A seleção feminina em xeque: por que a bola de Debinha não entrou? | OneFootball

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·24 de junho de 2019

A seleção feminina em xeque: por que a bola de Debinha não entrou?

Imagem do artigo:A seleção feminina em xeque: por que a bola de Debinha não entrou?

A bola de Debinha não entrou. Pelo cansaço físico das jogadoras da Seleção Brasileira, foi o último sopro de energia ao fim do primeiro tempo da prorrogação. E o minuto inicial da segunda etapa decretou a eliminação do Brasil na Copa do Mundo; Henry, a Amandine, anotou o seu: 2 a 1 para a França. As anfitriãs administraram o placar e o Brasil, que fez frente em pé de igualdade durante quase todo o jogo, se entregou à exaustão.

"Valorizem", disse uma emocionada Marta ao fim da partida, sobre a queda da seleção nas oitavas do Mundial. Provavelmente seu último. Fim de ciclo também para Cristiane e Formiga -- esta com o recorde de sete participações no torneio, do alto de seus 41 anos.


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Se a bola de Debinha não entrou, não foi apenas por sorte ou azar da atleta. Mérito de Mbock Bathy, a zagueira francesa de apenas 24 anos que livrou o lance na linha do gol. Diz muito sobre o momento das duas equipes.

Presente em todas as Copas do Mundo desde a criação do torneio, em 1991, a Seleção Brasileira poderia mais, muito mais, diante de um time que disputou seu primeiro Mundial apenas em 2003. Na ocasião, a França ficou pela fase de grupos: foi barrada pelo próprio Brasil no empate por 1 a 1 após uma vitória e uma derrota. A zagueira Corinne Diacre estava em campo na eliminação de sua equipe, frente a frente com Marta em sua primeira Copa; Formiga, já veterana, foi banco nesse jogo.

Diacre, hoje técnica da França, participou de um projeto de renovação da seleção que levou à eliminação de suas contemporâneas Marta e Formiga. Há dez anos a França ocupava o nono lugar no ranking da Fifa; o Brasil estava em terceiro. A distância, hoje, é invertida: as brasileiras em décimo lugar e as francesas em quarto.

Exaustão

A média de idade da equipe brasileira que chegou à Copa, em 2019, é de 27.5. A francesa é de 25.8. A diferença sutil entre os números aponta uma renovação que o Brasil não conseguiu atingir: 16 anos após o primeiro encontro entre as equipes, Diacre comanda a seleção em seu primeiro Mundial como técnica. Prioriza o jogo coletivo, trabalha com peças de reposição específicas para cada setor do campo e soube o momento de substituir jogadoras que deram novo fôlego ao time na prorrogação. Estudou as adversárias e trabalhou de olho no ataque pela esquerda, explorando justamente um dos pontos mais vulneráveis do Brasil.

As brasileiras, por outro lado, ainda dependem de Marta e Formiga, mesmo que joguem em alto nível, como protagonistas. Vadão, em sua segunda Copa como treinador da equipe, argumentou ter convocado poucas atletas para o meio-campo por contar com jogadoras polivalentes: casos de Formiga, Andressa Alves e Andressinha.

Formiga, além dos amarelos que a tiraram da partida contra a Itália, sofreu uma entorse no tornozelo. Andressa Alves lesionou a coxa esquerda e Andressinha permaneceu boa parte da Copa no banco, apesar da saúde em dia. Com a zaga em linha e o ataque sendo acionado na marcação, sobraram poucas chances para atletas que atuam mais soltas na frente: caso de Ludmilla, com passagem tímida pelo Mundial, e Cristiane, sobrecarregada enquanto retornava de lesão. Marta, em seu brilho próprio, só não atuou no gol. Mas fez de tudo em campo.

A questão física das atletas é um problema. O departamento médico da seleção viveu movimentado desde antes do início da Copa. Já sob cuidados da CBF, a lateral Fabiana e a zagueira Érika tiveram de ser desconvocadas por lesões. Marta e Luana, duas que sentiram durante os treinos, trabalharam a recuperação já na Europa. Formiga e Andressa Alves ainda engrossaram as estatísticas de contundidas, a segunda sendo baixa em campo por dois jogos. Coloca em xeque o preparo físico das jogadoras, sobretudo porque o Brasil não é o único país a ter várias atletas atuando no exterior e vindo de condições distintas de treinamento -- mas parece o único a se queixar disso.

