Éverton x David Neres e como a seleção mudou mesmo dizendo que não mudou | OneFootball

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·23 de junho de 2019

Éverton x David Neres e como a seleção mudou mesmo dizendo que não mudou

Imagem do artigo:Éverton x David Neres e como a seleção mudou mesmo dizendo que não mudou

Quando perguntados sobre o que mudou no Brasil de um jogo para o outro, os jogadores foram quase unânimes: nada. Embora tenha trocado dois nomes do time titular, Tite não mexeu no desenho tático da equipe, o que justificaria a resposta dos atletas. A comparação entre David Neres e Éverton, no entanto, mostra que as coisas não são bem assim, como mostram as entrelinhas das declarações dadas após o 5 a 0 sobre o Peru, na Arena Corinthians.

A narrativa de que o Brasil não mudou seu jeito de jogar, adotada por nomes como Coutinho, Filipe Luís, Gabriel Jesus e outros, atende ao discurso de defesa que a seleção assumiu após os dois primeiros jogos. Não foi, afinal, um desastre. O time venceu a Bolívia por 3 a 0 e, mesmo no 0 a 0 contra a Venezuela, teve ótimos 20 minutos iniciais e três gols anulados pelo VAR. Fazer 5 a 0 no Peru, rival mais forte da chave, sem mexer na estrutura que não vinha bem, indicaria que os críticos dos dias anteriores estavam exagerando.


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Só que as coisas não são tão simples assim, a começar pelo fato de que o próprio Tite admitiu problemas ao promover duas alterações: Gabriel Jesus na vaga de Richarlison e Éverton no lugar de David Neres. Esta última, como veremos a seguir, é justamente a que promove uma mudança além dos nomes em si.

Desde o começo da preparação da Copa América o Brasil joga com dois homens de meio-campo (Casemiro e Arthur), Coutinho mais livre para chegar no ataque, um centroavante com liberdade para se movimentar e pontas com funções distintas. A ideia é que o homem pela direita centralize para ficar mais perto do gol, enquanto o da esquerda precisa ficar aberto o tempo inteiro para abrir espaços. O próprio Tite reforçou isso em sua entrevista coletiva.

“Os dois externos, numa fase inicial e média, ficam abertos; na terceira fase, quando [o time] está alto, o Gabriel já não é aberto, é área, é o outro jogador que preenche espaço [na área]. No lado esquerdo não, é sempre [externo]”, disse Tite.

Em teoria, isso significaria que Éverton, substituto de David Neres, teria de se manter sempre colado à linha lateral, como o jogador do Ajax havia feito nos jogos anteriores. Na prática, não foi o que aconteceu. Até por ser destro e ter a característica de puxar para o meio, o atacante gremista partiu, seguidas vezes, da esquerda para a área quando estava com a bola, sem preocupar-se em necessariamente ir à linha de fundo.

Foi em uma dessas jogadas que ele fez o gol, ainda no primeiro tempo, e quase alcançou um gol de placa na etapa final. Filipe Luís, parceiro mais próximo deste ponta em campo, reforça essa visão. “São diferentes até porque Neres é canhoto. Tem de usar mais a velocidade para ir à linha de fundo e cruzar com a perna esquerda. São diferentes, agudos, agressivos. Neres também pode jogar pela direita”, disse o lateral do Atlético de Madri.

E aí entra um último ponto dessa discussão, que é o que David Neres faz quando está em campo dentro desse esquema tático de Tite. Depois do 3 a 0 contra a Bolívia, na abertura da Copa América, o treinador foi questionado se não poderia utilizá-lo na direita, com o pé invertido, para poder cortar para o meio e bater com o pé preferido.

“O Neres do lado esquerdo foi o mesmo que fez aquele gol contra a Juventus. Ele tem naturalidade para estar bem aberto, tem o lance pessoal. O Richarlison tem um posicionamento muito peculiar, é diferente dos outros. Ele é mais de área, fica mais próximo ao pivô, no caso Firmino ou Jesus. Se eu colocar o David Neres ali não vou tirar o melhor dele”, disse Tite.

Só que Neres, sob Tite, não repete a movimentação do Ajax, saindo da esquerda e cortando para o meio como fez contra a Juventus, no gol citado por Tite. Contra Bolívia e Venezuela, de maneira geral, ele permaneceu preso à ala esquerda, aberto, em geral driblando para fora e tentando muitos cruzamentos. Foram 11, ao todo, com só três acertos, número só inferior ao de Daniel Alves, que tentou 18 nos dois jogos.

Éverton, para efeito de comparação, não lançou nenhuma bola na área nos 90 minutos em campo contra o Peru. Deu, em compensação, seis dribles, três chutes a gol e dois passes-chave, além de ter feito um gol e participado de boa parte das ações ofensivas do Brasil. David Neres, nos dois jogos anteriores, somou dois dribles completos e três chutes para fora, segundo dados do WhoScored.

Não é que Éverton não atenda a orientação de Tite de manter-se na esquerda, aberto e criando amplitude. Foi justamente ali, por exemplo, que ele recebeu o passe de Coutinho que antecedeu seu gol. A diferença, em relação a Neres, é que quando ele recebe na ponta para imediatamente para o meio, em vez de buscar a lateral como o atacante do Ajax, que ali tem se isolado e ficado preso na marcação.

Essa diferença de comportamento com a bola, então, é ocasional? O próprio David Neres indica que não. Questionado sobre a sua função na equipe de Tite em comparação com a que exercia no Ajax, quando brilhou atuando mais perto da área, ele deixou claro que os papéis são distintos.

“Acho que é questão de adaptação. Como eu estava jogando no Ajax também pela esquerda mais livre adaptei ali. Aqui não é diferente de fazer adaptação e fazer bons jogos”, disse David Neres, que manteve o discurso quando a reportagem insistiu em perguntar se há uma diferença. “Sim, como eu disse. Foi diferente para mim lá também. É questão de adaptação de jogar numa posição diferente”, completou.

Mesmo sem admitir isso claramente, o Brasil mudou. E a vitória contundente da seleção não passa só por Éverton, é claro. Antes que o gremista brilhasse, o time teve um misto de sorte e competência para fazer gols com Casemiro, de bola parada, e Firmino, numa falha do goleiro, coisa que não aconteceu nos jogos anteriores, quando tinha começado até melhor as partidas.

Só que o processo de catarse criado em Itaquera, com a torcida gritando o nome de todo mundo que saiu, ditando olé desde o primeiro tempo e absolutamente em êxtase com a seleção, passa por Éverton. E a atuação do Cebolinha passa por uma mudança tática na ponta esquerda da seleção brasileira.