Skuhravy, da boémia à paz numa praia italiana: «Sporting? Lembro-me da noite e dos copos» | OneFootball

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·16. Juni 2024

Skuhravy, da boémia à paz numa praia italiana: «Sporting? Lembro-me da noite e dos copos»

Artikelbild:Skuhravy, da boémia à paz numa praia italiana: «Sporting? Lembro-me da noite e dos copos»

O telemóvel toca em Celle Ligure, paraíso na costa da Ligúria. Uma, duas, três vezes.

[Pronto!]


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A voz é feminina, histriónica. Muito devagar, devagarinho, soletramos o nome desejado.

‘Tomás S-K-U-H-R-A-V-Y, per favore’.

[Tomás? Il Bomber?]

‘Si, si, il Bomber' – o Bombardeiro do Genoa, famoso nos anos 90.

[Un minuto, signore]

A espera desenha na mente uma cena de Fellini. Os exageros linguísticos, os berros entrecortados pelo bater das ondas. O areal pouca areia tem, a praia é de cascalho rijo, escuro.

Skuhravy vive e trabalha neste idílio da Itália nortenha. É uma paz distintiva, ainda que barulhenta. Passam os minutos, pelo telemóvel escutam-se os 'Tomás, Tomás!' da senhora esganiçada.

E o bom do Tomás, outrora o bomber Skuhravy, lá aparece.

O ‘pronto’ é plácido e expectante. Apresentações feitas, ali entre o inglês desenrascado e o italiano adocicado, um checo rendido aos prazeres mediterrânicos.

«Vivo há mais de dez anos nesta região. È molto bella! Não ando de telemóvel, passo os dias entre a minha praia, a casa, os jogos do Genoa e o meu padel», conta Skuhravy, o checo goleador do Italia90 e futebolista do Sporting em 95/96. Já lá vamos.

Skuhravy, 58 anos. As fotografias mostram os mesmos cabelos longos, agora cinzentos. É uma figura excêntrica, nos comportamentos e nas palavras. Mas mais calmo, jura.

«Faço aqui de tudo. Temos a concessão balnear desta praia. Trato das espreguiçadeiras, trabalho no bar e se for preciso sou nadador-salvador», brinca, ainda atordoado pela chamada de Portugal.

«Mas estão cá, querem visitar-me? Ah, por telefone não tem piada.»

«O Italia90 foi a minha glória e a minha maldição»

No verão de 1990, meio mundo da bola deseja Tomás Skuhravy. Não é para menos. O gigante de 1,93 metros, natural da pequena Prerov nad Labem, a 35 quilómetros de Praga, desde cedo vive no desassossego.

Até ao torneio italiano faz 65 golos pelo histórico Sparta. A Checoslováquia vive esmagada numa ditadura de influência soviética, consequência do Pacto de Varsóvia. Sem liberdade, sem vida, o espírito selvagem de Skuhravy sufoca. Até àquele Mundial de Itália.

Totò Schillaci é o surpreendente máximo goleador da prova, mas logo a seguir na lista surge Skuhravy, lado a lado com Roger Milla, o feiticeiro camaronês. O bis aos Estados Unidos, logo de entrada, e o hat trick à Costa Rica nos oitavos-de-final deixam os tubarões da Europa a salivar.

Skuhravy opta pelo Genoa, à época um valente gladiador na Serie A. O tempo dá-lhe razão. Forma uma dupla demolidora com Aguilera e vive noites demoníacas, na relva e nas boîtes. O look de vocalista de uma banda de heavy metal completa o ramalhete.

«Apaixonei-me por Génova, pelos tiffosi e pelo Stadio Luigi Ferraris. Fomos ganhar a Liverpool, fomos ganhar à casa da Juventus, eu sentia-me imparável», reflete, sob o sol da Ligúria.

‘E o Sporting?’, insistimos.

«Tive problemas pessoais em Itália e decidi sair. O presidente do Sporting, o senhor Santana Lopes, ofereceu-me um contrato ótimo e nessa altura o Genoa estava na Serie B.»

Os problemas confirmam-se. Carros espatifados, ausências injustificadas a treinos, uma vida de boémia, um playboy eslavo.

«O Italia90 foi a minha glória e a minha maldição. Tornei-me um ser diferente, pior», aceita, em modo de mea culpa, 28 anos depois da mudança de Génova para Lisboa.

Já sem condições mínimas para ser profissional de futebol, pesado, desinteressado, dono de um salário desajustado, de números pornográficos. E muitas lesões a acompanhá-lo, frutos envenenados do corpo castigado.

Carlos Queiroz lança-o do banco em três jogos seguidos. A estreia acontece a 16 de dezembro de 1995, em Alvalade, num 4-0 ao Felgueiras treinado por Jorge Jesus e com Sérgio Conceição na equipa inicial.

A despedida, mais do que antecipada, é feita em Chaves, num jogo tristemente famoso pelo apagão dos holofotes transmontanos. É aí, de resto, que Skuhravy ameaça o golo de leão ao peito, num remate à barra da baliza de Zé Nuno Amaro.

Nada feito. Lesiona-se, desaparece, passa mais horas na movida lisboeta do que em campo.

«Não me recordo de muito, desculpe. De Portugal lembro-me da noite e dos copos, andava numa fase negativa da vida, descontrolado. Mas tenho o Sporting no coração, toda a gente foi corretíssima comigo.»

«O futebol é um prazer longínquo»

Fast forward para 2024, Tomás Skuhravy é um asceta, «feliz com as coisas simples». Saboreia a comida italiana, os verões longos, o trabalho entre o bar e a areia. Não passa despercebido.

«Trabalhei na formação do Genoa e tive um projeto com miúdos aqui em Celle. Só vejo jogos do meu Genoa e vou estar atento ao Europeu, claro.»

Elogioso com Patrik Schick, «um avançado a sério», Skuhravy assume a impaciência pela frivolidade do futebol moderno, «demasiado puro e vigiado», em contraponto com a imperfeição de outros dias.

«Não ligo a tecnologias, mas é o mundo de hoje. Tenho uma filha artista, ajudo-a, ela até me criou redes sociais, mas eu gosto é disto. Estar com as pessoas na praia, ajudá-las, servi-las. O futebol é um prazer longínquo, hoje em dia.»

Tomás Skuhravy terá sido o mais conceituado futebolista checo a atuar em Portugal, ao lado de Karel Poborsky e Pavel Srnicek. É um tipo de outros sabores, amansado hoje pelos deleites de uma praia transalpina.

Um leão doméstico.

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