O restante do elenco, que conta com ótimos talentos individuais, também pareceu sentir. A exaustão do time antes do fim do segundo tempo contra a França era visível. Mesmo as entradas de Bia Zaneratto, Andressinha e Geyse, para adicionar velocidade ao time, além de Poliana na lateral, não trouxeram o fôlego prometido. Até tentaram, mas não foram acompanhadas pelas colegas, que mais se defenderam do que partiram para cima. A própria França, depois de anotar o segundo, tirou o pé. Preferiu segurar o resultado a ampliar o marcador; e pelo fôlego que as anfitriãs ainda tinham, o placar poderia ter sido mais amplo.

Do trio de ferro brasileiro, apenas Marta não foi substituída. Formiga saiu no segundo tempo. Cristiane, já na prorrogação, deixou o gramado carregada e aos prantos. Para além do esforço físico, fica outra questão: quem serão as substitutas das três jogadoras que tiveram tamanho destaque no Mundial?

E a base?

A dificuldade em lidar com nomes novos vem desde a base. Em sete participações no Mundial sub-20 feminino, a França acumula um vice (2016), uma terceira posição (2014) e dois anos na quarta colocação (2008 e 2018). Já o Brasil, em nove participações, terminou duas vezes como quarto colocado (2002 e 2004) e teve seu melhor resultado apenas em 2006, com o terceiro lugar.

Se a evolução francesa é mais visível, principalmente a curto prazo, a seleção ainda coleciona um título no Mundial sub-17. A um ano das próximas Copas envolvendo categorias de base, o Brasil segue sem técnico no sub-20; Doriva Bueno, treinador até setembro passado, nunca foi substituído. Luiz Antonio Ribeiro, o Luizão, técnico da sub-17, está à frente do cargo desde 2015; teve dois ciclos como treinador e, nas duas oportunidades, o time caiu na fase de grupos.

Em 2019, o calendário nacional ganhou sua primeira competição de base em nível nacional, o Brasileiro Feminino sub-18. Alguns estados trabalham com iniciativas próprias, como a Federação Paulista de Futebol, que realiza um torneio sub-17 desde 2017.

Faz sentido que Marta diga que nem ela nem Cristiane e nem Formiga estarão para sempre na seleção. Se o recado foi direcionado às gerações mais jovens, a carapuça deveria servir também à comissão técnica da CBF: quais os projetos feitos, até o momento, para fomentar a formação de atletas no Brasil?

E a bola que não entrou?

Proibido no país por quase 40 anos, o futebol feminino conheceu ciclos irregulares que dependeram da vontade individual de cartolas dentro dos clubes para a criação de equipes, muitas desfeitas por novas gestões. Estaduais foram desmanchados e repaginados até que o Campeonato Brasileiro fosse, enfim, criado em 2013.

Já consolidado, o Brasileirão trabalha em meio a disparidades: equipes que ainda não registraram suas atletas, times montados às pressas para cumprir a exigência da Conmebol e diferenças de estruturas entre clubes que já investem na modalidade há mais tempo.

O cenário do futebol brasileiro está em crescimento há muitos anos. E mesmo pioneiro em Copas, já foi ultrapassado por países que entenderam onde vale investir. Mbock Bathy é uma zagueira francesa jovem, fruto de trabalho bem feito com a base. Jogadora do Lyon, maior vencedor da Champions League feminina, está acostumada a atuar numa liga nacional cada vez mais competitiva.

Debinha jogava entre os garotos até a participação de meninas entre eles ser vetada em Brazópolis-MG, cidade onde nasceu. Correu o interior paulista de clube em clube até conseguir uma chance no exterior, para onde migram muitos dos talentos brasileiros, no feminino ou no masculino. Hoje, apesar de atuar nos Estados Unidos, ainda conhece a irregularidade dentro da elite da modalidade. Se a bola não entrou, há algo mais em jogo.