
Gazeta Esportiva.com
·20 June 2025
Corinthians identifica adiantamentos, aumento da folha e tenta conter danos financeiros

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·20 June 2025
A diretoria interina do Corinthians, presidida por Osmar Stabile e pelo vice Armando Mendonça, encontrou um cenário de administração financeira extremamente delicado deixado pela gestão Augusto Melo. Ciente dos problemas, o grupo montou uma força-tarefa e conta com o auxílio de aliados para tentar conter os danos financeiros.
A diretoria financeira do clube foi assumida de forma interina por Emerson Piovesan, conselheiro vitalício que ocupou o cargo durante o mandato de Roberto de Andrade, entre 2015 e 2017. Ele tem a ajuda de Rozallah Santoro.
Rozallah foi diretor financeiro do Corinthians no início da gestão Augusto Melo, mas deixou a função cerca de seis meses depois, em junho do ano passado. Ele foi convidado por Stabile para ocupar algum cargo na diretoria interina e negou, mas se colocou à disposição para ajudar a ‘apagar incêndios’ no setor de finanças.
O departamento ainda conta com o retorno de Roberto Gavioli. O profissional, que atuava como gerente financeiro do Timão desde 2017, mas deixou o clube no mandato de Augusto, voltou a colaborar após Osmar Stabile tomar posse como presidente interino.
SITUAÇÃO “DESESPERADORA”
A situação financeira do clube é vista pela diretoria de Stabile como “desesperadora”. Como apurou a Gazeta Esportiva, a nova gestão identificou um aumento expressivo na folha mensal do clube, incluindo todos os funcionários, não apenas os atletas. A despesa em 2023 era de cerca de R$ 34,7 milhões, já incluindo encargos e PJ (Pessoa Jurídica). Em 2024, os números saltaram para R$ 42 milhões, representando um aumento de 21%.
Esse acréscimo vai de encontro aos dados apresentados pelo Corinthians nas Demonstrações Financeiras de 2024, publicada no site oficial do clube. Os gastos com “pessoal” (salários e encargos sociais) no ano passado foram, ao todo, de R$ 428,6 milhões, retratando um aumento de R$ 30 milhões em relação a 2023, último ano da gestão Duilio Monteiro Alves. Como publicado no início do mês, Augusto Melo contratou mais de 400 funcionários durante seu mandato, política esta que impulsionou as despesas do Timão.
Diante de todo esse cenário, o clube elaborou um relatório com um diagnóstico inicial, auditado pela diretoria financeira, e propôs medidas emergenciais a serem tomadas para amenizar a crise.
(Foto: José Manoel Idalgo/Agência Corinthians)
A Gazeta Esportiva teve acesso, com exclusividade, ao documento. O relatório apresenta algumas das pendências herdadas pela diretoria interina e outras deficiências da gestão Augusto Melo que impossibilitam um melhor controle e planejamento do setor financeiro.
PENDÊNCIAS PRIORITÁRIAS
Uma das pendências apontadas pela nova diretoria financeira é o atendimento de demandas dos Conselhos do clube (Fiscal, de Orientação e Deliberativo). Durante o mandato de Augusto Melo, diversos pedidos não foram respondidos, como por exemplo o acesso ao contrato de Memphis Depay.
Além disso, há uma necessidade de reorganizar o setor. O lançamento de uma série de dados no sistema do clube foi descontinuado, o que impede a diretoria de ter controle do fluxo de caixa e projetar as necessidades financeiras até o fim do ano. Além disso, segundo o relatório, inexistia qualquer acompanhamento mensal orçamentário para 2026, impossibilitando assim a gestão atual de realizar o correto direcionamento de recursos.
Por fim, a diretoria financeira exige que sejam atendidas demandas externas referentes à Apfut, responsável por gerir o Profut, além de pendências ligadas à transações tributárias e ao RCE, o Regime Centralizado de Execuções.
OS PROBLEMAS HERDADOS
A gestão interina se deparou com a ausência do lançamento correto de notas fiscais de produtos enviados pela Nike, despesas com cartões de crédito não lançadas desde janeiro deste ano, alguns adiantamentos e inconsistências nos procedimentos de viagens, compras e alimentação dos atletas.
De acordo com o relatório, cerca de R$ 60 milhões foram adiantados e lançados em contas de “adiantamentos de fornecedores” sem o devido encaminhamento do documento fiscal. Deste valor, aproximadamente R$ 40 milhões referem-se a direitos de imagem (pagamentos realizados de acordo com acordos vigentes), enquanto outros R$ 20 milhões referem-se a outros pagamentos, aparentemente sem contratos, o que expõe o clube a riscos fiscais.
Houve, também, adiantamento de despesas de menor valor, relacionadas a jogos, viagens, eventos e etc. O saldo se aproxima de R$ 1 milhão e, neste caso, também não existiu prestação das contas.
Além disso, ao analisar o balancete de fevereiro de 2025, a diretoria interina identificou inconsistências contábeis nos critérios de apropriação de receitas de TV. Cerca de R$ 30 milhões foram lançados como “receita efetiva” naquele mês, sendo que, no entendimento da atual gestão, o correto seria diluir a quantia pelo período de 12 meses. A receita de royalties da Nike recebida em fevereiro também foi lançada desta maneira, o que, na visão dos dirigentes atuais, é incorreto.
