisão, as pessoas respeitam-te e acarinham-te muito, independentemente do clube», notou.
Em tons de conclusão, a conversa regressou onde começou: Jorge Jesus. O trintão brasileiro revelou que entende o porquê do português pensar assim, mas...: «Não concordo. É uma liga alternativa, mas é profissional; tem limitações e falhas, mas que dá muito a várias pessoas.»
«Há uns anos, também se dissessem que o Jorge Jesus e o Cristiano Ronaldo estariam na Arábia Saudita, seriam chamados loucos! Era impensável, só que houve o tal investimento. Apareceu o dinheiro e chegaram dos melhores profissionais do mundo», continuou.
Não obstante, o jogador não guarda rancor e até deixou um convite a Jorge Jesus para o futuro: «Se um dia quiser vir cá, está à vontade. O país, o presidente... Ficaríamos todos muito contentes por recebê-lo, logicamente.»
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