Desta maneira, em uma análise simples, o superávit de R$ 12 milhões obtido no mês de fevereiro se transformaria em um déficit de cerca de R$ 23 milhões. O balancete ainda apresenta um aumento de 20% das despesas de “pessoal” em comparação com o mesmo período de 2024. Em fevereiro do ano passado, os gastos eram de R$ 72.877 mil. Já neste ano, pularam para R$ 87.476 mil.
AÇÕES EMERGENCIAIS
Uma das várias medidas emergenciais sugeridas pela diretoria financeira é a negociação direta com a Receita Federal do Brasil (RFB) e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) para reestruturar os pagamentos das dívidas tributárias existentes, incluindo parcelamentos anteriores e tributos não pagos ao longo de 2024 e 2025.
Vale lembrar que, há pouco tempo, o Corinthians correu sérios riscos de ser excluído do Profut e do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), pois haviam quatro parcelas atrasadas desses planos de pagamento, sendo que o limite permitido é três. A diretoria presidida por Stabile pagou cerca de R$ 10 milhões para quitar o Perse e também regularizou a situação no Profut.
A gestão, ainda, quer renegociar o contrato de refinanciamento da Neo Química Arena, implementar políticas para restrição de gastos e revisar contratos de patrocínio, bancos e de TV para estabelecer com clareza o volume e a periodicidade de recursos previstos para o período de junho a dezembro deste ano.
Isso porque, em uma análise preliminar, a diretoria identificou a antecipação de cerca de 45% do fluxo financeiro dos acordos de transmissão, e outro adiantamento, em menor volume (aproximadamente R$ 10 milhões), do fluxo do patrocinador máster, além do comprometimento do fluxo mensal do contrato com a Brax, que foi usado para pagar dívidas com o Flamengo, referente à compra de Matheuzinho, empréstimos bancários e, mais recentemente, a multa da demissão da comissão técnica de Ramón Díaz (estimada em R$ 16 milhões).
Os dirigentes, inclusive, tem se reunido com agentes envolvidos nos casos para reorganizar o fluxo de pagamentos, como aconteceu na semana passada, quando o vice Armando Mendonça se reuniu com Igor Zveibrucker, empresário que ajudou o clube no início do mandato de Augusto Melo.
Por fim, o clube buscará atender demandas específicas, do ponto de vista jurídico e financeiro, para a implementação final dos planos de pagamento de dívidas alocadas junto a CNRD (dívidas esportivas) e ao RCE. Aprovar o RCE, aliás, é uma das prioridades da diretoria presidida por Stabile nestes próximos meses, antes da realização da Assembleia Geral que pode destituir definitivamente Augusto Melo da presidência do clube.
Em meio à elaboração deste relatório, a gestão do Corinthians encontrou novas necessidades que precisaram ser resolvidas em caráter de urgência. A diretoria, por exemplo, utilizou a cota do Campeonato Paulista de 2025 como garantia para honrar o salário do elenco do mês de junho e quitar outras pendências. A folha é estimada em R$ 22 milhões.
O QUE DIZ AUGUSTO MELO
A Gazeta Esportiva entrou em contato com a assessoria de Augusto Melo, que enviou um posicionamento sobre o caso. O presidente afastado não se manifestou especificamente sobre os tópicos levantados pela diretoria financeira no relatório anteriormente citado, mas fez críticas à atual gestão e voltou a pedir a reabertura das contas de 2023. Veja abaixo, na íntegra, o comunicado:
“Esses relatórios e apurações divulgados durante essa gestão interina não condizem com a realidade dos fatos. Em quase um mês à frente do clube, o que se tem visto é uma administração desorganizada, com o Corinthians praticamente abandonado. O reflexo disso é visível: os associados perderam o interesse de frequentar o clube, tamanha a confusão política instalada.
Falar agora em prestação de contas, em adiantamento disso ou daquilo, é totalmente extemporâneo. A hora certa de se analisar contas é no momento da apresentação oficial dos balancetes, como sempre foi feito, e como foi feito na gestão do presidente Augusto Melo. Fora disso, é apenas barulho e tentativa de criar narrativa.
Essa prática de ficar vazando relatórios – feitos às pressas, sem contraditório, e com claros interesses políticos – não só manipula a opinião pública, como prejudica o próprio clube. Tentam denegrir a imagem de Augusto Melo, mas o que fazem, na prática, é prejudicar o Corinthians em todas as áreas: financeira, administrativa e institucional.
Até um mês atrás, com Augusto na presidência, não havia atrasos de pagamento e as contas estavam equilibradas. Agora, o que vemos é uma gestão despreparada, sem capacidade de gerar receita, sem articulação para trazer investimentos, e que tenta se justificar espalhando relatórios internos para imprensa como se isso fosse prova de algo.
Não é. Isso é apenas a versão de quem hoje ocupa o cargo tentando construir uma narrativa para esconder sua incompetência e incapacidade de gestão.
Quem vai julgar se as contas estão corretas ou não é o Conselho Fiscal, o Conselho Deliberativo e, no momento apropriado, os órgãos competentes do clube, dentro do prazo e dos mecanismos estatutários.
Até lá, o que se espera de quem está no poder é trabalho, resultado e responsabilidade institucional. Não fofoca.
Inclusive, quem está no poder deve fazer o processo de reabertura de contas de 2023 para que seja explicado todos os valores que quiseram colocar no balanço de 2024. Só assim se mostrará a realidade das finanças do Corinthians.”
A reportagem também entrou em contato com a assessoria do Corinthians, que preferiu não se manifestar. Se houver algum posicionamento, o texto será atualizado.